Míriam Leitão: Bolsonaro terá de falar

Se o presidente Jair Bolsonaro for ouvido nesta investigação iniciada a partir das declarações do ex-ministro Sergio Moro, a oitiva dele será presencial e não por escrito como ocorreu com o ex-presidente Michel Temer. É a conclusão de especialistas a partir do que está escrito na decisão do ministro Celso de Mello. Presidentes dos poderes podem optar por responder às perguntas por escrito, mas o problema é que Celso de Mello avisou que isso só se aplica à autoridade que for testemunha ou vítima no inquérito. Não será o caso de Jair Bolsonaro.

A parte do texto que chamou a atenção de um procurador, da cúpula do MP, é a que estabelece a “aplicabilidade somente às testemunhas da prerrogativa fundada no artigo 221 do Código de Processo Penal”. Pelo artigo, parágrafo primeiro, presidente e vice-presidente e presidentes do Senado, Câmara e STF quando forem ouvidos em um inquérito podem fazê-lo por escrito. O problema é que o ministro Celso de Mello disse que apenas se a autoridade em questão estiver na condição de testemunha. A dúvida que fica é se o PGR vai mesmo requerer essa diligência.

Em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, durante o inquérito dos Portos, respondeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República de ouvir o ex-presidente Temer afirmando que “mesmo figurando o senhor presidente como investigado, seja-lhe facultado indicar data e local onde queira ser ouvido pela autoridade policial, bem como informar se prefere encaminhar por escrito sua manifestação, assegurado ainda seu direito constitucional de permanecer em silêncio”.

A interpretação de Barroso à época é a de que não havia previsão legal sobre a oitiva de presidente da República em um inquérito em que é investigado. O CPP fala apenas de o presidente ser ouvido como testemunha. A questão que se coloca agora é que o ministro Celso de Mello escreveu e grifou a afirmação de que só para testemunha é que cabem as prerrogativas do artigo 221.

Como testemunhas serão ouvidos os ministros Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto. E nesse nível hierárquico deles a prerrogativa é a de poder combinar a hora e o local da oitiva. Mas o que se investiga é se o presidente tentou ou não interferir na Polícia Federal.

No item 7 de sua decisão, o ministro reafirma de maneira inequívoca a “inaplicabilidade a investigados e a réus da prerrogativa do art.221 do Código de Processo Penal”. Diz que isso se aplica somente às autoridades que constarem como vítimas ou testemunhas. “Caso estejam na posição de pessoas investigadas ou acusadas não terão acesso a tal favor legal, como se tem decidido nesta Suprema Corte.” Mais adiante, o ministro repete que “unicamente” as testemunhas e vítimas de práticas delituosas. “Isso significa, portanto, que suspeitos, investigados, acusados ou réus não têm essa especial prerrogativa de índole processual.” Portanto, estando o presidente Jair Bolsonaro nas condições de suspeito, acusado ou investigado nesse inquérito, ele terá que ser ouvido presencialmente. E de novo, mais adiante, o ministro diz, citando um voto anterior dele mesmo, que “independentemente da posição funcional que ocupem na hierarquia do poder de Estado, deverão comparecer, perante autoridade competente, em dia, hora e local por ela unilateralmente designados”. Todos os autos desse inquérito estão sendo enviados para a Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), da Polícia Federal.

A decisão do ministro Celso tem outro ponto importante que é a de dar mais poderes à Polícia Federal. A PF poderá tomar a iniciativa de investigar, mesmo sem pedido específico da PGR. “Acentuo que a Polícia Federal, independentemente das diligências investigatórias requeridas pela douta Procuradoria-Geral da República, poderá por autoridade própria proceder a outras atividades de caráter investigatório, tais como aquelas sugeridas pelo senhor Sergio Fernando Moro no depoimento que prestou.” E ele sugeriu, por exemplo, a requisição à Abin dos protocolos de encaminhamento dos relatórios de inteligência feitos com base nas informações da Polícia Federal. Era para mostrar que relatórios de inteligência o presidente sempre teve da PF. O que não tinha era acesso a investigações. E isso ele não poderia mesmo ter. (Com Alvaro Gribel, de São Paulo/O Globo – 07/05/2020)

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