Ao se esconder atrás de imitador, o presidente cria retrato vergonhoso de si mesmo
Era para ser uma sátira, mas foi uma representação fiel da realidade. No dia em que o país registrou um crescimento frustrante do PIB, Jair Bolsonaro apareceu ao lado de um humorista que encarnava um presidente que não dá a mínima para a economia e não sabe nem o significado daquelas três letras.
“PIB? O que que é PIB? Pergunta o que que é PIB”, recomendou Bolsonaro ao piadista Márvio Lúcio, vestido com a faixa presidencial.
Quem esperava do verdadeiro governante um plano para o crescimento precisou se contentar com mais uma encenação indecente. Bolsonaro pôs um imitador diante das câmeras e o estimulou a se comportar como um pateta malcriado. Depois que o presidente se recusou a falar sobre os apertos da economia, o comediante atirou bananas aos jornalistas.
Além de levar a um novo patamar de insulto suas afrontas à imprensa, Bolsonaro criou um retrato vergonhoso de si mesmo e do governo. A cena revelou um presidente sem capacidade de liderança sobre um tema delicado, disposto a apelar para distrações cada vez mais infantis.
A caricatura tosca feita na porta do Palácio da Alvorada era tão verossímil que repetia o nome de Paulo Guedes para fugir de explicações sobre o crescimento. O ministro, no entanto, corre o risco de se tornar uma boia de salvação esvaziada, demonstrando a auxiliares desconforto com as dificuldades impostas pelo presidente à sua agenda de reformas.
Bolsonaro só quis falar dos números do PIB no fim do dia. Disse apenas que a recuperação estava em curso e que esperava um 2020 melhor.
Ao se recusar a prestar contas sobre assuntos difíceis, um governante também desrespeita aqueles que precisam de solução. A brincadeira de Bolsonaro pode ser encarada como um desrespeito às milhões de pessoas que procuram emprego ou veem suas rendas corroídas há anos.
O humor da população é especialmente sensível ao giro da economia. Sem sinal da prometida recuperação milagrosa, o presidente tenta oferecer um espetáculo de circo sem pão. (Folha de S. Paulo – 05/03/2020)