Despesa com sentenças judiciais é nova ameaça ao teto de gastos
Não é apenas o crescimento das despesas previdenciárias que ameaça a manutenção do teto de gastos da União nos próximos anos. O pagamento de sentenças judiciais, que é uma despesa primária submetida ao teto, tem aumentado em ritmo muito mais acelerado nos últimos anos, tornando-se uma verdadeira dor de cabeça para as autoridades do Ministério da Economia. Mesmo assim, ela está fora do atual debate fiscal.
Desde 2017, após a criação do teto pela Emenda Constitucional 95, parte do enxugamento que o governo realizou em suas despesas foi para acomodar a elevação deste gasto. E sua trajetória é imprevisível. A tendência, no entanto, é de crescimento, de acordo com o Relatório de Riscos Fiscais da União, recentemente divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Em 2014, os pagamentos referentes a ações judiciais ficaram em R$ 19,8 bilhões, enquanto a previsão do Tesouro Nacional é que a despesa tenha atingido R$ 42 bilhões no ano passado – um crescimento nominal de 112,1% ou 62,1% em termos reais, considerando uma inflação de 4,13% em 2019, medida pelo IPCA, como prevê o mercado, de acordo com o boletim Focus do Banco Central.
O governo projetou um gasto de R$ 53 bilhões com o pagamento de sentenças judiciais no Orçamento da União deste ano – R$ 11 bilhões a mais do que o previsto para o ano passado. Se a despesa se confirmar, o aumento nominal será de R$ 33,2 bilhões, em comparação com o que foi pago em 2014, ou seja, crescimento nominal de 167,7%.
Nenhuma despesa da União cresceu tanto no mesmo período. Em termos de comparação, o gasto com benefícios previdenciários foi de R$ 394,2 bilhões em 2014 e está projetada em R$ 677,6 bilhões para este ano – um aumento nominal de 71,9%. É uma elevação explosiva, mas sem comparação com o pagamento de sentenças judiciais.
As demandas judiciais contra a União são classificadas segundo a probabilidade de perda, podendo ser de risco provável, de risco possível ou de risco remoto. As ações de risco provável são contabilizadas pelo Tesouro em contas de provisão para perdas judiciais, afetando o balanço patrimonial da União.
De 2014 até junho de 2019, as ações na Justiça contra a União registraram um aumento de 290%, passando de R$ 559 bilhões para R$ 2,184 trilhões. Deste total, R$ 634 bilhões dizem respeito a ações classificadas com risco de perda provável, que foram provisionadas no balanço patrimonial da União em 30 de setembro do ano passado.
Os valores mais expressivos de ações contra a União, de acordo com o Relatório de Riscos Fiscais, são de natureza tributária, inclusive previdenciária. O anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020 informa que tramitam atualmente perante o Supremo Tribunal Federal (STF) 163 temas tributários com repercussão geral reconhecida e que podem ter algum risco fiscal ao Orçamento da União.
Quando um tema em discussão no STF, por meio de recurso extraordinário, é reconhecido como de repercussão geral, sua decisão final aplica-se a todas as ações judiciais sobre a mesma questão.
O STF já tem decisão favorável, por exemplo, à exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entrou com recurso no STF, pedindo a modulação da sentença, para que o valor do ICMS considerado seja apenas o que a empresa recolheu, e não o que está na nota fiscal e solicitando que a decisão só se aplique a partir de janeiro de 2018.
O recurso da PGFN será julgado em abril. O anexo da LDO estima o impacto da decisão em R$ 45,8 bilhões para um ano e em R$ 229 bilhões para cinco anos. Esta ação já foi classificada como de risco provável.
A preocupação da área econômica com a evolução da despesa da União com sentenças judiciais pode ser avaliada por três movimentos que foram feitos no ano passado. A proposta de reforma da Previdência Social encaminhada pelo governo (PEC 06/2019) continha um artigo estabelecendo que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderia ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total. O dispositivo foi excluído da proposta.
A PEC 186/2019, mais conhecida como “PEC Emergencial”, estabelece que, no exercício em que o volume de operações de crédito exceda a despesa de capital, os três Poderes da República estarão impedidos de criar despesas obrigatórias ou adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação. Não está claro se esta proibição se aplica às decisões judiciais.
A PEC 188/2019, também conhecida como “PEC do Pacto Federativo”, cria o Conselho Fiscal da República, que terá participação dos presidentes de todos os Poderes, com o objetivo de “salvaguardar a sustentabilidade de longo prazo dos orçamentos públicos”. A inclusão do presidente do STF no conselho indica uma preocupação em mostrar diretamente ao Judiciário a situação das contas públicas. (Valor Econômico – 09/01/2020)
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras – E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br