Justiça do Rio censura especial de Natal do Porta dos Fundos

O desembargador Benedicto Abicair determinou nesta quarta-feira (08) que a Netflix retire do ar “A Primeira Tentação de Cristo” da plataforma de streaming (Foto: Reprodução)

Desembargador censura especial de Natal do Porta dos Fundos na Netflix para ‘acalmar ânimos’

Rayanderson Guerra – O Globo

O desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), determinou nesta quarta-feira que a Netflix retire o “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo” da plataforma de streaming, como antecipou o colunista Ancelmo Gois. O magistrado decidiu ainda pela suspensão de trailers, making of, propagandas, “ou qualquer alusão publicitária ao filme” na Netflix e em qualquer outro meio de divulgação.

O pedido de suspensão feito pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura havia sido negado em primeira instância pela juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura. O centro recorreu da decisão, mas o desembargador de plantão confirmou o entedimento de Adriana e não concedeu a liminar para tirar o especial do Porta dos Fundos do ar.

Com o fim do recesso no Tribunal de Justiça do Rio, o processo foi distribuído para Abicair. Ao decidir pela suspensão do filme, o desembargador afirma que, nessa fase do processo, ainda não há como decidir se houve incitação ao ódio público por parte da produtora e “com quem está a razão”, mas para “acalmar os ânimos” da sociedade entende ser “mais adequado e benéfico” suspender a exibição.

“Por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que condedo a liminar na forma requerida”, diz um trecho da decisão. A produtora disse ao GLOBO que ainda não foi oficialmente notificada sobre a suspensão. A Netflix informou que, por enquanto, não irá se manifestar sobre o caso.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello afirmou, ao blog do colunista Bernardo Mello Franco, que a decisão judicial caracteriza censura e será derrubada pelos tribunais superiores. Para o ministro, a decisão de retirar do vídeo não tem amparo na Constituição.

— É uma barbaridade. Os ares democráticos não admitem a censura — afirma.

O desembargador diz que só teve conhecimento do especial por meio da mídia e que desconhecia o “trabalho e conceito dos artistas mencionados”. Após ler parte da transcrição dos diálogos do filme e “assistir rapidamente o episódio” constatou que se trata de “uma aparente “sátira” de personagens do cristianismo, extraídos da Bíblia, a obra mais lida no mundo”.

“Vejo com bons olhos todo e qualquer debate ou crítica à religião, racismo, homossexualidade, educação, saúde, segurança pública e liberdade de imprensa, artística e de expressão, desde que preservados a boa educação, o bom senso, a razoabilidade e o respeito à voz do outro. Caso contrário passa-se à agressão verbal, muitas vezes com desdobramentos físicos”, diz Abicair na decisão.

Abicair diz que as liberdades de expressão, artística e de imprensa “são primordiais e essenciais na democracia”. Entretanto, “não podem elas servir de desculpa ou respaldo para toda e qualquer manifestação, quando há dúvidas sobre se tratar de crítica, debate ou achincalhe”.

O especial de Natal do Porta tem causado polêmica e gerou uma série de críticas de grupos religiosos. No filme de 46 minutos, Jesus (Gregório Duvivier) está prestes a completar 30 anos, e é surpreendido com uma festa de aniversário quando voltava do deserto acompanhado do namorado, Orlando (Fabio Porchat). A sátira com um Jesus gay despertou a ira de alguns setores religiosos, que pedem a censura da produção.

Desde 2013, o Porta dos Fundos publica especiais de Natal em dezembro. O filme do ano passado, “Se beber, não ceie”, venceu o Emmy Internacional por melhor comédia no final de novembro. Na véspera da cerimônia que consagrou o filme, Fábio Porchat (que vive Jesus no especial de 2018), comemorou a indicação.

A constitucionalista Vera Chemim, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que o desembargador analisou o caso com base no conflito entre dois princípios constitucionais: o da liberdade de consciência e de crença (inciso VI do artigo 5º) e o da liberdade de expressão da atividade intelectual e artística, independentemente de censura ou licença (inciso IX do artigo 5º). Ela diz que o magistrado deve fazer uma ponderação e decidir pelo bom senso, o que não ocorreu no caso em questão.

— É de notório saber que o Porta dos Fundos trabalha com sátiras em seus programas. Não há como dizer que houve um desrespeito, do ponto de vista constitucional, por parte do especial de Natal. Pode se até afirmar que houve um desrespeito do ponto de vista moral e religioso por parte de quem se diz ofendido, mas o direito deve se ater à legislação e à Contituição. O próprio STF tem decidido no sentido da ampla liberdade de expressão. Essa liminar deve cair nos tribunais superiores — explica.

Daniel Gerber, mestre em Direito Penal e Processual Penal, avalia a decisão como “um verdadeiro absurdo, retrato de uma censura medieval que não compreende o conceito de liberdade”.

— Não apenas impõe o crucifixo em salas de audiência do Estado Laico como recrimina, em nome da maioria, a liberdade de expressão e, consequentemente, de crença. Decisões assim não passam nem com ‘reza brava’, seja qual for a religião do pedinte — diz Daniel.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também se posicionou contra a decisão.

Em nota, Santa Cruz afirmou que “a Constituição brasileira garante, entre os direitos e garantias fundamentais, que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. Qualquer forma de censura ou ameaça a essa liberdade duramente conquistada significa retrocesso e não pode ser aceita pela sociedade”.

Ataque à produtora do Porta dos Fundos

Em meio às críticas por parte de grupos religiosos ao especial de Natal do Porta dos Fundos, um grupo atacou a sede da produtora com coquetéis-molotov na madrugada do dia 24 de dezembro, véspera do Natal. O fogo foi contido por um segurança que estava no prédio. Apenas o quintal e a recepção sofreram danos materiais com o ato.

A polícia acredita que cinco pessoas estiveram envolvidas diretamente na ação. Elas estavam a bordo de um carro que foi registrado por câmeras de segurança na rua da sede da produtora e em outros bairros do Rio, como Botafogo. Com base em imagens de câmeras de segurança no entorno da produtora, a Polícia Civil identificou o economista e empresário Eduardo Fauzi, de 41 anos, como um dos homens que jogaram coquetéis molotov contra a produtora. Nas imagens obtidas pelos investigadores, ele aparece tirando uma fita que escondia a placa do automóvel.

Perguntas e respostas: O que já se sabe e o que ainda falta descobrir sobre o ataque ao Porta dos Fundos

Um dia antes da expedição do mandado de prisão contra ele, no dia 30 de dezembro, Fauzi embarcou para Moscou na Rússia. O economista tem família na capital russa: a mulher dele, de origem russo-israelense, e o filho, de três anos, vivem na cidade. Ele é considerado foragido.

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