Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (22/01/2020)

MANCHETES

O Globo

Rio tem o menor número de homicídios desde 1991
MPF denuncia Glenn Greenwald, e entidades falam em intimidação
Guedes: ‘O pior inimigo do meio ambiente é a pobreza’
Brumadinho: ex-presidente da Vale denunciado por homicídio
Após erro do Enem, site do Sisu tem falhas no 1º dia
Febre hemorrágica mata em SP
Vírus da China chega ao EUA
Impeachment de Trump – Senado rejeita intimidações para apresentar documentos

O Estado de S. Paulo

MPF denuncia Glenn e seis hackers por associação criminosa
Em Davos, Guedes oferece projetos a investidores
OAB pede que BNDES explique auditoria
Ex-presidente da Vale é denunciado por homicídio
Após 20 anos, Brasil volta a ter morte por febre hemorrágica
Mortes de ciclista crescem 64% em um ano na cidade de SP
Imersão à la carte no Vale do Silício

Folha de S. Paulo

Procuradoria acusa Glenn de ter hackeado a Lava Jato
Após um ano, tragédia da Vale tem 16 denunciados
Chocou não ter onde ir em Finados, diz irmã de vítima desaparecida
Maior inimigo do ambiente é a pobreza, diz Paulo Guedes
Em arena global, Trum destaca pauta doméstica
Sob forte esquema de segurança, líder do PCC faz exame em Brasília
Por investimento, ministro fala em democracia estável
Relatório revela lisura do BNDES, diz ex-presidente
Inédita, falha no Enem é a maior desde 2010
Campeã do Enem, escola do PI pede kit de médico apenas para meninos
Senado dos EUA barra intimação à Casa Branca no impeachment
Criador de programa de tortura da CIA confronta vítimas em audiência
EUA confirmam 1º infectado com coronavírus chinês

Valor Econômico

Previdências estaduais têm reformas díspares
País importa mais dos EUA e exporta menos
Brasil ganha apoio, mas com ressalvas
Pobreza é ‘a pior inimiga’ do meio ambiente, diz Guedes
Negócios que nascem nas salas do colegial
China derruba a rentabilidade de frigoríficos
Bancos aceitam comissão baixa em oferta de ação

EDITORIAIS

O Globo

Atriz na área de cultura tensiona bolsonarismo

Nomeação de Regina Duarte, a melhor alternativa, não agrada aos extremistas que controlam o setor

O convite à atriz Regina Duarte para substituir Roberto Alvim, o plagiador do ideólogo nazista Joseph Goebbels, na Secretaria de Cultura, é inteligente. Atriz experiente e respeitada no seu meio, Regina Duarte não defende teses nazistas. Pode ter uma posição mais conservadora na política, assim como há artistas mais à esquerda. O que importa é a qualificação para o cargo, e ela a tem, pela experiência profissional acumulada no teatro e na teledramaturgia.

Mas não será simples para Regina Duarte, se aceitar o convite, o que deve confirmar hoje. Nem Bolsonaro deve pensar que tudo na cultura acontecerá dentro do imaginado pela extrema direita a que se alia e à qual entregou a área. Já circularam nas redes comentários enviesados, indícios de que a milícia digital do bolsonarismo, ou parte dela, deverá ser mobilizada em ataques à nova secretária.

A guinada de Bolsonaro para o centro no convite à atriz deve gerar movimentações no subterrâneo bolsonarista. Afinal, não se pode imaginar que a provável nova secretária, sem militância extremista, com raízes na vida artística, possa concordar com os “filtros” defendidos por Bolsonaro na avaliação de projetos cinematográficos a serem apoiados por recursos públicos. Mais um eufemismo para designar censura.

Está registrado que em agosto de 1975, ainda na ditadura militar, a atriz e outros 23 profissionais da TV Globo pediram audiência ao presidente Ernesto Geisel para entregar-lhe um texto de reclamação contra a censura imposta à novela “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, proibida de estrear. Regina Duarte faria parte do elenco da novela na versão que foi ao ar em 1985.

Não bastará apenas substituir Alvim e seu pensamento, mas também refazer, por exemplo, as bases do Prêmio Nacional das Artes, em cujo anúncio, gravado em vídeo, o ex-secretário apareceu fantasiado de estética nazista — o cabelo, o terno, a mesa, o gestual — para anunciar o conceito da premiação. Nesta fala, Alvim plagiou Goebbels. O prêmio demonstra como o projeto bolsonarista de apoio às artes é, ou era, dirigista, intervencionista. Nada diferente do que em qualquer Estado autoritário. Se a sociedade e instituições rejeitaram este mesmo desvio na era lulopetista, inclusive com o apoio de Regina Duarte, faz o mesmo agora.

Bolsonaro reagirá? Ele e seu grupo recuarão na “guerra cultural”, em que é essencial montar aparelhos nos órgãos do Estado, em especial na Secretaria de Cultura?

Antes de iniciar seu plano de trabalho propriamente dito, Regina Duarte precisará substituir nomeados na Funarte, na Casa de Rui Barbosa, na Fundação Palmares. Sem isso, nada poderá ser feito, diante de uma equipe notabilizada pelo exotismo de suas teses: a terra é plana, rock causa aborto, a escravidão foi boa para os descendentes de escravos etc.

A reação de Bolsonaro indicará maior ou menor flexibilidade do seu governo em fazer concessões. Na economia, recuou em certos aspectos da reforma da Previdência, e resistiu em outros, como na defesa de vantagens de corporações de policiais. A melhor alternativa para a cultura seria equiparar Regina Duarte a Paulo Guedes.

O Globo

Tragédias das chuvas evidenciam falhas nas ações de prevenção

Governos são lenientes com populações que ocupam áreas propensas a deslizamentos

Com os meios disponíveis hoje, as chuvas fortes, fenômeno típico do verão, podem ser previstas com alguma antecedência, o que pressupõe oportunidade para reduzir os impactos sobre as populações, evitando mortes e atenuando danos. O problema é que, tão previsível quanto os aguaceiros, é a leniência dos governos, que, em vez de prevenir, deixam para agir quando o caos está instalado.

Nos últimos dias, temporais causaram mortes e destruição em cidades do Espírito Santo e da Grande Belo Horizonte, reproduzindo cenas de pessoas e carros sendo arrastados pelas águas, estradas destruídas, ruas submersas, quedas de barreiras etc. Nos municípios capixabas de Alfredo Chaves e Iconha, no sul do estado, pelo menos sete pessoas morreram e cerca de 400 ficaram desabrigadas ou desalojadas em consequência da enxurrada de sexta-feira. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, as chuvas do fim de semana provocaram inundações e devastação.

É comum que após esses episódios surjam números mostrando que choveu em poucas horas quantidades esperadas para o mês inteiro. Como se isso aliviasse a responsabilidade dos governos. Discussão sobre aquecimento global à parte, fenômenos extremos são cada vez mais frequentes. Como não há como evitá-los, o jeito é proteger as populações, investindo em ações de prevenção e impedindo a ocupação irregular de encostas e margens de rios.

Mas pouco ou nada é feito nesse sentido. A começar pela tolerância com moradias em áreas de risco. Números do IBGE mostram que apenas oito capitais têm 3,2 milhões de pessoas vivendo em locais sujeitos a enchentes ou deslizamentos, como mostrou reportagem do GLOBO. O ranking é encabeçado por Salvador (1,2 milhão), São Paulo (674 mil) e Rio (444 mil).

Os orçamentos também não costumam priorizar obras de prevenção. No Rio, onde as enxurradas são problema crônico, a prefeitura cortou R$ 150 milhões das verbas para enchentes em 2020. O valor para este ano (R$ 339,7 milhões) é 31% menor do que o de 2019 (R$ 489,7 milhões). Os aguaceiros no Espírito Santo e em Minas nos últimos dias deveriam servir de alerta.

Prefeitos e governadores precisam se conscientizar de que é essencial agir antes da chuva. Bem antes, diga-se, pois prevenção é tarefa de médio e longo prazos. Depois, só há tempo para lamentos e desculpas, estas quase sempre inaceitáveis.

O Estado de S. Paulo

Óleo e gás: problema ou solução?

Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia buscou responder em um estudo recém-publicado

Nos últimos dois séculos a expectativa de vida global cresceu de 30 anos para mais de 70, a faixa de pessoas na miséria caiu de 80% para 8% e a alfabetização ultrapassou 80% – e isso enquanto a população mundial se multiplicava de 100 milhões para 6,5 bilhões. À frente deste processo, a revolução industrial avançava como uma locomotiva e em seus motores queimava o combustível fornecido pelas indústrias de óleo e gás. Mas hoje, dada a consciência dos impactos do gás carbônico, elas são pressionadas a esclarecer o seu papel na transição para as energias limpas. Em outras palavras: elas são a pior parte do problema ou serão cruciais para a sua solução? Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) buscou responder em um estudo recém-publicado.

A análise partiu de três considerações: 1) a demanda crescente por energia de uma população e uma economia em expansão; 2) a consciência do papel crítico que o óleo e o gás têm no presente e terão no futuro; e 3) o imperativo categórico de reduzir emissões em conformidade com objetivos climáticos consensuais, como os do Acordo de Paris.

O desafio para a indústria de óleo e gás é equilibrar os ganhos de curto prazo com a sua permissão para operar a longo prazo. Grosso modo, a sua prosperidade depende da capacidade de desenvolver tecnologias de baixo carbono. Isso não se fará sem custo e sacrifícios para toda a cadeia.

Algumas empresas têm investido em energia eólica e solar. Outras, na produção e distribuição de energia elétrica. Até o momento, contudo, esse investimento tem sido menor do que 1% do capital total empregado, muito menos do que o necessário para acelerar consistentemente as transições de energia. A IEA estima que elas podem fazer muito mais. “Há amplas oportunidades economicamente viáveis para diminuir a intensidade das emissões do óleo e do gás minimizando a combustão do gás associado e a liberação de CO2, combatendo as emissões de metano, e integrando fontes renováveis e eletricidade de baixo carbono às novas fórmulas de gás liquefeito.” De todas as medidas, a mais importante é a redução de vazamentos de metano na atmosfera.

A parcela de 20% da eletricidade no consumo global de energia tem aumentado. Mas a eletricidade não pode ser o único vetor de transformação no setor de energia. É vital investir em fontes capazes de fornecer sistemas energéticos de hidrocarbonetos sem as emissões de carbono, como hidrogênio de baixo carbono, biometano e biocombustíveis.

Os recursos financeiros e técnicos do segmento de óleo e de gás podem ter um papel central na reelaboração de alguns dos setores poluentes mais difíceis de enfrentar. Isso inclui o desenvolvimento de sistemas de captura, armazenamento e utilização de carbono, hidrogênio de baixo carbono, biocombustíveis e energia eólica.

São atividades que exigem financiamento, engenharia e capacidade de gerenciamento em larga escala, como poucas empresas poderiam prover. Se as companhias de óleo e gás forem capazes de estabelecer parcerias com governos e outros interessados para criar modelos de negócios viáveis, poderiam fornecer um grande impulso ao mercado de energia limpa.

Na expressão da IEA, “uma mudança do ‘óleo e do gás’ para ‘energia’ tira as companhias de sua zona de conforto, mas oferece um modo de administrar os riscos de transição”. A chave para a sustentabilidade destas companhias está na habilidade de equilibrar retornos e dividendos com diversificação – seja em setores consolidados, mas distantes de seus negócios tradicionais, como eletricidade, seja nos afins, mas ainda incipientes, como a energia eólica.

São desafios portentosos para as empresas multinacionais e especialmente para as nacionais (como a Petrobrás), porque menos diversificadas. Mas não há alternativa a enfrentá-los, se não por idealismo, por mero pragmatismo: ainda que elas conseguissem se evadir da responsabilidade pelos custos ao meio ambiente, a conta para seus acionistas não tardará a chegar.

O Estado de S. Paulo

Mais problemas com o Enem

Os problemas com os gabaritos do Enem são mais uma comprovação do modo desastroso como o governo Bolsonaro administra a área da educação

Realizado nos dias 3 e 10 de novembro de 2019, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) voltou a apresentar problemas. Desta vez, foram falhas ocorridas nos gabaritos das provas, que teriam sido trocados no momento do envelopamento na gráfica contratada pelo Ministério da Educação (MEC).

Essas falhas foram descobertas no final da semana passada, quando as notas individuais do Enem foram divulgadas e muitos estudantes as questionaram nas redes sociais. Em resposta, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que o erro teria atingido um grupo “muito pequeno, alguma coisa como 0,1% do total de 3,9 milhões” de candidatos que prestaram as provas – o equivalente a 3,9 mil estudantes. Pouco tempo depois, a direção do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o órgão do MEC encarregado de elaborar e aplicar o Enem, reconheceu que as falhas poderiam ter afetado um número dez vezes maior – cerca de 39 mil estudantes.

A repercussão foi a pior possível nos meios educacionais, pois o Enem é a espinha dorsal do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que oferece 237 mil vagas em universidades federais. As notas também são usadas no Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas em universidades particulares, e no Financiamento Estudantil (Fies), que financia o pagamento de mensalidades.

Procurando minimizar o tamanho do problema, as autoridades afirmaram então que o número de afetados “não chegava a 9 mil” e que os erros de correção teriam sido identificados na prova de matemática e ciências da natureza, aplicada no dia 10 de novembro. Mas, enquanto o MEC montava às pressas uma força-tarefa para tentar descobrir o que de fato ocorreu, corrigindo novamente todas as provas para identificar inconsistências nos gabaritos e prometendo que nenhum candidato seria prejudicado, o Inep admitiu que somente teria uma dimensão real do problema no início da semana. Entre outros motivos, porque também foram detectados erros de correção na prova de redação, linguagens e ciências humanas, realizada no dia 3 de novembro.

A partir daí, ficou claro que, dependendo do número de estudantes afetados, a área educacional do governo terá dificuldade para garantir confiabilidade dos resultados do Enem de 2019. Além disso, o ministro Abraham Weintraub, que em novembro prometeu a realização de um Enem sem problemas e no dia de uma das provas foi surpreendido com o vazamento da foto de uma folha de redação quando ela estava sendo realizada, sairá desse episódio politicamente ainda mais enfraquecido. Além de ter perdido tempo com polêmicas desnecessárias e inoportunas, acusando as universidades de serem locais de “balbúrdia e doutrinação” e privilegiando critérios religiosos e ideológicos em detrimento de critérios técnicos em suas decisões, sua gestão já vinha sendo marcada pela inépcia administrativa.

Os problemas com os gabaritos do Enem são mais uma comprovação do modo desastroso como o governo Bolsonaro administra a área da educação. A gráfica selecionada para imprimir provas e gabaritos, por exemplo, desde o início foi criticada por não ter experiência em serviços parecidos com os exigidos pelo Enem nem logística e infraestrutura adequadas para armazenar e manusear os malotes que seriam despachados. Criado há mais de oito décadas, o Inep também viveu em 2019 um dos períodos mais problemáticos de sua história. O órgão teve três presidentes num ano e ficou com uma de suas diretorias vaga por cinco meses. Por fim, o MEC – que teve dois ministros ao longo do ano – também perdeu tempo discutindo a criação e o modo de trabalho de uma comissão encarregada de expurgar questões consideradas conflitantes com os valores políticos do presidente Jair Bolsonaro.

Os problemas ocorridos com o Enem de 2019, que estão frustrando um número significativo de estudantes, não surpreenderam ninguém.

O Estado de S. Paulo

Vingança como política

Congresso deixa claro a Jair Bolsonaro que o poder não pode ser usado para prejudicar aqueles que considera inimigos

É dado como certo no Congresso que duas medidas provisórias (MPs) consideradas especialmente importantes pelo presidente Jair Bolsonaro não serão analisadas e perderão a validade sem votação. Uma delas revoga o monopólio de entidades estudantis para a emissão da carteirinha que dá direito à meia-entrada para estudantes. A outra dispensa a administração pública de publicar em jornais diários de grande circulação editais de licitação e tomada de preços, concursos e leilões.

Já se tornou rotineiro o arquivamento de medidas provisórias editadas por Bolsonaro, por irregularidades ou porque o governo não se empenhou em aprová-las. No caso das duas medidas em questão, contudo, a reação do Congresso é uma forma de deixar claro a Bolsonaro que a caneta presidencial não pode ser usada para prejudicar aqueles que o governo considera seus inimigos. Pois é justamente de vingança, pura e simples, que se trata as tais medidas provisórias.

A chamada “MP da Liberdade Estudantil”, por exemplo, foi considerada pelo próprio governo como um instrumento para prejudicar a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), ao retirar-lhes o monopólio da emissão de carteirinhas de estudantes, principal fonte de renda dessas entidades. Esse monopólio é totalmente absurdo e ilegal, mas, a julgar pelo discurso do presidente, o objetivo primordial de sua MP não é dar liberdade para que o estudante escolha de que maneira vai obter sua carteirinha – até porque a MP estabelece que é o governo quem passará a emiti-la –, e sim arruinar a UNE e a Ubes.

“Essa lei de hoje, apesar de ser uma bomba, é muito bem-vinda, vem do coração”, disse o presidente ao assinar a medida. “Vai evitar que certas pessoas, em nossas universidades, promovam o socialismo. Socialismo esse que não deu certo em lugar nenhum do mundo, e devemos nos afastar deles”, declarou Bolsonaro, em referência ao fato de que as entidades estudantis são ligadas a partidos de esquerda, como o PCdoB. Em outra ocasião, disse que, graças à MP, “vai faltar dinheiro ao PCdoB, vão ter que arranjar dinheiro em outro lugar”.

O presidente deixa claro que sua intenção é sufocar partidos de esquerda e seus satélites no movimento estudantil. Se estivesse realmente interessado em promover o interesse público a respeito desse tema, teria trabalhado no sentido de revogar a própria existência da Lei da Meia-Entrada (Lei 12.933/2013), que é injusta por dividir os brasileiros em duas classes, os que têm e os que não têm direito de pagar menos em eventos culturais e esportivos. Bolsonaro preferiu nem tocar nesse assunto. Escolheu usar a questão da carteirinha de estudante como instrumento para atacar desafetos. Nenhuma MP elaborada com esse evidente espírito de desforra passará na Câmara, segundo avisam os parlamentares.

Pelos mesmos motivos, dificilmente prosperará a medida provisória que dispensa a publicação de editais da administração pública em jornais – cujos efeitos, aliás, foram suspensos por força de liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. É a segunda tentativa de Bolsonaro de prejudicar economicamente a imprensa, que ataca dia e noite. A primeira, a MP que acabava com a obrigação de empresas de capital aberto de publicar seus balanços em jornais, foi arquivada sem votação pelo Congresso. Não havia outra atitude a tomar, especialmente depois que o presidente declarou, com todas as letras, que se tratava de uma “retribuição” pelo tratamento supostamente hostil que recebe da imprensa.

Ao rejeitar ou deixar caducar medidas provisórias que não apenas carecem dos requisitos legais de urgência e relevância, como também, e principalmente, são destinadas apenas a lesar aqueles que o presidente escolheu como seus antagonistas – reais e imaginários –, o Congresso cumpre rigorosamente seu papel de freio dos ímpetos cesaristas de Bolsonaro, que desde sempre confunde seus desejos pessoais com a “vontade do povo” supostamente manifestada nas urnas com sua eleição. Que assim continue, para o bem da democracia.

Folha de S. Paulo

Brumadinho, 1 ano

Tragédia é testemunho da inépcia de governos e da Vale em proteger populações

Completam-se neste sábado (25) 12 meses da queda da barragem em Brumadinho (MG). O maior desastre ambiental da história da mineração brasileira engolfou 270 vidas na onda com 9,7 milhões de m3 de lama, meros três anos depois de tragédia similar em Mariana, também em Minas Gerais.

Não seria de esperar que, numa catástrofe desse tamanho, a apuração de responsabilidades estivesse de toda concluída. Na terça-feira (21), o Ministério Público de Minas Gerais apresentou denúncias contra 16 pessoas, por homicídio doloso, e as empresas Vale e Tüv Süd, por crimes ambientais. Falta a Justiça aceitá-las, processar os acusados e proferir as condenações —se chegar a tanto.

O processo é complexo e se anuncia moroso. Só a Polícia Civil mineira ouviu 183 testemunhas. A experiência com a outra tragédia envolvendo a Vale, coproprietária da Samarco em Mariana, mostra que não é trivial provar o dolo de executivos e engenheiros.

Além disso, desenha-se um conflito de competências com a esfera nacional, dado que a Polícia Federal tem outro inquérito em curso, o qual calcula terminar a partir de junho. A qual Justiça caberá dar a última palavra sobre o caso, à estadual ou à federal?

Qualquer que seja o desfecho judicial, nada apagará o fato de que a Vale ergueu recinto administrativo e refeitório no caminho previsto da maré de lodo. Essa nódoa de negligência permanecerá com a companhia por muito tempo, porque sem sua decisão temerária o cômputo de vítimas jamais chegaria às três centenas.

A empresa já vinha recebendo autuações por problemas na barragem de Córrego do Feijão. Somadas às multas lavradas pelo Ibama após o derramamento, a punição monta a meio bilhão de reais, mas em média só 5% das autuações ambientais terminam recolhidas.

O valor empalidece diante do montante já desembolsado pela Vale com indenizações e outras despesas em 2019, R$ 6,6 bilhões. A empresa fez também provisão de R$ 33 bilhões até 2031, aí incluído o descomissionamento de outras nove barragens.

As famílias dos mortos na tragédia recebem compensações que podem superar R$ 1,5 milhão, dependendo do número de dependentes além do cônjuge. Mas é evidente que isso está longe de representar medida adequada do dano social e do sofrimento humano causados pelo desastre.

A reparação, é preciso dizer, só estará completa quando multinacionais do porte da Vale e o despreparado poder público no Brasil se mostrarem enfim competentes para cumprir seu dever de proteger a população. Remediar é bom, e obrigatório, mas prevenir é melhor.

Folha de S. Paulo

A ‘noiva’ da Cultura

Em área dominada pelo caos, escolha de Regina Duarte pode trazer previsibilidade

Desde a campanha eleitoral de 2018, os apoiadores de Jair Bolsonaro elegeram a cultura como um campo de batalha. Na visão de ideólogos ligados ao atual presidente, tratava-se de território dominado pela doutrinação de esquerda, uma espécie de grande trincheira internacional de ideias derivadas do marxismo a ser combatida.

Paralelamente, a militância do então candidato empenhava-se em ataques nas redes sociais com o intuito de desmoralizar artistas consagrados, que se aproveitariam de “mamatas”, como a Lei Rouanet, para enriquecer e —em alguns casos — entregar-se à devassidão.

Eleito, Bolsonaro passou da teoria à prática e desmontou o que sempre viu como uma estrutura a serviço de projetos esquerdistas. As ações do presidente, em nada familiarizado com o setor, revelaram-se caóticas e ineficazes. Em um ano, a secretaria que substituiu a antiga pasta foi alocada em dois ministérios e teve três titulares.

O último deles, como se sabe, foi demitido sob intensas pressões sobre o presidente depois de ter estrelado um vídeo no qual parodiava Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler.

O prosseguimento dessa dinâmica de turbulências e irracionalidades é insustentável. Para interrompê-la, no que pode se revelar uma bem-vinda tentativa de apaziguar o setor, anuncia-se o “noivado” da atriz Regina Duarte com o governo. Como declarou a empresária do setor cultural Paula Lavigne, alvo de ataques do bolsonarismo, a nomeação se prestaria a um processo de “redução de danos”.

Conhecida como simpatizante da direita, a atriz não se filia entre os extremistas. Tem longa e reconhecida experiência no mundo da cultura, esteve com colegas em embates contra a censura nos tempos da ditadura e parece reunir condições de restabelecer um padrão mínimo de previsibilidade.

Não é demais insistir que a cultura, além de relevante em sua dimensão simbólica, também é importante do ponto de vista econômico. Estima-se com base na Pnad Contínua, do IBGE, que 7,4% dos empregos do país (cerca de 6,8 milhões) estão vinculados ao universo da economia criativa, que abarca atividades que vão das artes cênicas ao design, passando, entre outras, por televisão, música e moda.

Não se sabe se o noivado de Regina Duarte se transformará em casamento, mas há uma chance de que a atriz, se assumir, contribua para apaziguar o setor.

Valor Econômico

Efeitos das mudança nas regras para compras governamentais

Pesquisa do Ipea mostra que o mercado de compras governamentais brasileiro representa 12,5% do PIB do país

A decisão do ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmada na manhã de ontem, de abrir o mercado brasileiro às empresas estrangeiras em licitações públicas deverá ter implicações macro e microeconômicas importantes a curto e médio prazos. A informação foi antecipada pelo repórter Daniel Rittner, na edição de ontem do Valor.

Ontem, ao sair de um encontro na reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, o ministro informou que pedirá formalmente a adesão do país ao Acordo de Compras Governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo ele, tornando-se voluntariamente um signatário do tratado, o país busca incorporar melhores práticas e fazer um “ataque frontal” à corrupção. O acordo, conhecido pela sigla em inglês GPA (Government Procurement Agreement), dá tratamento isonômico a empresas nacionais e estrangeiras em aquisições do setor público.

Questionado se a adesão não impede o governo de promover políticas industriais, com margens de preferência a empresas brasileiras nas compras governamentais, o ministro respondeu que o Brasil não pode ser “uma fábrica de bilionários à custa da exploração dos consumidores”.

Não resta dúvida de que esse projeto, levado adiante, interromperá uma tendência muito forte dos governos brasileiros nas últimas décadas, a de colocar em prática políticas industriais. O governo Dilma Rousseff, por exemplo, tinha como um dos pilares na área econômica a concessão de margem de preferência de até 25% a produtos nacionais em licitações nas áreas de defesa, medicamentos, maquinário e até têxteis, como uniformes fornecidos às Forças Armadas. Uma empresa nacional tinha vantagem sobre outra estrangeira e ganhava a concorrência mesmo oferecendo um preço maior.

O acordo internacional garante o acesso dos signatários a um mercado estimado em US$ 1,7 trilhão por ano. Seus integrantes ficam obrigados a dar isonomia de tratamento entre empresas nacionais e estrangeiras que entram em contratações públicas em bens, serviços e infraestrutura. Em compensação, companhias dos países-membros devem receber benefício semelhante nos mercados internacionais.

O que, quando e como o Brasil abrirá suas licitações ainda será definido na negociação técnica em Genebra sobre a entrada no GPA. Trata-se de um acordo plurilateral, de adesão voluntária, que existe desde 1982 e foi revisado em 2014. Estados Unidos, China, Japão, Austrália e Canadá estão entre os signatários. São 28 países ao todo – entre os quais poucos emergentes.

Estudo de dois pesquisadores do Ipea, Cássio Garcia Ribeiro e Edmundo Inácio Júnior, de maio de 2019, trata detalhada e analiticamente desse mercado, entendido por eles como “as aquisições de bens e serviços realizadas pelos governos com vistas a permitir o funcionamento da máquina pública e o cumprimento das funções do Estado. Atrelada a tais aquisições, emerge a chamada política de compras governamentais”.

O trabalho destaca importância da política de compras governamentais. Para a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2015, esse mercado representava cerca de 13% do produto interno bruto (PIB). “Além do grande peso do mercado de compras governamentais sobre o PIB dos países, vale ressaltar, com base na revisão da literatura, o importante papel que a política de compras governamentais pode cumprir do ponto de vista do estímulo ao desenvolvimento (econômico, social, industrial, tecnológico, ambiental etc.) de um país”, notam os economistas do Ipea.

A pesquisa realizada por eles mostra que o mercado de compras governamentais brasileiro representa 12,5% do PIB do país (média para 2006 a 2016). Além disso, os dados apontam que as compras da União representaram, em média, cerca de 50% do mercado de compras governamentais brasileiro durante o período, e contam com participação importante da Petrobras.

Ou seja, o levantamento do Ipea evidencia que a mudança de política em relação às compras governamentais tem poder para alterar de forma profunda práticas e atuações de centenas, provavelmente milhares, de empresas em todo o país e no exterior, já que supõe-se que haverá grande interesse de companhias internacionais pelo mercado brasileiro. Espera-se também críticas do empresariado nacional.

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