Diagnóstico sobre derrota dos trabalhistas vai moldar estratégia da esquerda contra o populismo de direita
Nos últimos anos, correntes de esquerda têm defendido que a estratégia apropriada para responder ao populismo de direita seria recuperar a confiança da classe trabalhadora com uma ambiciosa ampliação das políticas sociais financiada com impostos sobre os ricos.
As eleições no Reino Unido, na semana passada, podem ter sido o primeiro teste da ideia.
Depois de conduzir uma luta intestina contra os moderados, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, conseguiu elaborar um programa segundo essas linhas para as eleições de 2019. Sua derrota, com o pior resultado eleitoral para os trabalhistas desde 1935, está levando a esquerda a se perguntar sobre as causas do fracasso.
De um lado, moderados acusam o radicalismo do programa trabalhista –que ampliava demais os gastos sociais, propunha reestatizações e trazia grandes aumentos nos impostos– de ter não conquistado, mas, sim, assustado a classe trabalhadora.
Outros, porém, chamam a atenção para a postura confusa e ambivalente do programa trabalhista para a questão mais importante do país desde 2016, o brexit.
Logo depois que o plebiscito determinou a saída do Reino Unido da União Europeia, o país se dividiu novamente sobre a melhor maneira de fazê-lo: de um lado, os que votaram pela permanência queriam estabelecer um acordo que permitisse manter um comércio integrado com o bloco, sem maiores sobressaltos em relação à situação anterior; os que pediram a saída, por outro lado, diziam que assim o Reino Unido se submeteria aos protocolos europeus só que sem poder participar dos processos que os estabeleciam.
Depois de dois anos de impasse, a campanha do conservador Boris Johnson concentrou-se na ideia de fazer o brexit acontecer. Embora sua proposta não fosse muito diferente da de sua antecessora, Theresa May, ele a apresentou com um tom inflamado e populista, evidenciando que não se tratava de um tema técnico de política externa, mas de um embate de valores característico das guerras culturais.
Do outro lado, o horizonte de um socialismo em um estado nacional de Jeremy Corbyn o empurrou para uma postura ambivalente e eurocética. Seu programa propunha negociações com o bloco seguidas de um novo plebiscito –no qual se negou a dizer como votaria.
Afinal, o que teria determinado a derrota dos trabalhistas? Teria sido o radicalismo do programa econômico ou a derrota na frente cultural do brexit? A resposta para essa questão deve moldar as estratégias eleitorais da esquerda para enfrentar o populismo de direita. (Folha de S. Paulo – 17/12/2019)
Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.