Relator do caso, presidente do STF deu voto pela imposição de limites à Receita e à UIF no compartilhamento de informações (Foto: Carlos Moura/STF)
Voto de Toffoli deixa ministros em dúvida
Luísa Martins e Isadora Peron – Valor Econômico
Em um voto considerado confuso pelos próprios colegas de Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli manifestou-se ontem pela imposição de limites à Receita Federal e à Unidade de Inteligência Financeira (UIF) no compartilhamento de informações fiscais sigilosas com o Ministério Público (MP), para fins penais.
Relator do caso, o ministro entendeu que o MP, ao receber uma representação fiscal da Receita, deve instaurar um procedimento investigatório criminal e imediatamente submetê-lo à supervisão do Poder Judiciário.
Os relatórios da Receita, segundo o relator, podem conter as descrições das movimentações suspeitas e até mesmo os fatos caracterizadores de eventual ilícito, mas não os documentos considerados “sensíveis”, como a íntegra de extratos bancários ou a declaração anual do Imposto de Renda – para esses casos, seria imprescindível a prévia autorização judicial, por tratar-se de quebra de sigilo.
Já em relação ao antigo Coaf, rebatizado de UIF, Toffoli afirmou que o compartilhamento de dados está liberado mesmo sem o aval do Judiciário, desde que não seja “sob encomenda”. Ou seja, o MP não pode escolher quem investigar e requerer dados desses cidadãos, sem que eles sejam alvo de procedimentos criminais.
Assim, se prevalecer o entendimento do relator, a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (RJ), que está deixando o PSL, pode ser paralisada. A defesa tem alegado que as movimentações suspeitas do parlamentar foram encomendadas pelo Ministério Público.
A sessão será retomada hoje com os votos dos demais ministros. Muitos deles consideraram um tanto incompreensível a manifestação do presidente da Corte. Diante da enxurrada de perguntas, Toffoli demonstrou incômodo. Ele deve iniciar a reunião de hoje com mais esclarecimentos. O ministro Luís Roberto Barroso chegou a dizer que era preciso que um “professor de javanês” traduzisse o voto do colega.
Logo no início da sessão, Toffoli fez questão de dizer tratar-se de “lenda urbana” associar o julgamento ao caso específico do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. No entanto, em julho, foi no âmbito deste recurso que o ministro decidiu suspender todos os inquéritos que tivessem sido abertos com base em informações sigilosas compartilhadas com o Ministério Público sem autorização judicial.
“A suspensão alcançou poucos processos, mas determinados agentes informaram que alcançou muitos, para gerar um clima de terrorismo”, explicou-se. “Quem aqui é contra o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro? Temos que acabar com essas lendas urbanas”, repetiu.
Ao entrar no mérito do recurso, Toffoli afirmou, sobre os relatórios da Receita, que a supervisão judicial é necessária para “evitar abusos de investigações de gaveta que servem apenas para assassinar reputações, sem ter elemento ilícito algum”.
Já em relação às investigações do antigo Coaf, ele foi mais brando e dispensou o crivo do Judiciário, mas ponderou: “É absoluta e intransponível a impossibilidade de geração de relatórios por encomenda, as expedições por pescaria, para tentar obter aquilo que a unidade de inteligência financeira não está obrigada a ir atrás ou a fornecer”.
Em sua sustentação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que o plenário derrube a liminar de Toffoli. Citando o nome de Flávio, ele afirmou que os ministros precisavam levar em conta não só o caso concreto (a sonegação de impostos de um posto de gasolina em São Paulo), mas um tema que reflete em diversos aspectos, inclusive em como o Brasil será visto pela comunidade internacional.
Para ele, a exigência de aval judicial para o compartilhamento de relatórios de inteligência prejudica a imagem do país em organismos como o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi).
“Esse sistema opera em 184 países do mundo e o Brasil necessita respeitá-lo, porque não é só o aspecto de combate à lavagem de capitais, não é só a lei anticorrupção que está em causa. É crucial para o crescimento econômico do país que mantenhamos a segurança jurídica”, disse.
O PGR também afirmou que, se o plenário chancelar a posição de Toffoli, “corremos grave risco de o Brasil vir a ser considerado tecnicamente um paraíso fiscal, mácula excessivamente nociva a um país que necessita retomar o curso do crescimento econômico e estabelecer o bem-estar social”.
Aras ainda criticou Toffoli por ampliar o escopo do recurso que tramita na Corte. O PGR argumentou que o caso em análise trata apenas do compartilhamento de dados da Receita Federal, e não os do antigo Coaf ou outros órgãos de fiscalização e controle. Isso ainda deve ser discutido pelos ministros no decorrer do julgamento.