Eduardo Rocha: 130 Anos de República Incompleta

Há 130 anos, na manhã de 15 de novembro de 1889, em Petrópolis, o Imperador D. Pedro II soube que um golpe militar efetuado de madrugada na cidade do Rio de Janeiro, capital do País, o afastara do poder, derrubara a Monarquia, instalara a República e o regime presidencialista – data e fato que até hoje boa parte da população desconhece seu significado e sentido históricos, a exemplo do que fora aquele dia para “o povo [que] assistiu a tudo bestializado”, como nos lembra o autor da trilogia histórico-brasileira “1808”, “1822” e “1889”, o escritor Laurentino Gomes citando Aristides Lobo, jornalista à época, que presenciou tudo.

Em 1889 o Brasil é a única monarquia na América e é um País que após 322 anos de colonização (1500-1822), 67 anos de Reinado (1822-1889) e institucionalmente recém-saído de 338 anos de escravidão (1550-1888), apresenta oceanos de barbárie; opressão; despotismo; fisiologismo, nepotismo; racismo; espoliação; ignorância; atraso econômico; latifúndio; concentração de riqueza; autoritarismo; centralismo estatal caro, ineficiente e corrupto; privilégios para uma minoria e castigos, indiferenças, desigualdade sócio-política e exclusão eleitoral da esmagadora maioria da população de 13 milhões, sendo 85,21% de iletrados.

De Cabral aos dias de hoje, as lutas, protestos, conspirações, perseguições, massacres, conflitos, movimentos, intervenções, revoltas, revoluções, guerrilhas, guerras e golpes vistos no Brasil expressam as contradições de alto a baixo e de cabo a rabo da formação e desenvolvimento da estrutura sócio-político-econômica; refletem as lutas de interesses, abertos ou encobertos, das classes e suas frações que, historicamente, lutam entre si pelo comando da terra, da força de trabalho, da produção, do comércio, da apropriação da riqueza social acumulada, da representação política, das benesses colonial-imperial-republicana, do comando do Estado e do poder que, por sua vez, resultam em divergências entre os partidos e, em não poucos casos, se manifestam de súbito e com violência na superfície política dos acontecimentos históricos.

De lá para cá, o Brasil avançou. São 31 anos de vigência de democracia política, liberdade, pluripartidarismo, sufrágio universal, alternância de poder e economicamente (apesar do seu financismo sugador-totalizante) alterna sua posição entre a oitava e a décima maior economia do planeta.

Mesmo reconhecendo importantes conquistas nesses 130 anos, as promessas da República anunciadas pelo Manifesto Republicano de 1870 e por Quintino Bocaiuva em 1889 não foram completamente satisfeitas.

O Brasil continua um país repleto de gritantes contradições; de cidadania à conta-gotas; de oligarquias dominantes apropriadoras insaciáveis da riqueza social; vergonhosamente desigual social, econômica e inter-regionalmente; com 11,3 milhões de analfabetos; patrimonialista; com um Estado máximo para uma minoria e mínimo para a maioria e, ao mesmo tempo, centralizador, caro, ineficiente, ineficaz e sistemicamente corrupto; concentrador de renda e propriedade; Desfederativo; ambientalmente depredador; discriminatório e deficitário civilizatoriamente para pobres, mulheres, índios, negros, mestiços e LGBT e violento.

No entanto, há um povo que constitui uma nação múltipla e unitária, complexa e dinâmica, que, aspirando à realização das promessas republicanas de 1889 e das conquistas institucional-civilizatórias da Carta de 1988, vive num riquíssimo solo-mar cuja base natural pode erguer-se uma estrutura social correspondentemente desenvolvida, rica e justa: 8.511.965 milhões de km2, com 7.408 km2 de litoral (o maior no Atlântico Sul); 47% da América do Sul; 21% da extensão de todas as Américas; quinta maior população do planeta, segunda do continente americano e de todo o hemisfério ocidental; dono da Amazônia Verde (maior floresta tropical do planeta), da “Amazônia Azul” (5,7 milhões de km2 de área oceânica ao longo da costa brasileira), dos maiores aquíferos do mundo (Tapajós e Guarani), de grandes reservas de petróleo, de minérios raros e valiosos, de um parque produtivo integrado, diversificado, globalizado e de um sistema financeiro e bancário dos mais modernos em todo o mundo.

Contudo, a realização concreta, objetiva, material, real e sensível dos ideais republicanos de 1889 e do pacto democrático-civilizatório da Carta de 1988 – com a efetiva universalização da plenitude da cidadania – não será obra de uma minoria nem será uma concessão espontânea e caridosa dos senhores dos privilégios – como mostra a história brasileira e mundial.

Essa realização só pode ser obra e conquista da maioria em permanente pressão, isto é, de milhões de cidadãs e cidadãos portadores e reprodutores de uma cultura política democrático-republicana a dirigir uma ação organizada, participativa, consistente e consciente na vida político-institucional-pública (sociedade política) e na gestão de todas as esferas da vida social (sociedade civil). Essa obra da maioria tende a operar progressivamente a transição de uma Res Privada (Coisa Privada) e cidadania restrita para poucos para uma Res Publica (Coisa Pública) e cidadania ampliada para milhões.

Em 2022, completará o Brasil 200 anos de Independência. Como estaremos até lá e além de lá? O Brasil realizará a grandeza dos ideais de 1889 e os direitos e deveres consagrados na Carta de 1988 ou eles continuarão a ser apenas um simples, brilhante e veloz raio atravessando o inalcançável horizonte da esperança?

Eduardo Rocha, economista

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