Marcos Nobre é um ensaísta cada vez mais requisitado pela mídia. Seus méritos acadêmicos são inquestionáveis. Contudo, no plano da análise política nem sempre estou de acordo com ele. O artigo “Contagem Regressiva” (veja aqui) que ele publica na revista Piauí (edição 159, dezembro de 2019; indicado abaixo) evidencia mais uma vez muitos desacordos. O principal deles é que sua referência maior para o “campo democrático” é a oposição ao governo Bolsonaro por ser este “contra a democracia”. Estamos de acordo com essa formulação. No entanto, ela ilude e não apreende a realidade política como ela realmente é. Na nossa concepção, o “campo democrático” tem também a tarefa de combater também o partido (e suas lideranças) que criou um sistema de corrupção jamais visto na nossa história, o que comprometeu profundamente a crença da sociedade na política democrática. E isso, sem dúvida, abriu passagem para a vitória de Bolsonaro e a afirmação do Bolsonarismo.
Essa leitura não é sequer considerada na análise de Marcos Nobre. Dai fica difícil apreender a situação como realmente ela se mostra. Nobre chancela a posição de Lula ao rejeitar o pedido de autocrítica do PT. Esse posicionamento do analista anula qualquer possibilidade de conversa entre forças democráticas. Aliás, em nenhum momento o PT é responsável pela crise em que estamos metidos como país. Na leitura do artigo, o lugar do centro vem na fala de Jorge Bornhausen e isso me parece injustificadamente provocador não fosse absolutamente lacunar.
A menção a Luiz Carlos Prestes e ao PCB é outra provocação que somente quem não tem conhecimento básico da história das forças políticas do campo democrático aceita de bom grado. A opção desta linhagem política é por uma “frente democrática”, defendida por Roberto Freire, presidente do Cidadania, que nem sequer é mencionada – e mereceria, para dar algum sentido à ideia de “espírito de urgência”, de que fala o autor, na construção de uma suposta “concertação democrática”.
Aliás, Nobre pensa que a defesa de cada um dos “terços” que divide as forças políticas no Brasil, pelas forças de esquerda e de centro-direita, é inteiramente negativa, por ser defensiva em relação a Bolsonaro. Ora, a política de “frente” também é defensiva; o que ele propões como “concertação” não deixa de ser defensiva em relação a Bolsonaro; é apenas ofensiva em relação aos propósitos do PT, que é de reconquista do poder pela via eleitoral (mas isso Nobre não diz).
Por qual razão as forças de centro (para Nobre só existe centro-direita)se aliariam hoje com o PT. Não há nenhuma razão para isso, ainda mais com o sentido dos discursos de Lula, cada vez mais afirmativo do partido e dele mesmo, muito distante da ideia de “concertação”. Ao final, Nobre fala em DR (discussão da relação) no campo democrático. Mas creio que antes disso, faltam anos de terapia para intelectuais como ele possam repensar a trajetória petista e o mal que ela fez para a política democrática.
Fora disso, não vejo saída, a não ser construir um centro democrático e progressista animado por uma esquerda democrática que, com clareza, possa competir eleitoralmente contra o Bolsonarismo (que é a guerra de movimento de Bolsonaro) e o lulopetismo. (Blog do Aggio)
Alberto Aggio, historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista)