Monica de Bolle: A renda básica emergencial

Na última segunda-feira foi aprovada por unanimidade no Congresso Nacional a Renda Básica Emergencial (RBE), um benefício de R$ 600 mensais a ser destinado a uma parte da população brasileira mais vulnerável, como os trabalhadores informais. Embora haja muito o que aprimorar, a RBE foi uma enorme conquista para o Brasil. Foi, também, um momento de protagonismo do Congresso, que tem tomado as rédeas da crise enquanto o governo, quando muito, dorme no ponto. Mas não vou tratar das andanças do presidente da República por Brasília, tampouco de suas conclamações ao vírus e à epidemia.

Apesar de a RBE ter sido uma conquista da sociedade junto ao Congresso, movendo o Estado a despeito da inércia do Executivo federal, não tardou para que o governo quisesse dela se apoderar. Ou melhor, quisesse se apoderar da medida para propaganda, porque o pagamento do benefício para quem já está passando fome o governo tratou mesmo foi de embromar. Nos lábios do ministro da Economia, Paulo Guedes, a RBE ganhou logo um nome inapropriado, insensível, de mau gosto, que beira o obsceno: “coronavoucher”. Parte da imprensa pôs-se a repeti-lo sem se dar conta de que um imenso equívoco havia sido cometido pelo ministro. Voucher, ou um “vale”, não é renda. O “vale” é um papel que dá ao detentor o direito de obter um desconto numa compra ou de trocá-lo por um bem ou serviço: vale-transporte, vale-alimentação. Renda é um fluxo de dinheiro para o recipiente, seja na forma de salários, de dividendos ou de transferências do governo. A RBE é uma transferência incondicional de renda do governo para uma parcela da população. A RBE é como o Bolsa Família, com a diferença de que o Bolsa Família exige contrapartidas dos beneficiários. Portanto, o ministro embrulhou conceitos econômicos, na melhor das hipóteses, para se fingir de pai da filha que não havia gerado.

Mas não ficou só nisso. Depois de ter tentado dar nome à filha que não era dele, o ministro disse ser muito difícil começar a pagar a RBE imediatamente. Inventou a necessidade de uma Emenda Constitucional para fazê-lo, o que, além de ser desnecessário, atrasaria o pagamento do benefício, colocando vidas em risco. Sim, vidas. Afinal, os beneficiários são pessoas que só comem aquilo que conseguem arrecadar de renda a cada dia. Pensem nos ambulantes, que, com a quarentena, não têm para quem vender. Pensem em todas as pessoas que têm de escolher entre comer ou arriscar ser contaminadas pela doença e, de quebra, transmiti-la a seus entes queridos. São essas pessoas que Guedes não quer abraçar.

Como fazer para pagar a RBE? O ministro deveria saber, pois não é difícil. Há duas maneiras. A primeira, mais fácil, seria o governo editar uma Medida Provisória (MP) para o pagamento do benefício, indicando como fonte de recursos o superávit financeiro da União — o superávit financeiro, proveniente de operações de câmbio e outras mais, é de dezenas de bilhões de reais, ou seja, muito mais do que o necessário para cobrir a RBE. Outra forma seria o governo emitir dívida.

Para isso, teria de abrir uma exceção ao cumprimento da regra de ouro, dispositivo constitucional que proíbe a emissão de dívida pública em determinadas circunstâncias. Abrir exceção para o cumprimento da regra de ouro não requer Emenda Constitucional alguma. Basta que o governo prepare uma MP indicando ao Congresso por que é necessário descumpri-la para determinada finalidade e que o Congresso aprove o projeto de lei autorizando o governo a fazê-lo. Dada a disposição do Congresso de ver a implementação da RBE, nada disso seria difícil e provavelmente poderia ser feito em menos de 24 horas. Contudo, ao invés de buscar soluções, Guedes busca empecilhos.

No calor desse momento de tamanha aflição, hashtags subiram imediatamente nas redes sociais pedindo o pagamento ou a saída do ministro. Até ministros do Supremo Tribunal Federal se pronunciaram sobre o descalabro.

A RBE será paga, de um jeito ou de outro. A RBE será aprimorada e ampliada, de um jeito ou de outro. A RBE haverá de tornar-se permanente, de um jeito ou de outro. Ela é a esperança para que, na saída dessa crise, tenhamos ao menos uma sociedade menos injusta. Da pandemia ainda nascerá um dos pilares da cidadania. (Revista Época – 03/04/2020)

Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins

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