O senador do PT e o deputado do PSL se encontraram
Eles pertencem a mundos distintos. Humberto Costa, de 62 anos, é psiquiatra e senador pelo PT de Pernambuco. Eduardo Bolsonaro, de 35 anos, é policial e deputado pelo PSL de São Paulo. Na aparência, não têm muito em comum, além do hábito de abusar dos gritos nos ataques aos adversários em plenário. Mas acabaram se encontrando em peculiares interpretações sobre a palavra “liberdade”.
Costa propôs ao Senado a criação de um “órgão independente” para controlar a internet. Pretende liquidar “mídias sociais” que “destroem reputações e disseminam o ódio”.
O senador se esqueceu de definir “mídias sociais” no projeto (PRS nº 56). Nem citou nomes. Só não deixou de lembrar a criação de 24 cargos nessa “instituição” (5) e no seu “conselho multissetorial” (19).
Costa quer impor ordem na “desordem informacional” da rede mundial, que tem 209 milhões de usuários brasileiros. Não é difícil imaginá-lo à frente da brigada de catalogação infinita de sites e mensagens, para intimar provedores à “remoção de conteúdos”, como prevê no seu projeto.
Ao lado, na Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro batalha por uma lei (PL 5358) para “criminalizar a apologia ao comunismo”. Pretende punir quem “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos”, entre eles a foice e o martelo,
O deputado sonha com o impossível, pois “ideias não podem ser assassinadas” — ensinava o presidente argentino Domingo F. Sarmiento (1811-1888), que duplicou o número de escolas e construiu uma centena de bibliotecas públicas no seu país. No caso, uma idealização política inspirada, goste-se ou não, nos Evangelhos e cuja formulação orgânica remonta a Platão, na Grécia Antiga.
Bolsonaro quer proibir, por exemplo, símbolos da China, comunista e dona de 30% da energia, de metade da rede telefonia e com US$ 100 bilhões anuais em comércio com o Brasil.
O senador do PT e o deputado do PSL se encontraram na sedução do autoritarismo. Ficaram caricatos na aposta em censura para impor “ordem” ao século XXI. Podem não ter percebido, mas já foram atropelados pela História. (O Globo – 21/01/2020)