Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (09/01/2020)

MANCHETES

O Globo

Trump descarta retaliação militar ao Irã e reduz tensão
Ghosh afirma que fugiu por sofrer abuso; Japão nega
Sistema japonês dá mais poderes a promotores
Desembargador censura vídeo do Porta dos Fundos
Amazônia teve 30% mais focos de fogo em 2019
Iranianos se dividem após ataques para vingar morte de Soleimani
Autoridades agora dizem investigar queda de avião comercial em Teerã

O Estado de S. Paulo

Governo tenta reduzir fila de 1,2 milhão no INSS após reforma
Família com R$ 24 mil de renda recebia benefício
EUA evitam escalada na crise com Irã
Bolsonaro faz live vendo fala de Trump
Leilão de rodovia em SP rende R$ 1,1 bilhão
Casos de dengue têm maior pico em 4 anos
Vacina pentavalente só fica regular após março
Ghosn não diz como fugiu e critica governo brasileiro

Folha de S. Paulo

Trump afasta ação militar e diz que o Irã se acalmou
Sem dinheiro, reformulação de programas sociais empaca
INSS pode ter nova força-tarefa para reduzir espera
Fundos levam por R$ 1,1 bi leilão de rodovias em SP
Justiça do Rio censura especial de Natal do Porta dos Fundos
Fui vítima de processo hostil e esperava ajuda do Brasil, diz Ghosn
Criminosos roubam celulares e encomendam banquetes em apps
Fila para creche em SP fica abaixo de 10 mil pela primeira vez
Avião com 176 a bordo cai em Teerã, que retém caixa-preta
Harry e Meghan dizem que vão se distanciar da coroa britânica

Valor Econômico

Fala de Trump traz alívio e bolsas batem recordes
AB InBev já busca sucessor para Brito
Caixa desloca 1.200 pessoas para operar no “atacado”
Ghosn volta à ribalta e acusa para se defender
País negocia dez acordos com a Índia
Pátria e GIC pagam R$ 1,1 bi por rodovia
Dataprev vai fechar unidades em 20 Estados e cortar 15% do pessoal

EDITORIAIS

O Globo

Vitória de Trump não resolve a real questão da paz

Presidente vence conflito com o Irã, mas a pacificação pela força não costuma ter vida longa

O pronunciamento triunfante ontem à tarde do presidente americano, na Casa Branca, encerrou uma sucessão de fatos da qual Donald Trump sai vencedor. Do assassinato do general iraniano Qassem Soleimani, na sexta-feira, em Bagdá, por mísseis disparados por ordem do presidente, à cuidadosa resposta militar dada por Teerã na noite de terça, Trump emerge com a imagem reforçada de decidido e duro defensor dos Estados Unidos.

Ganha pontos para a tentativa de reeleição no final deste ano — reforça o apoio que recebe do seu eleitor, além de certamente ter agradado a indecisos — e melhora a já boa posição no processo de impeachment aprovado pelos democratas da Câmara dos Representantes, mas a ser engavetado pelos republicanos no Senado.

O ataque bem-sucedido à comitiva de Soleimani, na saída do aeroporto de Bagdá, e o troco temeroso da teocracia parecem limpar os horizontes de Trump.

No pronunciamento que fez da Casa Branca, Trump aproveitou para voltar a criticar o acordo nuclear que os Estados Unidos de Barack Obama, Grã-Bretanha, França, Alemanha, China e Rússia assinaram com os persas, tendo sido denunciado por ele.

Entende o presidente que o tratado, por haver levantado sanções contra o país persa, financiou o terrorismo e a violência no Oriente Médio.

Magnânimo como um grande vitorioso, Trump convidou estes países e o Irã a negociarem outro acordo. Na parte dos acenos a Teerã, lembrou que persas e americanos derrotaram o Estado Islâmico. Disse querer paz.

Nas circunstâncias, estes dias de alta tensão foram encerrados de maneira positiva. Pelo menos por enquanto, afasta-se o risco de um grande conflito no Oriente Médio, e o mundo solta a respiração, incluindo o Brasil, diante do esvaziamento de uma crise que ameaçava parar a economia global, sem falar nas incontáveis vítimas que haveria em um conflito generalizado na região. Mas os focos de violência e terror continuam.

Está visível o grave encolhimento do espaço institucional no mundo para o diálogo. O avanço do nacional-populismo nos Estados Unidos e na Europa, em um polo, e, no outro, regimes de figurino autoritário, também nacionalistas, na China e na Rússia, descredenciam instituições multilaterais. A começar pelas Nações Unidas, sequer mencionada na crise.

Nas circunstâncias, aconteceu o melhor: o Irã recuou diante da determinação de Trump. O risco foi grande, mas funcionou.

Mas não é tranquilizador que a pacificação só tenha sido alcançada pela força. Dessa forma a paz quase sempre não é real e duradoura.

O choque entre EUA e Irã deveria levar a uma mobilização mundial contra o fechamento dos espaços para o entendimento pelo diálogo.

O Globo

Amazonas extrapola e aumenta salários de servidores em até 475%

Caso reforça perspetiva de que num futuro próximo mais estados se declarem em calamidade fiscal

Os funcionários públicos brasileiros já são remunerados em escala significativamente superior (36% em média) aos assalariados do setor privado. Nos estados, porém, essa distorção tem se acentuado: desde 2017, cerca de 60% dos servidores estaduais passaram a integrar o extrato dos 20% mais ricos da população. A constatação é do Banco Mundial em análise das estruturas salariais dos estados, tendo por referência o mapa da distribuição da renda por habitante que é traçado pelo IBGE na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad).

É uma forma de agravar a concentração da renda, via Diário Oficial. Mesmo com o país sob grave crise fiscal, alguns governantes insistem nessa marcha da insensatez. É o que demonstra o Amazonas, cujo governador, Wilson Miranda Lima (PSC), acaba de aumentar em até 475% o salário de várias categorias de servidores públicos. Trata-se de completo absurdo numa economia com inflação anual média em torno de 4%.

O governador privilegiou, ainda mais, a elite da burocracia. Num estado de quatro milhões de habitantes, cuja renda média beirava o salário mínimo (R$ 988), até setembro os chefes de departamentos recebiam R$ 5,2 mil. Desde novembro, a remuneração desses gestores amazonenses subiu para R$ 29,9 mil, conforme constataram repórteres do G1. No espaço de oito semanas, ele ganharam um aumento salarial equivalente a 25 salários mínimos.

Nos escalões superiores, os reajustes oscilaram entre 161% e 206%. Quem ganhava R$ 9,3 mil passou a receber R$ 28,5 mil. Isso num dos estados mais pobres do país, onde mais da metade dos trabalhadores do setor privado ganham menos de R$ 2,3 mil por mês.

Tais decisões foram tomadas com base numa Lei Delegada. A cessão de poder feita pelos deputados estaduais contrariou outra decisão deles mesmos.

Apenas 90 dias antes, haviam aprovado uma lei suspendendo aumentos a todos os servidores públicos até setembro de 2021.

A sequência de decisões contraditórias sugere uma espécie de conluio político contra o erário amazonense neste ano de eleições municipais.

O Tesouro estadual, já depauperado, encontra-se sob crescente pressão de uma folha de pagamentos com 76 mil funcionários que aumentou acima da inflação (5%), alcançando o dobro da média nacional de reajustes dos servidores públicos, entre 2016 e 2018. Casos como o do Amazonas reforçam a perspectiva de que, em futuro não muito distante, mais estados se declarem em calamidade financeira.

O Estado de S. Paulo

Alinhamento e agronegócio

Como a Presidência, a atual diplomacia parece desconhecer a importância do setor. Ou bilhões de dólares e milhares de empregos perderam importância?

Mais uma grande safra de dólares será colhida em 2020 pelo agronegócio, setor de maior sucesso no comércio exterior, se nenhum desastre natural ou político atrapalhar as exportações. O risco político, o mais temível neste momento, está situado em Brasília, mais precisamente, na Presidência da República e nos Ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Nomes conhecidos e respeitados nas áreas da política agrícola, da pesquisa agropecuária e do agronegócio, incluído o ex-ministro Alysson Paulinelli, pedem ao governo muito cuidado em relação à crise até agora protagonizada pelos governos dos Estados Unidos e do Irã. O Oriente Médio é um grande parceiro do Brasil no comércio de alimentos, lembrou Paulinelli. “Temos muitos interesses lá.” Advertências como essa foram publicadas ontem pelo Estado. No mesmo dia o governo anunciou a expectativa de um novo recorde na produção de grãos e oleaginosas – itens como soja, milho, algodão, arroz, feijão e trigo.

A safra poderá chegar a 248 milhões de toneladas, se os fatos confirmarem as projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Nesse caso, o total colhido será 2,5% maior que o da temporada anterior. A área plantada terá crescido 1,5%. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o aumento da produção será bem maior que o da terra usada no cultivo. Essa é uma das características mais notáveis da agropecuária brasileira: amplia-se o volume produzido poupando terra e contribuindo, portanto, para a preservação do ambiente.

No Brasil, o agronegócio – o verdadeiro, com presença em todo o mundo – combina produtividade, competitividade e respeito à natureza. Essa característica foi reconhecida internacionalmente por muito tempo. A imagem brasileira começou a mudar quando o presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros passaram a renegar os padrões internacionais do conservacionismo, a negar dados produzidos cientificamente e a rejeitar as ações tradicionais de preservação ambiental. Com esse comportamento, presidente e ministros comprometeram a imagem dos produtores brasileiros e deram argumentos a defensores do protecionismo comercial na Europa e em outras áreas.

Igualmente contrária ao agronegócio brasileiro e aos interesses nacionais tem sido a ação ideológica da diplomacia. O presidente Bolsonaro assumiu o governo criando problemas com a China e vários países muçulmanos, grandes compradores de produtos agropecuários brasileiros.

Uma das tolices mais notórias foi a promessa de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Esse erro foi corrigido, mas o governo insistiu em continuar exibindo um ingênuo e custoso alinhamento às políticas do presidente Donald Trump. O governo voltou a tropeçar com a publicação, pelo Itamaraty, de uma nota de apoio à ação americana depois do assassinato do general iraniano Qassim Suleimani. Potências europeias, com peso geopolítico, econômico e militar muito maior, manifestaram-se de forma cautelosa e conciliadora, evitando alinhar-se a qualquer lado. Alertado por pessoas mais sensatas, especialmente militares, o presidente Bolsonaro decidiu ser cauteloso e evitar comentários.

Até aqui, ele tem agido como se desconhecesse alguns fatos de enorme importância para o Brasil. De janeiro a novembro o agronegócio exportou produtos no valor de US$ 89,33 bilhões, soma equivalente a 43,4% de toda a receita comercial do País. Graças ao superávit do setor, de US$ 76,8 bilhões, o Brasil conseguiu no período um saldo comercial positivo de US$ 41,1 bilhões. O superávit comercial, embora em declínio, tem sido e continua a ser um importantíssimo fator de segurança para a economia brasileira. Além desses dados, alguém deveria mostrar ao presidente o peso comercial do Irã, comprador de bens no valor de US$ 2,1 bilhões até novembro e quinto maior importador de alimentos do Brasil. Como a Presidência, a atual diplomacia parece desconhecer esses fatos. Ou bilhões de dólares e milhares de empregos perderam importância?

O Estado de S. Paulo

Distorções no FPM

Defasagens nos critérios de repasses do Fundo de Participação dos Município têm gerado distorções que beneficiam municípios de Estados mais ricos

Levantamento realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) a pedido do Estado evidencia que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) não cumpre o seu objetivo de reduzir as desigualdades regionais entre os municípios. Em tese, o Fundo deveria servir como uma espécie de “Bolsa Família” para prefeituras pequenas e pobres. Na prática, as defasagens nos critérios de repasses têm gerado distorções que beneficiam municípios de Estados mais ricos.

O Fundo foi criado em 1965 para complementar a receita dos municípios pequenos e de baixa arrecadação. Formado por parte da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (atualmente de 23,5%), em 2019 o FPM repartiu, até outubro, R$ 70 bilhões. Primeiro, calcula-se a cota de cada Estado, depois faz-se a partilha entre os municípios, de acordo com o número de habitantes de cada um. Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Rodrigo Odair, esta fórmula por simples coeficiente populacional “era adequada na década de 60, porque não havia estatísticas precisas da população”.

O levantamento mostra que o Fundo tem servido bem aos municípios pequenos, porém localizados em Estados mais ricos, com maior capacidade de arrecadação. Dos 5.337 municípios que apresentaram seus balanços ao Tesouro Nacional, 2.547 – 46% – não conseguem gerar receitas locais suficientes e recebem repasses do FPM abaixo da média. Destes municípios, a maioria está no Norte e Nordeste. Por outro lado, a maioria das cidades que recebem repasses acima da média está no Sul. O Rio Grande do Sul, Estado com a segunda maior geração de receita local, é o que tem a maior média per capita do FPM. As prefeituras de Santa Catarina e Paraná também se destacam por combinar alta geração de receita e altos repasses do Fundo.

“Podemos citar várias ineficiências relacionadas aos critérios de distribuição do FPM, como não levar em conta as características populacionais dos municípios (por exemplo, a pobreza)”, disse Vilma Pinto, pesquisadora de Economia Aplicada do Ibre FGV. “O resultado é ver cidades do mesmo tamanho recebendo valores diferentes por estarem situadas em Estados diferentes.” Em 2018, o município de Serra da Saudade, em Minas Gerais, por exemplo, recebeu, por habitante, R$ 2.568, enquanto Miguel Leão, no Piauí, recebeu R$ 197.

“A repartição do FPM poderia ser igual à do FPE (Fundo de Participação dos Estados), ponderando, além da população, o PIB per capita”, sugeriu o professor do Instituto de Direito Público José Roberto Afonso. “Hoje, o IBGE calcula também a renda de cada cidade.” Além disso, o professor pondera que os repasses poderiam ser condicionados a compromissos dos municípios, a fim de “estimular aumento da arrecadação própria, bom desempenho fiscal, melhoria ambiental e também social”.

As agruras fiscais dos municípios são ainda agravadas pela proliferação de municípios pequenos e insustentáveis. Segundo estimativas recentes do IBGE, 1.254 dos 5.570 municípios brasileiros têm menos de 5 mil habitantes. Muitos arrecadam menos do que 10% da receita local. Os municípios citados na reportagem do Estado são um exemplo: Miguel Leão tem uma população de 1.253 habitantes e Serra da Saudade, o menor município do Brasil, tem 781. Ainda assim, são obrigados a manter a máquina municipal de secretarias, câmara de vereadores, cargos e salários, que na prática é custeada com recursos estaduais e federais. A esse respeito, o governo prepara uma proposta – de viabilidade política duvidosa – para fundir municípios pequenos ou insustentáveis e condicionar a criação de novos municípios ao cumprimento de critérios financeiros mínimos. Mesmo com essa reestruturação, será preciso redefinir os critérios de repasse do FPM. Como apontou o responsável pelo levantamento da Firjan, Jonathas Goulart, a reforma tributária apresenta uma oportunidade de corrigir, entre outras distorções, as disparidades no FPM.

O Estado de S. Paulo

Insistência no erro

Em tempos de acirramento em questões políticas e ideológicas, o MP deve ser exemplar no respeito às instituições

Em novembro do ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aplicou uma advertência ao procurador da República Deltan Dallagnol, em razão de comentário ofensivo contra três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em entrevista à rádio CBN, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba havia dito que os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli “estão sempre formando uma panelinha” e que enviam “uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”.

Seria de esperar que a sanção aplicada pelo CNMP produzisse um efeito educativo sobre o sancionado, dissuadindo-o da prática de novos comentários ofensivos, especialmente contra ministros do Supremo. Ainda que, em regra, esse efeito da pena não seja constatado com a frequência esperada, em se tratando de um proeminente membro do Ministério Público – cuja função constitucional é a defesa da ordem jurídica e do regime democrático –, não seria irrazoável presumir que tal conduta não voltaria a ocorrer. Afinal, mais do que promover idiossincrasias ou opiniões pessoais, a tarefa do Ministério Público é proteger a lei e as instituições.

No entanto, Dallagnol não parece disposto a alterar sua conduta após a advertência. O coordenador da Lava Jato em Curitiba voltou a questionar a atuação do Supremo. “Quantas pessoas o Supremo condenou até agora na Lava Jato, quase seis anos depois? O esquema era político partidário, permeado de muitos detentores de foro privilegiado”, escreveu em sua conta no Twitter.

Em primeiro lugar, cumpre advertir que, em tempos de extremado acirramento em questões políticas e ideológicas, o Ministério Público deve ser exemplar no respeito às instituições. Se tal princípio deve nortear a atuação de todos os órgãos e funcionários públicos, mais ainda o Ministério Público, por força de sua missão institucional, deve abster-se de qualquer prática ou comentário que desautorize o órgão máximo do Poder Judiciário.

Absolutamente indispensável, o papel de controle do Ministério Público deve ser exercido dentro das respectivas competências institucionais e por meio dos caminhos legais. Comentários depreciativos nas redes sociais em nada contribuem para o bom funcionamento da Justiça.

O tuíte de Dallagnol sobre o Supremo é, no entanto, mais que simples afronta à condução da Lava Jato no STF. Ele também envolve um juízo crítico sobre a atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR) junto ao Supremo. No mínimo, não é deferente com o trabalho dos colegas de Ministério Público esse tipo de crítica pública, dando a entender que o paradigma de eficiência seria a atuação da força-tarefa em Curitiba sob sua coordenação.

Mas talvez o mais grave seja o fato de que a pergunta de Deltan Dallagnol sobre as condenações da Lava Jato no âmbito do Supremo revele um jeito tortuoso de ver o trabalho da Justiça. Para o procurador, haveria eficiência do Poder Judiciário – ele estaria funcionando corretamente – apenas se houver condenação. A rigor, Deltan Dallagnol propugna reescrever os objetivos da Justiça. Sua finalidade não seria obter a verdade dos fatos. Sua finalidade não seria aplicar, nos casos cabíveis, as penas legais seguindo o devido processo legal. Tudo isso parece ter pouca importância aos olhos do coordenador da Lava Jato em Curitiba. O decisivo seria produzir o maior número possível de condenações.

“O esquema era político partidário, permeado de muitos detentores de foro privilegiado”, diz Dallagnol no Twitter. Tal sentença é muito elucidativa. Não é necessário ter investigação criminal, processo penal, espaço para o contraditório. Nada disso parece ter relevância. O importante é condenar, seja na Justiça, seja na rede social. A lei pouco importa. Os fatos, menos ainda. Sob tal disjuntiva, bastaria o dogma de que existiu um esquema criminoso. E ai de quem não se submeter a tal mandamento.

Parece óbvio, mas nos tempos atuais é preciso advertir. Esse autoritarismo não tem guarida num Estado Democrático de Direito.

Folha de S. Paulo

Populismo solar

Bolsonaro mostra pendor intervencionista e interdita debate no setor de energia

A intervenção do presidente Jair Bolsonaro praticamente sepultou a revisão da política de subsídios para a geração de energia solar que vinha sendo conduzida pela agência regulatória do setor, a Aneel.

Em seu gesto populista, que terá impacto negativo em todos os setores que dependem de boa governança pública, Bolsonaro contou com o apoio das duas principais lideranças do Congresso, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Foi comprometido todo um trabalho que visava o necessário aperfeiçoamento das regras, no sentido de reduzir subsídios que beneficiam um número reduzido de produtores de energia solar, mas que oneram o universo de consumidores.

O benefício, que pode custar R$ 34 bilhões até 2035, se origina na regra atual, definida em 2012, que visava incentivar a geração de energia renovável ao isentar os produtores de arcarem com o custo da rede de distribuição.

Na prática, a regra atual permite que a energia solar produzida e devolvida ao sistema seja descontada da conta de luz. O retorno do investimento, dependendo da concessionária, pode se dar entre 4 e 6 anos. Ou seja, uma rentabilidade próxima a 20% ao ano, muito atraente no cenário de juros baixos.

Não surpreende, assim, que o número de unidades produtoras de geração distribuída tenha crescido rapidamente nos últimos anos. Segundo a Aneel, já são 163 mil delas, com potência instalada de 2.054 megawatts, que poderá ser multiplicada, junto com os subsídios, nos próximos anos.

Daí a tentativa de ajustar os parâmetros. O pleito das distribuidoras é limitar o desconto, que passaria a incidir apenas sobre a tarifa de energia e não sobre as demais taxas que compõem a conta de luz, incluindo a que remunera a rede de distribuição. Nessa proposta, o subsídio seria reduzido em até 62%.

Ainda que o tamanho do ajuste possa ser debatido e modulado, é defensável a tese de que a geração de energia distribuída deve pagar pelo uso da rede. Algum subsídio em favor de energia limpa pode ser preservado, desde que em tamanho razoável e de forma transparente no orçamento público.

A redução radical nos últimos anos do custo dos equipamentos, que torna o setor de energia solar mais sustentável, é outro argumento em favor da revisão.

O episódio todo é lamentável, dada a postura irresponsável do presidente da República, com a guarida um tanto surpreendente do alto clero do Poder Legislativo.

Ao usar argumentos enganosos, como não taxar o sol, impede um debate racional. Pior, sinaliza um pendor intervencionista temerário, que enfraquece as agências reguladoras e a segurança jurídica.

Folha de S. Paulo

Coalas calcinados

Incêndios na Austrália reforçam previsões sobre efeitos do aquecimento global

A evidência mais eloquente sobre o porte dos incêndios florestais na Austrália aparece com a fumaça gerada, que chegou à América do Sul. O fumo percorreu 12 mil km, a 6.000 metros de altitude, e não deve originar danos à saúde de sul-americanos —só propiciar-lhes pores do sol mais vermelhos.

Uma reprise, talvez, dos espetáculos atmosféricos de 1991 após a erupção do vulcão Pinatubo, nas Filipinas. Mas com causas e consequências mais alarmantes: o presente desastre foi agravado pelo homem, com grave prejuízo para a população e a fauna australianas.

Estima-se que meio bilhão de animais pereceram no sinistro iniciado em setembro. As chamas já calcinaram mais de 80 mil km2, área quase do tamanho de Portugal.

Mortos se contam na casa de três dezenas. Milhares se refugiam em praias para escapar das chamas. Cerca de 2.000 casas foram destruídas. O governo montou a maior operação militar de resgate da história e criou um fundo de R$ 5,7 bilhões para reparações.

Incêndios são um traço característico das florestas e savanas da Austrália, nas quais vicejam espécies adaptadas ao fogo. Nestes quatro meses, contudo, ultrapassaram-se todos os registros conhecidos.

A temporada inflamável veio agravada por seca extrema, recordes de temperatura e ventos incomumente fortes e em várias direções. Especialistas indicam que a explicação mais provável se encaixa na emergência climática criada pelo aquecimento global, em consequência da queima de combustíveis fósseis, principalmente.

Comparar as queimadas australianas com as recentes na Amazônia, como vêm fazendo o presidente e alguns ministros brasileiros, constitui disparate. Nossa floresta é chuvosa, muito difícil de incendiar, e só se emprega o fogo na região para eliminar pragas de pastos ou livrar-se de detritos.

Por ironia, o maior país da Oceania tem no governo um notório adversário da noção de mudança climática causada pelo homem. Assim como Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro Scott Morrison nega que o aquecimento da atmosfera seja um problema, mas já colhe prejuízos políticos na esteira do desastre que tentou minimizar.

Tudo indica que acabará entrando para a história como um dos responsáveis pelas terríveis imagens de coalas e cangurus imolados, que já rivalizam com as de ursos polares famintos como ícones da crise do clima.

Valor Econômico

Produção científica ganha com parceria academia e empresa

Os desafios tecnológicos só aumentam e os empresários sabem que correm graves riscos se os seus negócios ficarem para trás

Uma informação surpreendentemente positiva sobre o papel das empresas na produção científica no Brasil pode servir de alento em um momento da vida nacional em que se cortam recursos destinados à inovação e tecnologia. Nos últimos anos, por causa da recessão econômica desencadeada pelas medidas adotadas pelo governo Dilma Rousseff, tanto o governo federal quanto muitas companhias reduziram os investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Na contramão dessa tendência, na edição do dia 6, o Valor publicou importante material sobre um levantamento feito pelo diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique Brito Cruz sobre o relacionamento entre universidades públicas e o setor empresarial. O trabalho mostra que o número de artigos científicos realizados em coautoria por pesquisadores da academia e da indústria cresceu a uma taxa média de 14% ao ano no período entre 1980 e 2018, passando de pouco mais de uma dezena para mais de 1,5 mil ao final do período.

Os números, inéditos no país e que integram levantamento do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), contrariam a tese de ineficiência das universidades brasileiras. Brito Cruz informou ao repórter Gabriel Vasconcelos que não existem indicadores confiáveis sobre a interação entre universidades e companhias no país, o que abre espaço, no seu entender, para juízos equivocados. “Ainda é comum ouvirmos as pessoas falarem que é muito complicado fazer os contratos de colaboração ou que a universidade não quer interagir. Isso não é mais assim. Há desconhecimento por parte do governo, mas também dentro da própria academia, influenciado por impressões pessoais que vêm dos anos 1970”, comentou Brito Cruz.

Para levar adiante seu levantamento, ele criou um algoritmo para refinar buscas na plataforma Web of Science, que reúne informações extraídas de bancos de dados sobre artigos acadêmicos do mundo inteiro, que permite mensurar a interação entre a academia e um grupo limitado de companhias. Com esses recursos, foi possível identificar empresas brasileiras nesse universo.

A despeito do crescimento na produção conjunta de conhecimento por empresas e universidades, chama a atenção a concentração: nos últimos dez anos pesquisados (2009-2018), 72% do total de artigos escritos nesses termos pertencem a dez universidades. Isolada à frente está a Universidade de São Paulo (USP), com 2,7 mil artigos em coautoria no período, mais que o dobro da segunda instituição que mais interagiu com empresas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com 1,1 mil artigos. A lista ainda traz as universidades estaduais de Campinas (Unicamp) e Paulista (Unesp), além das federais de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, Viçosa (MG) e Santa Catarina.

Parcerias com universidades podem ser uma opção interessante para o desenvolvimento tecnológico para pequenas e médias empresas e aquelas com maior dificuldade de acesso a financiadores de projetos nessa área. Tornou-se um mote no mundo empresarial ressaltar a importância de investimentos em inovação, mas nem sempre as companhias dispõem de ferramentas para desenvolver pesquisas nesse sentido. Poder contar com pesquisadores de primeira linha, alocados em faculdades, é um passo importante nesse sentido.

Como se sabe, os desafios tecnológicos só aumentam e os empresários sabem que correm graves riscos se os seus negócios ficarem para trás. Uma grande preocupação da sociedade como um todo – e não apenas dos dirigentes de empresas e de instituições financeiras – é o impacto que o avanço tecnológico está tendo e terá no mercado de trabalho a curto e médio prazos.

Estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que até 56% das ocupações de emprego formal no Brasil deverão ser afetadas pelo processo de automação em decorrência das novas tecnologias, além de poderem sofrer eventuais ameaças de extinção. A análise teve como metodologia uma abordagem inovadora para classificar as ocupações com maior risco de automação ao considerar a importância (dada pela frequência) e a relevância das tarefas desempenhadas em cada ocupação. Os pesquisadores consideraram tecnologias já consolidadas e passíveis de implantação do ponto de vista regulatório num prazo de até cinco anos no cenário brasileiro.

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