O governo não está sabendo como dizer isso, principalmente agora, na sua atual fase de comunicação anêmica, que se dá por soluços no gramado do Alvorada. Mas faz parte de sua agenda de discussões e estudos bem objetivos a criação de algum mecanismo legal que possa orientar a ação dos que atuam na manutenção da segurança pública. Ou, como argumentam as autoridades envolvidas, na dissolução de ameaças ao estado de direito.
Quando alguém pergunta se, finalmente, o que está em pauta é o novo AI-5, a reação é veemente: AI-5, não, não e não. Conclui-se que a invocação do AI-5 é coisa de gente com vocabulário curto.
Formulação de ideias e sua expressão, bases de um diálogo eficaz, não existem no governo Jair Bolsonaro, daí as dificuldades.
Assim, a equação torna-se primária: um diz quero, outro confirma que é necessário, o terceiro diz não. Temporariamente, a celeuma desaparece e fica o dito pelo não dito: sabem todos que, de muito ruim, algo há, mas não se sabe exatamente o quê.
Não é o AI-5 que perseguem. Porém, são incapazes de dar ao assunto a transparência mínima, de confessar precisamente suas preocupações ou mostrar o retrato dos riscos que veem pela frente. O que se procura, de fato, é mais que um nome. Talvez uma espécie de amuleto. O diabo tem outros apelidos.
O assunto, por nebuloso e delicado, sujeito oculto de todo o segundo semestre que se encerra, nem sequer foi mencionado na última reunião ministerial do ano, realizada há uma semana, para balanços e celebrações.
As autoridades da área, no entanto, já fizeram um passeio por várias alternativas.
A de execução mais fácil é o resgate do estado proporcionado pela Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Como força moral e legal, as GLOs, instrumentos fortes amparados em decreto, foram banalizadas com seu uso excessivo para conter rebeliões em presídios e preservar a ordem na permanente crise de segurança do Rio de Janeiro.
São tão funcionais, na avaliação do governo, que permitem, por exemplo, a aplicação da regra “excludente de ilicitude”. Este seria outro instrumento necessário ao bom desempenho da repressão à violência cuja aplicação, no caso de GLOs, poderia ser feita sem necessidade de demanda ao Legislativo.
Interessados em amenizar o impacto das menções à ressurreição do AI-5 apressam-se a ponderar que “excludente de ilicitude” não é licença para matar. Na GLO é um recurso legal que pode garantir aos militares uma atuação segura.
Terceira vertente aponta a saída pela Lei de Segurança Nacional (LSN). Muitos a imaginavam extinta a partir da impressão de que a lei caducou com os governos militares. Mas está em vigor e nela os estudos apontam a existência de dispositivos que facilitam o controle da ordem pública.
Na Constituição habitam o estado de defesa, para grave perturbação da ordem, e o estado de sítio, artigos 136 e 137, prontos e acabados, sem necessidade de inventar nada extraordinário.
A discussão sobre o AI-5 está vetada, mas acredita o governo que é preciso estar preparado. Toda esta legislação citada, consolidada em uma norma que oriente a conduta dos órgãos encarregados da segurança e manutenção da ordem, é a hipótese mais aceita no momento para ordenar a ação de militares e policiais.
O presidente Jair Bolsonaro já falou sobre o assunto com líderes no Congresso. Nessas conversas, reconhece a legitimidade dos movimentos populares, passeatas, greves. Mas acha que não pode se descuidar “daqueles que visam enfraquecer o estado democrático”.
Exemplo? “O discurso de Lula ao sair da prisão, incitando o povo a ir às ruas, como fizeram no Chile, é um desrespeito à institucionalidade, à democracia, aos poderes constituídos.” (O Estado de S. Paulo – 18/12/2019)