Presidente tenta intimidar imprensa, mas jornais não são a única vítima desses ataques
Jair Bolsonaro sabia que seu secretário de Comunicação tinha negócios com empresas contratadas pelo governo? Vai pedir os nomes dos clientes de seu auxiliar para avaliar o caso? Enxerga o óbvio conflito de interesses no episódio? O presidente acha que os cidadãos não merecem essas explicações.
Numa jornada de evidente desequilíbrio, Bolsonaro tentou intimidar quem perguntava sobre o assunto. Disse a uma repórter da Folha que calasse a boca, deu berros durante uma cerimônia no Palácio do Planalto e lançou a outro jornalista uma provocação das mais apalermadas: “Tá falando da tua mãe?”.
Já se sabe que o presidente não acredita na liberdade de imprensa, mas o surto de estupidez mostra também que Bolsonaro se recusa a prestar contas ao país e esclarecer questões que o incomodam.
Pelo segundo dia seguido, ele foi incapaz de produzir uma justificativa para o fato de que Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação, gerencia contratos públicos com empresas que são suas clientes na iniciativa privada.
Bolsonaro mentiu, tentou mudar de assunto e fugiu de dar entrevistas sobre o tema. Numa explosão de sinceridade ao fim de um discurso no Planalto, confessou aos jornalistas seu desejo, aos gritos: “Deixem o nosso governo em paz!”. Foi aplaudido pela plateia de aduladores.
Ávido por uma imprensa subserviente, ele se queixou de que os jornais não publicaram “nenhuma linha” sobre vitórias do governo, como o apoio dado pelos americanos à entrada do Brasil na OCDE. O presidente sabe que isso não é verdade, já que seus próprios auxiliares deram entrevistas sobre o caso.
Bolsonaro jamais aceitará que a imprensa tem o papel de levantar informações de interesse público.
Goste ou não do que é revelado, ele deve à população transparência completa sobre esses fatos. Quando ataca repórteres, o presidente busca uma blindagem contra esses questionamentos. Engana-se quem pensa que os jornais são as únicas vítimas. (Folha de S. Paulo – 17/01/2020)