Luiz Carlos Azedo: Soberbo isolamento

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

O presidente Jair Bolsonaro cancelou mesmo sua ida ao Fórum Econômico Mundial, em Davos (21 a 24 deste mês), por razões econômicas, de segurança e políticas, segundo o porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros. Realizado há 50 anos, o fórum reúne chefes de Estado, grandes executivos e personalidades, num encontro que procura sempre perscrutar o futuro. Neste ano, as pautas de discussão são “Economias mais justas”, “Como salvar o planeta?”, “Futuros saudáveis” e “Tecnologias para o bem”. Esses temas têm algo a ver com a realidade brasileira? Claro que têm, porém, “o somatório desses aspectos, quando levados à apreciação do presidente, lhe permitiu avaliar que não seria o caso, neste momento, de participar desse fórum”, explicou o general, naquele tom marcial que sempre adota em momentos de certo constrangimento.

A experiência de Bolsonaro na reunião de Davos do ano passado não foi das melhores. Recém-eleito, frustrou expectativas generalizadas, seja porque fez uma intervenção lacônica demais, seja porque sua participação no evento, em termos de projeção do novo governo, foi ofuscada pelo desembaraço do ministro da Economia, Paulo Guedes, que centralizou as atenções com relação às reformas econômicas que os investidores de um modo geral esperavam do Brasil. De lá para cá, a sucessão de declarações polêmicas, desentendimentos com outros chefes de Estado e atitudes do governo, de certa forma, aconselham Bolsonaro a ficar fora do encontro.

Embora possa ser até conveniente para Bolsonaro, para evitar mais problemas, o isolamento não é bom para o Brasil e, de certa forma, expressa o resultado da nova política externa sob comando do chanceler Ernesto Araújo. O porta-voz não entrou em detalhes, mas uma análise da posição do Brasil em relação a cada tema proposto para os debates em Davos revela claramente as nossas contradições quanto ao rumo que as principais lideranças mundiais desejam, com exceção de Donald Trump e seus aliados de primeira hora.

Agenda

Por exemplo, “Economias mais justas”. Todos os diagnósticos de organismos internacionais e análises econômicas apontam que a globalização, com base em políticas neoliberais, aumentou a concentração de renda e as desigualdades. Muitos dos conflitos em curso no mundo ocorrem por essa razão, até em economias que não amargam as consequências do populismo irresponsável, como as da França e do Chile. Mesmo um empresário ultra bem-sucedido, como Steve Jobs, estava preocupado com isso. O smartphone protagonizou uma revolução na economia mundial, como uma matriz global de trocas voluntárias e cooperativas, que gera prosperidade para todos os seres humanos, porém, não será com as pessoas dirigindo o próprio carro ou pedalando a bicicleta que os problemas da concentração de renda e da desigualdade serão resolvidos. Ocorre que a política econômica do governo Bolsonaro não está nem aí para as questões sociais. Segue o modelo neoliberal que está sendo revisto.

“Como salvar o planeta?” Esse também não é um tema muito confortável para Bolsonaro, na contramão do Acordo de Paris, embora o Brasil não tenha dele se retirado, como fizeram os Estados Unidos. Não chamem o presidente da França, Emmanuel Macron, e a jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg para o mesmo jantar com Bolsonaro. Ambos andaram se digladiando pelas redes sociais, num embate desfavorável para Bolsonaro em termos de opinião pública mundial. Mais uma razão para não ir a Davos.

“Futuros saudáveis”, eis um assunto no qual o Brasil pode se destacar conceitualmente, porque o Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Constituição de 1988, é um paradigma mundial em termos de assistência universal à saúde, com resultados impressionantes, em pouco mais de 30 anos. Entretanto, o Brasil vive uma crise de financiamento no setor, porque não conseguiu equacionar satisfatoriamente a relação entre o sistema público, o setor privado e a área dos seguros de saúde. A política de Guedes é francamente a favor do fortalecimento da presença do sistema financeiro no setor de saúde. Também não são satisfatórios os indicadores de saneamento, mas o governo tem a seu favor o novo marco regulatório para privatização de todo o sistema.

“Tecnologia do bem” é outro tema a ser bordado no encontro. Perdão pela ironia, no momento, o assunto é muito mais um problema para os demais líderes mundiais do que para Bolsonaro, principalmente por causa das tensões entre os Estados Unidos e o Irã. Smartphones em zonas de guerra são um alvo fácil para os drones norte-americanos teleguiados por satélites, por pilotos militares confortavelmente instalados em contêineres refrigerados na Califórnia. Para Trump, bastou apertar o botão do joystick para eliminar o general iraniano Qasem Soleimani. (Correio Braziliense – 09/01/2020)

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