A dificuldade que o presidente Bolsonaro encontrou para nomear o substituto de Sérgio Moro no ministério da Justiça é mais uma demonstração do que o cientista político Octavio Amorim Neto, da FGV do Rio, chama de “degradação do presidencialismo”. O próprio presidente admitiu que lhe faltava “tinta na caneta”, o que significa que estava bloqueado por circunstâncias políticas que o impediam de nomear seus preferidos.
Temia que o Judiciário ou o Congresso barrassem a nomeação de Jorge Oliveira para o ministério e do delegado Ramagem para a Polícia Federal, por serem amigos de seus filhos, que são objeto de investigações.
Os presidentes eleitos a partir de Dilma Rousseff em 2014, passando por Michel Temer e chegando até Bolsonaro hoje encontraram dificuldades para governar diante de crises com o Legislativo e o Judiciário.
Cercados por processos de impeachment, os dois primeiros viram seus poderes serem desidratados por decisões como a de fevereiro de 2016, quando Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, em decisão monocrática, a nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil.
Em janeiro de 2018, o juiz Leonardo da Costa Couceiro, titular em exercício da 4ª Vara Federal de Niterói, decidiu suspender a nomeação de Deputada Federal Cristiane Brasil para chefiar o Ministério do Trabalho de Temer, decisão avalizada pelo STF.
Octavio Amorim Neto lembra que o presidencialismo é um regime que investe o Poder Executivo na “pessoa” do Presidente da República, que é, simultaneamente, chefe de Estado e de governo. “Donde decorre que atributos da personalidade presidencial são fatores muito relevantes para o bom funcionamento do presidencialismo”.
Ministros precisam da confiança presidencial – não da parlamentar – para serem nomeados e mantidos nos seus cargos, gerando grande potencial de conflito entre Legislativo e Executivo, “sobretudo quando o presidente reivindica para si uma legitimidade superior à do Poder Legislativo por ter sido sufragado pela maioria popular, como alertou o grande politólogo espanhol Juan Linz”.
Quanto aos atributos da personalidade presidencial, Octavio Amorim Neto lembra que em quatro das oito eleições presidenciais diretas realizadas desde 1989, “escolheram-se pessoas ineptas para o exercício vertical e horizontal do Poder Executivo: Fernando Collor em 1989, Dilma Rousseff em 2010 e 2014 e Jair Bolsonaro em 2018”.
No Brasil, tivemos o impeachment de Collor e Dilma e tentativas de impedir Temer. Não apenas no Brasil isso ocorre, pois nos Estados Unidos, desde Nixon, que renunciou para não ser punido pelo Congresso, já tivemos tentativas de impeachment de Bill Clinton e recentemente de Trump.
Se o impeachment fosse tratado como um instrumento normal do presidencialismo democrático, sem essa carga golpista que carrega, seria a versão do voto de desconfiança do parlamentarismo, que não provoca crises institucionais graves.
Mas o cientista político Octavio Amorim Neto, mesmo reconhecendo que o uso do impeachment “começa a assemelhar-se ao voto de desconfiança no parlamentarismo”, considera que o recurso a esse procedimento continua a ser traumático pelas seguintes razões:
1) Porque significa contrariar a vontade popular expressa na eleição presidencial, o único pleito de base territorial exclusivamente nacional no Brasil (deputados e senadores têm base territorial estadual);
2) A suspensão do mandato presidencial é, simultaneamente, um processo jurídico e político, sendo, portanto, muito mais complicado do que um voto de desconfiança; e
3) Por conta do seu caráter complicado e da exigência de maioria qualificada de 2/3 para ser aprovado pelo Congresso, a destituição legal de um presidente implica a mobilização de um enorme e desgastante esforço político, o qual toma muito tempo.
Neste momento em que a principal ação do país deveria ser enfrentar a Covid-19, não é hora de entrarmos em nova crise institucional, como advertiu ontem, depois de dias de silêncio, o presidente da Câmara Rodrigo Maia.
Em suma, diz Octavio Amorim Neto, “o presidencialismo tem sido degradado pela frequente eleição de presidentes ineptos e pela ação direta do Legislativo e do Judiciário. Ou paramos de degradar nosso sistema de governo ou é melhor trocá-lo por outro”.
Íntegra do artigo no Boletim Macro, do IBRE-FGV, de abril. (O Globo – 28/04/2020)