Luiz Carlos Azedo: Mensagens das máscaras

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

A cena foi armada para sinalizar que o presidente Jair Bolsonaro é o timoneiro da luta contra o coronavírus e que todo o governo está mobilizado nessa tarefa, na qual o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ocupava a linha de frente no combate à epidemia. Bolsonaro enfatizou as medidas econômicas que o governo adotou, defendeu-se das críticas da imprensa e não fez nenhum apelo no sentido de a população aderir à política de distanciamento social, à qual continua fazendo restrições. O uso das máscaras cirúrgicas por todos os ministros presentes, inclusive o da Saúde, serviu apenas para as fotografias; foram usadas de forma cenográfica, porém, manuseadas de forma inadequada, acabaram sendo objeto de críticas dos especialistas da saúde e motivo de “memes” nas redes sociais.

Na coletiva, Bolsonaro anunciou que dois ministros estão com coronavírus, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque. Mais tarde, Bolsonaro deu outra coletiva, desta vez em companhia do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e outras autoridades do Judiciário. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também deveria estar presente, não pôde comparecer: é o primeiro chefe de poder fora de combate por causa do coronavírus. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não foi porque comandava a sessão da Casa que aprovou o “estado de calamidade pública”.

A primeira mensagem das máscaras é de que caiu a ficha para o presidente Jair Bolsonaro de que deve liderar o combate ao coronavírus; a segunda, revela que ele ainda não tem a plena dimensão da gravidade da situação. Ontem, São Paulo registrou quatro mortos em razão do coronavírus, de uma epidemia cujo marco zero é a sexta-feira da semana passada. Trata-se do estado mais populoso do país, com o maior nível de renda e melhor estrutura de saúde pública, além dos melhores hospitais privados do país, nos quais ocorreram as mortes. A epidemia começou pelas camadas de maior poder aquisitivo, mesmo assim, já começa em alta velocidade. Até as 19h20 de ontem, havia 509 casos confirmados no Brasil, em 20 estados e no Distrito Federal. O crescimento é exponencial, o número de mortes também pode ser.

É aí que está o xis da questão. Não há a menor possibilidade de conter a epidemia sem a adoção de duras medidas de distanciamento social, isolando as pessoas doentes e confinando quem não está, para evitar contágio, com exceção apenas daqueles que precisam estar nas ruas para manter os serviços básicos funcionando. Não há como fazer isso sem paralisar a economia, que já está entrando em recessão. É aí que o governo adota medidas contraditórias, algumas preconizadas pelo próprio mercado, mas inócuas, cujo foiço é manter o mercado funcionando. Por exemplo, a redução dos juros anunciada ontem pelo Copom. É uma medida simpática, mas não terá nenhum efeito prático em termos de investimento, apenas repercutirá no câmbio, desvalorizando ainda mais o real. Quem investirá no Brasil com o dólar a R$ 5,20?

Mais pobres

As medidas do ministro da Economia, Paulo Guedes, para aumentar a proteção social às parcelas menos favorecidas da população, principalmente pequenos empreendedores e trabalhadores da economia informal, que parecem ser a grande preocupação do presidente Jair Bolsonaro, são insuficientes, um pouco na linha de quem dá uma das mãos, para favorecer as empresas, e tira com a outra, sacrificando os assalariados. Há uma semana, o governo demonizava o aumento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário-mínimo, que era demonizado pela equipe econômica, atribuindo ao Congresso um rombo de R$ 20 bilhões na economia, quando na real o aumento de despesas pode ficar em torno de R$ 7 bilhões.

O que houve de fato? Com a derrubada do veto, um maior número de pessoas, em especial aquelas em situação de pobreza, passam a contar com mais possibilidade de acesso ao BPC, que beneficia idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial com garantia assistencial, quando a renda familiar per capita for inferior a R$ 522,50; antes, era de R$ 261,25. A mudança havia sido uma espécie de contrapartida da aprovação da reforma trabalhista.

Voltemos ao coronavírus. Há outras mensagens das máscaras. O governo começa a se mobilizar para enfrentar o desafio do coronavírus, que não faz distinção de classe, gênero, cor, renda e nível de escolaridade, quando nada porque a epidemia começou pelos altos escalões da Esplanada. Entretanto, ninguém tenha dúvida de que a população mais vulnerável é a de baixa renda. Há um enorme contingente da população que vive em péssimas condições de moradia e saneamento, nos morros e periferias, no qual o crescimento exponencial da doença será uma tragédia anunciada. Nesse sentido, a entrevista de Bolsonaro e de sua equipe não passou o recado que deveria, pois a preocupação do presidente não era orientar a população sobre a importância do “distanciamento social” e anunciar medidas efetivas para isso, mas se defender das críticas e conclamar seus partidários a fazer um panelaço a favor do governo na noite de ontem. Houve outro panelaço contra. (Correio Braziliense – 19/03/2020)

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