Merval Pereira: Negociação é a saída para a crise política

Além de o presidente Bolsonaro levar para onde vai uma crise institucional a tiracolo, há uma disputa de poder real entre o Executivo e o Legislativo na distribuição de verbas do orçamento que merece uma atenção especial.

A crise viajou, comentava ironicamente o então senador Fernando Henrique Cardoso sobre as viagens internacionais do presidente Sarney. Hoje, não. É possível até imaginar a desnecessidade de um vice-presidente para assumir o cargo com o avanço das comunicações, que permite ao presidente da República de qualquer país tomar decisões onde quer que esteja. Além de se comunicar através das redes sociais, participando diretamente do debate político interno.

Onde quer que esteja o presidente Bolsonaro consegue criar uma permanente crise com seus recados, comentários e ataques, seja Carnaval ou outro dia qualquer. A disputa de poder entre o Congresso e o presidente Bolsonaro, que não fez uma maioria na Câmara que possa defender suas posições, tem sido permanente.

Num presidencialismo de coalizão, dificilmente o eleito terá a maioria do Congresso, o que obriga a uma negociação parlamentar para governar. O PSDB se uniu ao PFL em 1994, num escândalo político que se justificou no correr dos anos pela necessidade de governar. O PT se uniu ao grupo político do senador empresário José Alencar, fazendo-o vice de Lula, e Dilma foi procurar o PMDB de Michel Temer para governar.

O presidente Bolsonaro, eleito com a bandeira da “nova política”, apesar de vindo do baixo clero da Câmara, onde atuou por cerca de 30 anos, resolveu que poderia governar com o apoio das bancadas temáticas transversais aos partidos, como os evangélicos, os da bala, os da agricultura, e assim por diante.

Deu errado. Tentou montar uma base parlamentar a partir do PSL, partido pelo qual se elegeu, mas brigou com os dirigentes partidários por causa das verbas partidária e eleitoral. Está tentando montar um novo partido, talvez o décimo de sua vida parlamentar, e mais uma vez parte da premissa errada.

Como dificilmente conseguirá formá-lo a ponto de competir nas eleições municipais, pretende chamar para seu novo partido os deputados e senadores que já estão em outros partidos, e mais os prefeitos e vereadores eleitos este ano. O sucesso dessa estratégia depende da popularidade de Bolsonaro, e a perspectiva que ofereça para a eleição presidencial de 2022.

Enquanto isso não acontece, Bolsonaro permanece sem uma base sólida no Congresso que defenda os interesses de seu governo. Mesmo porque não pretende dar aos parlamentares a possibilidade de fazerem parte de um programa de governo negociado com as forças políticas do Congresso.

Fica assim muito dependente de um apoio que só acontece quando os deputados querem. Como este é um Congresso reformista por excelência, muito devido à atuação do presidente da Câmara Rodrigo Maia, as pautas econômicas têm encontrado abrigo.

O governo não tem uma base que o apóie em relação ao orçamento, por exemplo, que está no centro desta disputa. Até com razão, Bolsonaro está preocupado com isso, pois vai perder a capacidade de gerenciar grande parte dele. Se o veto presidencial for derrubado como ameaçam os parlamentares, o Congresso vai ficar com o controle de mais R$ 30 bilhões, além das emendas impositivas que já fazem a maioria do orçamento da União.

Em vez de negociar uma saída política, Bolsonaro pressiona através da convocação de seus seguidores às ruas, o que é um perigo, porque ficamos com um Executivo que usa o populismo mais vulgar para impor decisões ao Congresso, e um Congresso que se aproveita da fragilidade do Executivo para tentar se impor cada vez mais sobre o presidente.

É uma crise institucional que precisa ser resolvida com negociação política, o que, aliás, está sendo feito paradoxalmente pela equipe econômica, com o Secretário do Tesouro Mansueto Almeida à frente. Bolsonaro está entrando num caminho de confrontação com todas as instituições do país, defendendo uma minoria que ainda o apóia. Hoje ele não tem mais 57 milhões de votos. Pode voltar a ter num segundo turno radicalizado, como em 2018. Que é o que busca. (O Globo – 28/02/2020)

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