MANCHETES
O Globo
Emprego com carteira volta a crescer para os mais jovens
Adolescentes soltos por liminar voltam a cometer crimes
Racha no PSL leva disputa a sete estados
Após morte de índio, Maranhão lança força-tarefa
Abrolhos suspende visitação para tirar óleo
Enem sem temas polêmicos e com foto vazada de redação
Linha Amarela contabiliza 142 equipamentos destruídos
O Estado de S. Paulo
Metade dos Estados planeja mudar regras da Previdência
Governo prepara PEC emergencial mais ‘enxuta’
1º Enem sob Bolsonaro ignora ditadura e socialismo
Força-tarefa tenta conter óleo em Abrolhos
Câmara paga advogados de deputados do PSL
Em tratamento, Covas articula por reeleição
Galeria de arte entra na mira da Lava Jato
Folha de S. Paulo
Cidades cobram IPTU de aeroportos sob concessão
Domínio do investimento privado é boa notícia no país
Sob pressão, Dias Toffoli deve decidir sob 2ª instância
Ditadura fica fora do Enem pela 1ª vem em dez anos
Milhagem paga serviços cobrados agora por aéreas
Governo quer incentivar consultas e prescrição de remédios no SUS por enfermeiros
Arábia Saudita vai abrir o capital de sua petroleira, a maior do mundo
Valor Econômico
BNDES reduz presença em empresas e infraestrutura
Incertezas sobre leilão do pré-sal
PEC aperta gastos por até 2 anos
O ‘Estado feminino’ da Noruega
Megausina de Olacyr agora é do Citigroup
Banda larga cria oportunidades para franquias
EDITORIAIS
O Globo
Desastres mostram fracasso da política para o meio ambiente
É incompreensível, por exemplo, a letargia do governo diante da calamidade nas praias do Nordeste
Uma sucessão de eventos desastrosos nos últimos dez meses atesta o fracasso da política nacional de proteção e defesa do meio ambiente. Também revela a inexistência de um sistema de Defesa Civil que permita uma resposta ágil, eficiente e coordenada entre governos federal, estaduais e municipais.
Perenizam-se as sequelas dos desastres provocados pelos rompimentos das barragem de rejeitos no Sudeste, pelos incêndios e desmatamentos na Amazônia e pelo petróleo cru que invadiu dois mil quilômetros do litoral do Nordeste.
Mais de quarenta semanas depois da tragédia em Brumadinho (MG), prossegue a procura de vítimas. Já se contaram 252 mortos e ainda há 18 desaparecidos sob a lama.
Do Vale do Rio Doce até o litoral do Espírito Santo ainda se observam as graves consequências sociais, econômicas e ambientais da catástrofe de 2015 em Mariana.
Na Amazônia registrou-se um aumento de 92,7% em áreas desmatadas até setembro. Houve queima e desmate em território equivalente a 7,8 mil quilômetros quadrados de florestas, segundo os alertas emitidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nos nove primeiros meses.
Pairam, ainda, os efeitos do óleo que há oito semanas contamina mais de duas centenas e meia de praias nordestinas e agora avança em direção ao litoral do Sudeste.
Nesses episódios sobressaiu o voluntariado comunitário, que se organiza e age na emergência até que os governos se mobilizem no socorro às vítimas.
A resposta federal, por exemplo, foi mais rápida nas tragédias de Mariana e Brumadinho do que nos incêndios e no desmatamento na Amazônia. E demorou excessivamente no caso do petróleo que invadiu a costa do Nordeste.
Se faz necessária e urgente uma profunda revisão das políticas ambiental e de Defesa Civil. É incompreensível, por exemplo, a letargia do Ministério do Meio Ambiente diante da calamidade nordestina. Simplesmente não acionou de imediato o sistema de contingência para vazamento de óleo no mar, previsto no decreto nº 8.127, de 2013.
Torna-se louvável, portanto, a iniciativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de criar uma comissão parlamentar para analisar a política nacional de meio ambiente e o sistema de Defesa Civil. “Se não resolvermos isso, não adianta fazer reforma tributária, administrativa e previdenciária, porque há uma correlação crescente, e muito forte, entre o investimento e meio ambiente”, justificou.
Está na hora de mudança, também, em aspectos da política econômica como, por exemplo, na concessão de subsídios à produção de automóveis. O país incentiva a fabricação de carros e pouco investe em transporte de massa. É um contrassenso ambiental, com drásticas consequências econômicas.
O Globo
Corporações da elite dos servidores tentam inviabilizar o ajuste gaúcho
Ministério Público e Judiciário reagem à necessária contenção de despesas proposta pelo Executivo
Os 11,2 milhões de gaúchos continuam sustentando uma estrutura cara e ineficiente no Executivo, Legislativo e Judiciário estadual, cujo financiamento simplesmente se tornou inviável: para cada R$ 100 de salário pago a servidores da ativa, gastam-se outros R$ 250 com inativos.
Mesmo na recessão econômica, em 2017, as despesas gaúchas com pessoal cresceram (2% acima da inflação), e em velocidade maior do que os demais gastos públicos. O custo da previdência para o Tesouro local tem aumentado ao ritmo de 10% ao ano desde 2016.
Nesse quadro crítico, o governo estadual tomou a decisão correta de congelar todos os gastos, seja em custeio ou em investimentos, durante o próximo ano. A Assembleia Legislativa compreendeu e aprovou uma Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 estabelecendo crescimento zero nas despesas, em relação ao ano passado. Com isso abriu-se a possibilidade de reduzir um déficit estimado em R$ 7 bilhões para pouco mais de R$ 4 bilhões.
Houve forte reação das corporações, principalmente no Ministério Público e no Judiciário. Na semana passada, a corte estadual de Justiça declarou a LDO-2020 inconstitucional, sob o precário argumento de que “fere a autonomia administrativa e financeira das instituições”. O juiz-relator do caso ressaltou a necessidade de “reposição de vencimentos, prevista constitucionalmente”.
Reivindicações salariais são sempre legítimas, mas o Ministério Público e o Judiciário abstraíram a realidade da sociedade gaúcha. Nela destaca-se o desemprego. No final do primeiro semestre, apenas 57% da população estadual com idade para trabalhar estavam ocupados. É o menor nível já apurado pelo IBGE.
Para ajustar suas contas, o Rio Grande do Sul vai precisar realizar um esforço notável nos próximos cinco anos. Significa executar um ajuste fiscal pleno, ou seja, congelar de fato todas as despesas com pessoal ativo e inativo. E mesmo que consiga reduzir os gastos com funcionalismo em 20% ao ano, no período de 2020 a 2025, será necessário torcer para que a receita líquida corrente estadual cresça 201,5% acima do valor da folha do funcionalismo.
É surreal que corporações da elite da burocracia, como Ministério Público e Judiciário, donos das maiores remunerações do serviço público, tentem inviabilizar o ajuste fiscal, quando o Rio Grande do Sul já nem consegue pagar em dia os salários. A crise impõe cortes radicais nas despesas e nos privilégios para ajustar o tamanho do Estado ao bolso dos contribuintes.
O Estado de S. Paulo
O pacote social da Câmara
O fato de a Câmara propor um contraponto social aos programas fiscais é um indicador de que o Congresso tenta manter-se em harmonia com o Executivo.
A poucos dias de o governo apresentar ao Congresso um ambicioso pacote de reformas, propondo reajustes drásticos na administração pública e no regime fiscal, um grupo de deputados acionados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), apresentou às suas lideranças uma série de propostas para a área social, envolvendo setores como educação, trabalho, geração de renda e saneamento básico. Trata-se de uma resposta política do Parlamento ao baixo perfil do governo nesse âmbito.
“Eu acho que o nosso tempo está correndo. Temos aí uma desigualdade que aumentou, a pobreza que aumentou e estamos vendo crises pela América do Sul”, disse Maia ao Estado. “O Brasil, que é um país mais pacífico que outros, tem a oportunidade de reconstruir a sua base na relação da política com a sociedade em outro patamar.”
A reconstrução dessa base se mostra de fato necessária desde que suas fissuras ficaram evidentes nas manifestações de 2013, que expuseram a crise de representatividade e a desconfiança generalizada em relação às instituições políticas e seus protagonistas tradicionais. Foi em parte esse vácuo de confiança que permitiu a ascensão de Jair Bolsonaro, o qual, embora deputado há décadas, capitalizou votos com um discurso ferozmente anti-establishment em nome da “Nova Política”.
Um elemento decisivo nessa retórica é a crítica ao assistencialismo, como se toda a atenção dada às camadas mais sacrificadas da população tivessem essa característica pejorativa. É inegável que a gestão petista praticou abusos – para não falar dos crimes – ao instrumentalizar programas sociais para fins eleitoreiros. Muitos desses abusos acentuaram o descontrole fiscal do Estado brasileiro, contribuindo para o quadro recessivo do qual a duras penas o País tenta se recuperar.
Mas isso não pode servir de pretexto para o governo ignorar a necessidade de combinar medidas de ajuste fiscal com programas de apoio aos mais desfavorecidos. Afinal, nos últimos anos, a população brasileira não só ficou mais pobre, como mais desigual, e os mais prejudicados foram os jovens e os trabalhadores menos qualificados. Até agora, contudo, o único compromisso do governo com programas assistenciais foi a manutenção do Bolsa Família, mas mesmo isso tem funcionado no limite, e entre maio e setembro a cobertura caiu de 14,3 milhões de famílias para 13,5 milhões.
“Há um vácuo, uma ausência muito grande do governo nessa área e que a Casa deveria ocupar”, disse a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), coordenadora do grupo da Câmara responsável pela elaboração do pacote social. As propostas apresentadas estão divididas em cinco eixos: distribuição de renda, incorporação de beneficiários de programas sociais no mercado de trabalho, incentivo à formalização de empregos, expansão do atendimento de saneamento básico e melhora da gestão de políticas.
Assim como o projeto de reformas estruturantes do governo, trata-se de um plano ambicioso, e, como ele, precisará ser submetido a um processo rigoroso que avalie a sua viabilidade econômica e política. Em outras palavras, é preciso calcular as fontes de receita, consultar as instâncias representativas da sociedade civil, escalonar a agenda político-administrativa e articular as propostas com as bases parlamentares.
As lideranças na Câmara, e em especial o seu presidente, já mostraram que têm condições de aprovar reformas importantes e até, em certa medida, impopulares, como foi o caso da reforma da Previdência, na qual atuaram não só com mais eficiência que o governo, mas não raro contra as dificuldades criadas por ele.
Até o momento, do pacote social definiram-se apenas linhas de ação promissoras, mas incertas. O grupo precisará demonstrar que são concretizáveis e como o serão. Mas o fato de a Câmara propor um contraponto social aos programas fiscais do governo, deixando claro que tais medidas não se contrapõem à agenda de reformas administrativas e econômicas, é um indicador de que o Congresso tenta manter-se em harmonia com o Executivo.
O Estado de S. Paulo
Letras para todos
A proficiência em leitura, além de ser um indicador de fácil compreensão e mensuração, é a porta de entrada para todos os outros conhecimentos
Entre as dez metas estabelecidas para a educação que constam dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030, ratificados pelos 193 países-membros da ONU, a mais básica, juntamente à escolarização universal, é que todos tenham conhecimentos primários em leitura, escrita e matemática. Embora 260 milhões de crianças no mundo ainda não frequentem escolas, o acesso tem crescido com certa velocidade. A instrução, porém, ainda é terrivelmente falha. Segundo o Banco Mundial, 53% de todas as crianças em países de média e baixa renda sofrem de “pobreza de aprendizado” (learning poverty), um critério que implica a incapacidade de ler e compreender um texto simples aos dez anos de idade – ou seja, uma capacitação um pouco acima do analfabetismo absoluto, mas um pouco abaixo do analfabetismo funcional, que pressupõe deficiências graves de escrita e cálculo.
No ritmo atual, em 2030 a proporção de crianças pobres de aprendizado nos países em desenvolvimento cairá para 43%. O Banco Mundial propõe reduzir o número atual pela metade, isto é, 26%, meta ambiciosa, mas factível, se todos os países conseguirem melhorar o ensino na mesma medida que os países de melhor desempenho entre 2000 e 2015. Pelas simulações do Banco, isso triplicaria a taxa global de progresso.
O foco na leitura é consequente. Embora as habilidades básicas compreendam aptidão numérica, raciocínio fundamental e habilidades socioemocionais, entre outras, a proficiência em leitura, além de ser um indicador de fácil compreensão e mensuração, é a porta de entrada para todos os outros conhecimentos. Quem aprende a ler pode, por meio da leitura, aprender virtualmente qualquer outra coisa. A fim de auxiliar os países em desenvolvimento a melhorar o letramento de suas populações, o Banco propõe três pilares.
Em primeiro lugar, um pacote de políticas públicas que consiste em garantir quatro componentes: 1) o compromisso político e técnico com objetivos e medidas para a alfabetização; 2) ensino eficiente; 3) acesso a textos; e 4) a capacitação na língua que as crianças falam e entendem.
Em segundo lugar, uma abordagem educacional renovada, baseada em cinco tópicos. Primeiro, suporte às famílias e ao ensino na primeira infância, para que os alunos estejam motivados para a alfabetização. Segundo, um sistema meritocrático que invista em boas condições de trabalho e formação continuada para os professores. Terceiro, um currículo simples e eficaz, livros e tecnologia de suporte e uma pedagogia estruturada, a fim de que as classes estejam bem equipadas. Quarto, assegurar que as escolas sejam ambientes seguros e inclusivos. Por último, os sistemas educacionais devem ser geridos por uma burocracia profissional baseada no mérito e critérios de governança claros.
O terceiro pilar é o aparato de mensuração e pesquisa que o Banco oferecerá a cada país, com foco no diagnóstico e na implementação de soluções – em especial tecnológicas – que possam ser disponibilizadas a alunos e professores. A melhora nos índices de alfabetização dependerá, naturalmente, não só de medidas diretas no campo da educação, mas de ações multissetoriais (por exemplo, no saneamento, saúde, nutrição, proteção social ou serviço público).
Entre os casos de sucesso elencados pelo Banco, o Vietnã, que há uma geração estava longe até do acesso universal à educação primária, praticamente eliminou a pobreza de aprendizagem por meio de currículo nacional, universalização do acesso a manuais e combate à evasão de alunos e professores. O Quênia conquistou resultados expressivos com tecnologias simples. O município de Sobral, no Ceará, após reformar o plano de carreira dos professores e fornecer materiais adequados a todos, saltou, em uma década, da 1.366.ª posição no ranking do Ideb para a 1.ª. Casos assim mostram que nem todas as melhorias precisam vir por processos de sedimentação lentos e imperceptíveis. Cargas redobradas de boa vontade e choques de gestão podem produzir resultados quase instantâneos.
O Estado de S. Paulo
Estado e governo
A manifesta predileção de Jair Bolsonaro por um dos candidatos à Presidência do Uruguai foi um vexame
O governo do Uruguai convocou o embaixador brasileiro em Montevidéu, Antônio Simões, para dar explicações sobre as declarações do presidente Jair Bolsonaro a respeito da eleição no país vizinho. O candidato governista Daniel Martínez, da Frente Ampla, e Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, disputarão o segundo turno da eleição presidencial no dia 24 deste mês. O presidente brasileiro declarou apoio ao oposicionista Lacalle Pou.
A convocação de um embaixador pelo governo do país onde serve é uma prática relativamente comum na diplomacia. O que particulariza este caso envolvendo Uruguai e Brasil é o fato de se tratar da primeira resposta oficial de uma nação estrangeira a uma prática recorrente de Jair Bolsonaro, qual seja, a de se imiscuir em assuntos que não lhe dizem respeito.
A manifesta predileção por um dos candidatos à presidência do Uruguai foi mais do que um erro de Jair Bolsonaro como chefe de Estado. Foi um vexame. Luis Lacalle Pou, o candidato apoiado, simplesmente recusou o apoio, indicando que a chancela do presidente do Brasil é mais tóxica do que benéfica à sua campanha. “Não me parece uma coisa boa que diferentes políticos, ainda mais um governante, opinem sobre o que pode acontecer em outro país.
Por sorte, o Uruguai não decide o que os brasileiros pensam. O Uruguai decide sobre as coisas que aqui acontecem e sobre o que precisam os uruguaios”, disse o candidato da centro-direita ao jornal local El Observador. As palavras de Lacalle Pou soaram como uma admoestação sem a qual o presidente Jair Bolsonaro poderia muito bem ter passado. Com modéstia, o presidente brasileiro poderia refletir sobre sua manifestação pública e repensar seu modo de proceder na condução da política externa.
O presidente Jair Bolsonaro já declarou apoio à reeleição do presidente norte-americano Donald Trump no ano que vem. Está fresca na memória a imagem patética de um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), vestindo um boné da campanha de Trump. São comportamentos temerários, em desalinho com o melhor interesse do Estado brasileiro. Hoje não é possível sequer afirmar que o presidente dos Estados Unidos concluirá seu mandato, tendo em vista que a Câmara dos Representantes formalizou recentemente a abertura de um processo de impeachment contra ele. Que dirá ser reeleito.
O mesmo aconteceu no curso da eleição presidencial na Argentina, nosso maior parceiro regional. O presidente brasileiro apoiou a reeleição de Mauricio Macri. No domingo passado, Macri perdeu para o peronista Alberto Fernández. A relação entre Bolsonaro e Fernández já começou estremecida, repleta de provocações de parte a parte. A quem serve esse bullying tolo entre dois chefes de Estado? Não aos interesses dos dois países, que continuarão caminhando juntos a despeito dos humores de seus chefes de Estado e de governo.
Por fim, vale lembrar que o presidente brasileiro também apoiou enfaticamente a recondução do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o país se vê às voltas com um impasse político para formação do novo governo que pode levá-lo à terceira eleição em um ano.
Quais os riscos para o Brasil caso um candidato do Partido Democrata vença a eleição nos Estados Unidos em 2020? O que acontecerá caso – como já está mais do que claro – um candidato não alinhado a Jair Bolsonaro seja o novo premiê de Israel? Como será a relação entre Brasil e Argentina após a posse de Alberto Fernández?
Todas essas dúvidas seriam facilmente respondidas caso Jair Bolsonaro compreendesse que uma de suas mais importantes funções como presidente da República é atuar como o mais distinto representante dos interesses do Estado brasileiro, e não fazendo a advocacia administrativa de suas predileções pessoais.
São escassas as esperanças de que o presidente, enfim, possa mudar sua percepção em relação ao cargo. Resta-nos torcer para que o qualificado corpo diplomático do País atue na contenção de danos.
Folha de S. Paulo
Uma grata surpresa
Giro internacional de Bolsonaro teve polêmicas, mas balanço é positivo
Jair Bolsonaro (PSL) retornou ao Brasil na semana passada após o maior giro externo desde que assumiu. Como seria previsível, polêmicas institucionais sérias se alternaram com episódios anedóticos que explicitam o provincianismo algo calculado do brasileiro.
O que é uma pena, não só pelo valor negativo intrínseco a essas distrações, mas também porque a viagem a cinco países registrou um balanço de pragmatismo e correção diplomática inauditos até aqui na gestão bolsonarista.
Tome-se por exemplo a escala de Bolsonaro na China. Apenas essa construção, unindo o presidente direitista e a ditadura comunista por ele tanto espicaçada, já causaria estranhamento. Mas foi uma visita bastante profissional.
Não eram esperados anúncios grandiosos, até porque a tradição chinesa desse tipo de contato interpessoal é a do estabelecimento de confiança. Qual avaliação Xi Jinping fez de Bolsonaro é incógnita, mas foi surpreendente ver o ideológico brasileiro se comportando de acordo com o objetivo da visita.
Houve até um excesso, o anúncio da abolição da exigência de vistos para chineses, mas nada altamente reprovável. Por questionável que o regime seja, nenhum país do mundo hoje pode prescindir de laços com o gigante asiático, muito menos o Brasil —de quem Pequim é o maior parceiro comercial.
Já a etapa árabe da viagem teve o tom de um “roadshow”, evento de venda de projetos do país a investidores externos. O setor de defesa, por exemplo, abriu interlocução com grandes compradores de armas que podem vir a adquirir aviões da Embraer, blindados ou lançadores de foguetes.
A região tem dinheiro e conflitos demais para ser ignorada —a Arábia Saudita tem o terceiro maior orçamento militar do mundo.
Também foi no reino controlado por Mohammed bin Salman que houve o único escorregão, de resto esperado, da nova orientação da política externa brasileira.
Os sauditas são aliados dos norte-americanos adorados por Bolsonaro e disputam a primazia regional no Oriente Médio com o Irã, país que já teve relações próximas com o Brasil nos anos do PT no poder.
Ao chamar MbS, como o príncipe herdeiro acusado pelo esquartejamento de um jornalista é conhecido, de “irmão”, o presidente colocou o Brasil num dos lados de um conflito que não lhe diz respeito.
De positivo, o brasileiro obteve a promessa da criação de um fundo de investimento em infraestrutura de US$ 10 bilhões a partir dos profundos cofres petrolíferos sauditas.
É desse tipo de iniciativa, e não de hienas imaginárias ou ataques histéricos à imprensa, que deveria ser composto o cardápio de próximas viagens presidenciais.
Folha de S. Paulo
Pedágio da discórdia
Ao destruir sistema no Rio, Crivella mostra destempero e afasta investidores
Uma das vias mais importantes da cidade do Rio de Janeiro, a Linha Amarela tornou-se o centro de uma controversa disputa entre a prefeitura carioca e a empresa concessionária Lamsa, que há duas décadas opera o trecho.
Na semana passada, o embate ultrapassou as barreiras do bom senso e chegou às vias de fato, após o prefeito Marcelo Crivella (PRB) romper de forma unilateral e intempestiva o contrato com a companhia e determinar a destruição da praça de pedágio da via.
As desavenças entre as partes remontam ao fim de 2018, quando Crivella editou o primeiro de três decretos suspendendo a cobrança da taxa em um dos sentidos. Em todas as oportunidades, porém, a Justiça agiu em favor da empresa, derrubando as determinações.
O prefeito justificou a medida em vista de uma dívida de R$ 225 milhões que a Lamsa teria com o município por obras executadas com sobrepreço.
O prejuízo total, de acordo com o relatório de uma CPI encerrada na semana passada, seria de R$ 1,6 bilhão. Além do superfaturamento, o documento aponta como irregularidades a cobrança de uma tarifa acima do necessário para manter o equilíbrio do contrato e a subestimação do fluxo de veículos.
Com relação ao último ponto, a prefeitura afirma que desde o início da cobrança de pedágio passaram pela via cerca de 150 milhões de veículos a mais do que o projetado pela modelagem da concessão.
Há divergência, contudo, sobre o tamanho do déficit. O presidente do Tribunal de Contas do Município, Thiers Montebello, afirmou que uma análise do órgão apontou um desequilíbrio contratual da ordem de R$ 480 milhões.
Tenha ou não razão, e seja qual for o valor em disputa, a Prefeitura do Rio cometeu um erro de proporções quilométricas ao optar pela destruição do patrimônio.
Não à toa, a Justiça suspendeu liminarmente a decisão de Crivella e determinou que a municipalidade pagasse à Lamsa R$ 100 mil a cada dia que a empresa não pudesse atuar. A briga ainda não terminou, já que o alcaide carioca enviou à Câmara um projeto para retomar o controle do pedágio.
Os disparates do prefeito ainda promovem insegurança jurídica e prejudicam a imagem do Rio perante investidores. Se Crivella tem mesmo por objetivo ressarcir o erário, deveria ter buscado negociar a diminuição do valor do pedágio ou a redução do prazo da concessão.