Rosângela Bittar: Só Freud explica

A cada dia, uma nova insanidade do presidente. E assim se passaram 16 meses

A política brasileira está confinada pela tragédia da pandemia e já não é possível desdenhar da realidade macabra. Portanto, não é política o que pratica o presidente Jair Bolsonaro no segundo ano do seu mandato. Por mais que deboche da vida e invente movimentos para esconder sua incapacidade de liderar e enfrentar os problemas, o placar das mortes e de contaminados não permite distrações.

Espera-se sempre pela próxima atração presidencial que só não é circense porque o circo se dá ao respeito. Uma performance vai superando a outra. Já se sabe que recuará se o seu teatro do absurdo extrapolar a medida. No dia seguinte, nova insanidade. E assim se passaram 16 meses.

A negação da existência da pandemia que acha estar enxotando com seu megafone; a insistente, insolente e impune agressão aos poderes Legislativo e Judiciário; a tentativa de aliciar o Centrão na figura-símbolo de Valdemar Costa Neto, para uma pouco convincente vontade tardia de fazer base parlamentar de apoio; o recurso à velha política, condenada no palanque, se lhe serve melhor na ocasião; a escolha, a cada dia, de um inimigo forjado por temores paranoicos; o corte radical das cabeças que lhe devem o contrato, como os ministros Gustavo Bebianno, Santos Cruz, Luiz Henrique Mandetta, e a campanha permanente e irritada contra quem não pode domar, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; a retórica autoritária; o desrespeito à condição humana, mais perfeita expressão de fascismo.

Jair Bolsonaro transcendeu a política e a crônica não pode usá-la como régua para medir a extensão do atual desastre imposto ao País.

Um presidente que funciona aos espasmos. Se o espelho lhe aponta um ministro mais popular que ele, acende o alerta vermelho da traição; se a imagem refletida é de alguém em posição constitucional de interromper sua festa, muda sem pejo a rota da cruzada.

Fura o consenso do combate à pandemia, sai trôpego e de olhos vendados na contramão do mundo todo que se harmoniza para salvar a vida. Jair Bolsonaro é tão artificial que nem quando pede golpe militar dá para crer. A manifestação do último domingo, em frente ao QG do Exército, foi a mais recente provocação de um ex-capitão aos generais da ativa e da reserva que o servem. Um prazer vingativo de demonstrar poder sobre eles.

Se passar a pandemia e Bolsonaro se mantiver vivo e no poder, o Brasil que se prepare para uma página em branco. Um grande vazio, pois ele mostra, hoje, que não faz ideia do que fará, depois. O liberalismo econômico, sustentado em reformas estruturantes, vedete de suas intenções, desmanchou-se no ar em 40 dias.

Muitos intelectuais estão expondo sua perplexidade em estudos que tentam traduzir o impacto da pandemia sobre a humanidade. O ex-deputado, professor e sociólogo Paulo Delgado, em um ensaio por enquanto definido como “psicohistória presidencial”, sobre os nove presidentes que conheceu, desde Tancredo Neves, não foge à conjuntura político-sanitária ao tratar de Jair Bolsonaro.

“Vasculhar o inconsciente ajuda a entender por que ele se identifica tanto com este vírus, a ponto de ter necessidade sádica de ridicularizá-lo, insultá-lo, desafiá-lo.”

Invocando Freud, Delgado lembra que o presidente “coloca libido” nestas manifestações públicas de que participa, provocando “aglomeração, contato, contágio”. Diz, ao argumentar sobre esta hipótese: é “um comportamento psicossocial repetitivo, estimulado pelo prazer contínuo de transgredir”.

Um irônico enquadramento da ação presidencial no ambiente psicanalítico, que “só Freud explica”. Enfatiza a hiperexcitação do presidente brasileiro que poderá, conclui ele, conduzir o País a uma “derrota” de Pirro, uma espécie de fracasso altamente dispendioso. Bem além da competência da política. (O Estado de S. Paulo – 22/04/2020)

Leia também

Genivaldo Matias da Silva, um herói anônimo da democracia

Por Luiz Carlos Azedo Soube, por intermédio de amigos, do...

Edital de Convocaçao do Cidadania do Epirito Santo

Nos termos dos Estatutos Partidário, da Resolução nº 001/2025...

Cidadania Acre convoca para Congresso Estadual

O Cidadania 23 do Acre realizará, na terça, 9...

Juventude do Cidadania no Rio de Janeiro define sua nova liderança estadual

O Congresso Estadual do Cidadania, realizado neste sábado (29)...

Renovação marca o Congresso Municipal do Cidadania em Itajaí

O Cidadania de Itajaí realizou seu Congresso Municipal para...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!