Cristovam Buarque: Extremistas conservadores

A política brasileira continuará polarizada entre grupos extremistas conservadores — radicais nas palavras e defensores de um modelo — enquanto não houver uma proposta aglutinadora que indique novo rumo para o desenvolvimento social e econômico. O discurso político está polarizado entre dois extremos, mas nenhum deles oferece ideias avançadas para reorientar o futuro do Brasil.

Nenhum deles se compromete com um caminho estratégico para assegurar educação e saúde de qualidade para todos, independentemente de renda familiar. Não diz como enfrentar a desorganização das cidades nem como superar a tragédia da pobreza persistente, nem como dar sustentabilidade social, ecológica e fiscal. A esquerda e a direita são radicais e reacionárias.

Radicalizam na relação um com o outro, mas propõem o mesmo projeto de nação. O debate entre os dois extremos conservadores é sobre estatizar ou privatizar, não como fazer uma economia que seja eficiente com uma sociedade justa. Não propõem novo tipo de Brasil que teremos no futuro nem discutem como colocar o Estado a serviço do público, do povo, da nação.

Discutem formas de retomar o crescimento econômico sem reorientá-lo em direção à sustentabilidade ecológica, fiscal, social. Unem-se no debate sobre o valor das minúsculas transferências de renda para populações pobres, mas não defendem as reformas estruturais que permitirão superar o quadro de pobreza, para que não sejam mais necessários esses programas.

Divergem sobre o conteúdo nas escolas, mas nem esquerda nem direita defende que todo o sistema educacional de base seja concessão pública. Divergem sobre pequenas cotas para ingresso na universidade, mas não se comprometem com a universalização do ensino médio, com a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da família.

A verdade é que, por falta de uma proposta transformadora que mude a realidade brasileira ao longo dos próximos anos, os extremistas ficam prisioneiros do conservadorismo, da mesmice, com palavras diferentes e minúsculos ajustes. Beneficiam-se eleitoralmente do vazio de alternativas radicais e do medo que cada um deles inspira ao eleitor.

O extremismo entre conservadores, seja Bolsonaro, seja Lula, dois discursos velhos de uma história socioeconômica que se esgotou, aprisiona o Brasil. Nenhum dos dois apresenta um projeto novo para o país. Não apresentam uma alternativa radical que inspire, atraia e convença a população. São iguais: dois lados de uma mesma moeda, sem oferecer um projeto alternativo.

Tudo indica que ficaremos ainda décadas sem alternativa que seja radical nas propostas e moderada nos meios. Por isso, vamos continuar assistindo aos discursos extremistas nas falas e conservadores nos propósitos. O segundo turno continuará entre extremistas conservadores, reacionários estridentes, divergentes, mas mutuamente aliados por serem necessários um ao outro. Porque sem inspirar esperança em si, inspiram medo no adversário.

A consequência é que no lugar de votar por esperança em seu candidato, o eleitor, mais uma vez, terá de escolher o seu candidato por medo e desencanto com o outro. Mais uma vez, votaremos no segundo turno com medo do outro lado, não com esperança no nosso lado.

Este não é um tempo de esperança em mensagens novas, mas de desencanto com as mensagens antigas. Um exemplo é a ameaça fantasmagórica da direita falando de comunismo. Outra é a ameaça vinda da esquerda apontando o fim de programas assistenciais. Nem um nem outro lado aponta para reformas sociais, especialmente na educação, que a sociedade brasileira precisa. Esquerda e direita assumem extremismos e fogem de reformas estruturais.

No meio do desencanto, os extremos não trazem o novo, mas mobilizam as forças políticas e as mantêm ativas. O centro vazio nada inspira e nada mobiliza, porque o centro também é conservador. Os extremos são antropófagos e comem um ao outro. O centro é antropofágico e come a si. Todos se alimentando da falta de propostas progressistas e de ousadia transformadora. (Correio Braziliense – 03/11/2019)

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)

Leia também

Lira teme efeito Orloff ao deixar comando da Câmara

NAS ENTRELINHASO presidente da Câmara se tornou uma espécie...

IMPRENSA HOJE

Veja as manchetes dos principais jornais hoje (19/04/2024) MANCHETES DA...

Cidadania de Goiás se prepara para as eleições de 2024

Em um encontro na quarta-feira (17), o Cidadania de...

Manaus: Nova pesquisa confirma Amom na liderança com 29,3%

David Almeida tem 27,5%, Alberto Neto 9,1%, Roberto Cidade...

Comissão aprova projeto de Manente que amplia isenções para faculdades

A isenção valerá desde que a instituição cumpra as...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!