Educação é um poderoso instrumento de redução da desigualdade social e motor inquestionável de desenvolvimento social e econômico. Mobilidade social, potencial econômico, fortalecimento da cidadania, índices de criminalidade mais baixos e indicadores de saúde melhores são algumas das características que emergem de uma sociedade com níveis educacionais mais elevados. Na dimensão individual os ganhos são ainda mais diretos: independência (não só, mas também financeira), maior empregabilidade, engajamento cívico, renda mais elevada, além de outros tantos aspectos positivos e oportunidades que acompanham uma pessoa com maior nível educacional.
Mas o Brasil não tem dado essa chance à esmagadora maioria dos seus cidadãos que depende do ensino público básico para se educar. Conseguimos a universalização do ensino e houve melhoras que devem ser reconhecidas e aplaudidas como, por exemplo, as trajetórias do Ceará, de Pernambuco e do Espírito Santo. Mas a qualidade da nossa educação pública ainda é muito ruim, reforçando a condição de pobreza da maioria dos brasileiros que só têm no Estado a possibilidade de acesso à aprendizagem. Ao lhes negar uma educação pública de qualidade, o Estado também lhes reforça a ausência de oportunidades e reduz as suas chances de construção de uma vida melhor. Do ponto de vista agregado, ao não promover o aumento do seu capital humano, o País compromete sua capacidade de crescimento e de desenvolvimento social.
O Banco Mundial mostra que é justamente aí que estamos no índice de capital humano (ICH). O índice, apresentado no evento do Todos Pela Educação por Jaime Saavedra, diretor global de educação da instituição, mede o capital humano que podemos esperar que uma criança nascida hoje adquira até os 18 anos de idade, considerando-se os riscos relativos à saúde e educação precária em seu país. Na média, uma criança nascida no Brasil só atinge 58% do seu potencial de produtividade, sendo que o fator que mais drena esse potencial é a baixa aprendizagem (os outros são sobrevivência, saúde e acesso à educação). Embora ICH brasileiro esteja 2 pontos porcentuais acima da média global, ele está abaixo do esperado para nosso nível de renda e esconde uma realidade cruel.
Enquanto a produtividade pode atingir 76% do seu potencial em algumas regiões, há outras em que o ICH não passa de 41%, número comparável ao de países muito mais pobres que o Brasil. Além disso enquanto, na média, 48% das nossas crianças até 10 anos não sabem ler ou compreender um texto breve. Ou seja, somos pobres em aprendizagem.
A realidade é, portanto, que nossas crianças e jovens estão indo à escola mas não estão aprendendo. Números compilados pelo Todos Pela Educação corroboram isso e mostram a dimensão da nossa pobreza na aprendizagem: de cada 100 crianças que ingressam na escola no Brasil, 90 concluem os anos iniciais do ensino fundamental, 76 concluem os anos finais e apenas 64 concluem o ensino médio. Desses 64, menos de 1/3 tem aprendizagem adequada em português e míseros 9% têm aprendizagem adequada em matemática. Isso significa que se considerarmos os aproximadamente 2,5 milhões de bebês nascidos vivos em 2000, apenas 1,6 milhão concluíram o ensino médio em 2018 e, dentre esses, apenas 144 mil aprenderam matemática. E a maior parte desses jovens não está na rede pública de ensino, onde a evasão é maior e apenas 4% atinge aprendizagem adequada em matemática.
A solução para esse quadro é conhecida por todos que trabalham na área: precisamos de alunos com melhores condições de aprender e precisamos de capacidade de gestão – inclusive para implantar o que já sabemos que funciona (e descontinuar o que não funciona).
Mas o fator fundamental de sucesso continua sendo o professor. Somente professores capacitados, valorizados e motivados na busca de melhores resultados são capazes de formar alunos com nível adequado de aprendizagem. Mas na rede pública, que atende hoje mais de 60 milhões de crianças e jovens, isso só será possível a partir de uma reforma estrutural da carreira do magistério. As atuais leis que regem a carreira de professor, assim como em outras áreas do serviço público, distorceram os instrumentos de gestão de pessoas e têm impedido a atração, seleção, avaliação e o desenvolvimento de professores que podem elevar o nível de aprendizagem na rede pública de educação.
É hora de aproveitar que a reforma administrativa entrou na pauta e colocar esse ponto na agenda. Não podemos mais continuar condenando gerações de crianças e jovens ao subemprego, à dependência (também, mas não só financeira), ao desengajamento e à falta de renda, pois estamos mantendo a desigualdade social, enfraquecendo a cidadania, alimentando a criminalidade e comprometendo o nosso potencial econômico. E estamos, acima de tudo, reforçando a mais perene das pobrezas que é a da baixa aprendizagem. (O Estado de S. Paulo – 05/11/2019)
ANA CARLA ABRÃO, ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA