Estamos vivendo uma situação mundial e nacional de crises. A pandemia colocou em evidência a insustentabilidade da sociedade contemporânea. Coloca-se o imperativo de defesa e ampliação da democracia como caminho para a construção de novas relações centradas na vida e na preservação da natureza.
A pactuação desta construção, através do dialogo e da cooperação permanente, é o desafio colocado às dificuldades que estamos vivendo no Brasil e em toda humanidade. A pandemia desnuda as fragilidades do sistema político, econômico e social em que vivemos.
O confinamento social está nos proporcionando uma necessária reflexão individual e coletiva. Como estamos pensando e agindo na perspectiva de superação desta complexa realidade?
A pandemia está nos transformando. Sob qual perspectiva nos colocamos?
As mudanças estão acontecendo no mundo do trabalho e da cultura. A vida em home office já está proporcionando mudanças significativas no nosso cotidiano. Muitas vieram para ficar.
Estamos nos vendo melhor e, portanto, vendo melhor o outro. O isolamento social está nos aproximando e nos fazendo pensar e agir de outra maneira, entendendo melhor as nossas limitações e fragilidades individuais e coletivas. Estamos e podemos ser melhores. Há uma preocupação maior para o que nos faz humanidade: a cooperação, a solidariedade, a luta pela igualdade, liberdade e fraternidade.
A realidade grita a favor dos excluídos, nos agride com a chegada da pandemia. Coloca nas ruas e nas redes a tragédia social de milhões de pessoas, excluídas das conquistas sociais elementares (trabalho, alimentação, moradia e saúde-saneamento básico). Será o despertar da sociedade para a importância de cada ser humano, independente em que lugar esteja no Planeta?
No Brasil, a polarização da cena política, delineada de uma maneira contundente nas últimas eleições presidenciais, levou Jair Bolsonaro à Presidência, em 2019.
É a vitória das forças conservadoras, do discurso liberal na economia, de uma efetiva participação dos militares na política e a derrota daquelas forças políticas fiadoras da transição democrática e que estiveram de maneira alternada, no centro do poder no Brasil, nos últimos 30 anos. É a derrota principalmente do PT, da maneira como agiu e construiu o exercício do poder durante os quatro mandatos na Presidência da República.
Assim, as forças conservadoras chegam ao poder pelo voto, com apoio dos militares, através de uma liderança que foi menosprezada até as eleições, pelos partidos hegemônicos da política brasileira.
Desde os primeiros dias de mandato de Jair Bolsonaro, inaugurou-se uma maneira de governar pautada na agenda do cotidiano presidencial, espetacularizada no dia a dia dos meios de comunicação, inédita na vida nacional.
A crise recente instalada no Governo Bolsonaro, com a saída dos ministros Luiz Henrique Mandetta (da Saúde) e Sérgio Moro (da Justiça), nos desafia como sociedade à construção de alternativas democráticas para o enfrentamento dos nossos problemas cotidianos, de superação da pandemia e o enfrentamento da nossa difícil realidade social, que exclui a maioria da cidadania brasileira das conquistas do bem-estar, aterrorizando em cada esquina a vida dos brasileiros.
O presidente Bolsonaro traz para a cena política um ativismo beligerante do conservadorismo brasileiro. Ameaça e despreza as conquistas do Estado de Direito e da Constituição de 1988. Desautoriza a tudo e a todos. Está recolhido ao seu labirinto familiar, com apoio e a tutoria dos generais e de uma parcela, ainda significativa, da sociedade.
O Governo Bolsonaro movimenta-se para o enfrentamento da atual conjuntura vivida pela sociedade brasileira. Há uma importante inflexão em curso de aproximação do “centrão”, colocando na berlinda o discurso eleitoral e de governo. Atua para a conquista da maioria no Congresso Nacional para barrar impeachment, colocado na sociedade e no Congresso Nacional e, adiante, havendo a continuidade do governo, para aprovação das reformas planejadas, interrompidas com a pandemia.
A política para o presidente Jair Bolsonaro é o confronto. Confronto cotidiano – mesmo quando tenha que recuar no dia seguinte. É o modo Bolsonaro de Ser e de Agir.
A República não é isto. Não pode ser isto. O que pode ser?
O futuro da sociedade e da democracia deve ser, e vai ser, mais generoso para todos os brasileiros e brasileiras. Estamos desafiados à construção de uma alternativa democrática para a nossa sociedade.
A tecelagem de uma alternativa democrática às crises política, econômica, social e sanitária é o desafio de trabalhar a unidade das forças democráticas, dialogando com a cidadania, com o mundo do trabalho e da cultura para a mobilização de uma frente ampla que garanta o Estado de Direito, a defesa da Constituição e a continuidade das reformas, assegurando a melhoria de vida da população.
O momento nos coloca a necessidade de refletir, de sonhar e de agir. A pandemia desafia a tudo e a todos. A própria vida. A ciência, como nunca, é imprescindível. São muitos os questionamentos e as possibilidades de mudanças. Há espaço para o novo, a imprevisibilidade, a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais.
Assim, as condições estão dadas, com cenários plausíveis a serem escolhidos, como acontece nos momentos cruciais da história da Humanidade.
As opções entre a democracia e a barbárie continuam postas. A democracia venceu os grandes embates no século XX. É um processo em construção. A questão democrática se impõe como um valor para a sociedade nas suas relações em si e com a própria natureza.
George Gurgel é professor da Universidade Federal da Bahia e membro da Fundação Astrojildo Pereira