Caetano Araújo: Radicalidade e flexibilidade – reflexões a partir do texto do Marcos Nobre

Seguem algumas reflexões inspiradas no texto do Nobre e nos comentários do [Alberto] Aggio. Divido meus argumentos em três tópicos distintos: a questão central da agenda política, qual o espaço que lutamos por ocupar e que políticas de aliança devemos implementar.

1 Qual a questão central da agenda política hoje no Brasil? A democracia ou a corrupção? Na minha opinião, e nisso concordo com Nobre, a questão democrática é a central. Em termos gerais, porque, sempre, sem democracia não há luta contra a corrupção. Em termos específicos porque a democracia está hoje sob ameaça nesse país, ameaça que parte do governo legitimamente eleito há um ano atrás. Claro que a corrupção mina a legitimidade das instituições e constitui, também, uma ameaça à democracia, no longo prazo. Para usar uma metáfora médica, a corrupção seria comparável à situação de anemia profunda e devemos combatê-la. Mas estamos também sob ameaça de um câncer, com possível metástase imediata. Devemos, portanto, ao mesmo tempo, defender a democracia e combater a corrupção e é possível que nossos aliados não sejam os mesmos nessas duas frentes de luta.

2 – Qual o campo político que queremos construir, nas ruas, nos legislativos, nas eleições? Tenho reservas com o uso da expressão centro, mesmo que qualificado como democrático, progressista, radical ou extremo. Penso que essa metáfora espacial era adequada no tempo em que a política estava dominada pelas oposições esquerda e direita e democracia e autoritarismo. Hoje, num mundo em que outras dimensões polarizam a política, como as questões da sustentabilidade e do cosmopolitismo, essa metáfora perde precisão. Tanto é assim que quando falamos em centro precisamos quase sempre especificar quem está dentro e quem está fora desse campo.

Prefiro, por isso, trabalhar com as várias dimensões da política que tem mostrado relevância prática no mundo: democracia, república, equidade, sustentabilidade, integração cosmopolita e responsabilidade econômica. Temos posição clara em cada uma dessas oposições. Somos a favor da democracia, das regras republicanas, da equidade como objeto da política, da sustentabilidade, de um mundo cada vez mais integrado e de políticas econômicas sustentáveis no tempo.

Essas definições tem a vantagem de explicitar os pontos de acordo e desacordo com os demais atores da política. À direita, equidade e sustentabilidade nos separam de partidos que ignoram ou subestimam essas questões, como o Novo e as diferentes caras do centrão. À esquerda, integração mundial e responsabilidade econômica nos separam do PT e de seus aliados. Além disso, a questão democrática nos separa dos governistas radicais. A rigor, no espectro político brasileiro, compartilhamos as seis definições fundamentais apenas com a Rede, o PV e os dissidentes do PDT e PSB.

Não faz sentido para mim, portanto, dizer que PT e PSOL estão a nossa esquerda. Menos sentido ainda faria afirmar que somos moderados, cercados de extremistas radicais. Nem o PT é radical, nem nós somos moderados. Pelo contrário, somos ou devemos ser radicais na defesa da democracia, da república, da equidade, da sustentabilidade, do cosmopolitismo e da responsabilidade econômica.

3 – Quais as políticas de aliança que devemos perseguir? Se o governo Bolsonaro fosse apenas um governo conservador, isento de ameaças à democracia, nossa política de alianças deveria desdobrar-se em duas etapas: de um lado, estreitar relações com os nossos semelhantes, ou seja, democratas que são ao mesmo tempo verdes, igualitários, cosmopolitas e responsáveis economicamente; de outro, ampliar a articulação política em duas direções diferentes, a promoção das reformas e a defesa dos direitos humanos e do meio ambiente. Nessa tarefa temos, a meu ver, demonstrado facilidade para negociar as reformas à direita e dificuldade em cooperar na pauta progressista com o restante da esquerda.

Ocorre que o governo Bolsonaro constitui também uma ameaça declarada à democracia, o que nos impõe um terceiro trabalho de frente: a frente ampla democrática, que reúna todos aqueles que defendem o estado democrático de direito, a autonomia dos poderes, os direitos e garantias fundamentais e o calendário eleitoral.

As circunstâncias exigem de nós, portanto, tarefas de articulação política e formação de alianças em quatro frentes simultâneas. Qual a mais urgente? Depende da circunstância, ou seja, não depende de nós. Quando as reformas estão em pauta, a prioridade deve ser essa. Quando o governo agride, por ação ou omissão os direitos humanos e o meio ambiente, a agenda progressista prepondera. Quando a democracia é atacada em declarações do Presidente e de seus auxiliares, a mais ampla frente democrática deve ser mobilizada. A ação conjunta com Rede, PV e dissidentes, por sua vez, deveria ser um trabalho permanente do partido, de modo a criar uma identidade política junto ao eleitor e pavimentar o caminho para uma atuação conjunta nas eleições de 2022.

Penso que as circunstâncias exigem de nós ao mesmo tempo radicalidade nas posições e flexibilidade nas alianças. A tarefa não é simples.

Caetano Araújo é sociólogo e dirigente do Cidadania

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