Supremo já tem maioria para compartilhamento de dados sigilosos do antigo Coaf, mas não da Receita

Cinco ministros votaram pelo repasse de informação de ambos órgãos sem restrições; Toffoli votou por impor ressalvas à Receita (Foto: Reprodução)

Supremo já tem maioria para compartilhamento de dados do antigo Coaf, mas não da Receita; entenda

André de Souza e Leandro Prazeres – O Globo

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal ( STF ) já votou pelo retorno do compartilhamento de dados do antigo Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira – UIF ) com o Ministério Público (MP) sem necessidade de autorização judicial prévia. Dos 11 ministros, seis se posicionaram a favor da medida. Os outros cinco magistrados devem votar sobre a questão na próxima quinta-feira, quando o julgamento será retomado.

A sessão desta quarta-feira foi a segunda em que a Corte julgou a legalidade do repasse de informações de órgãos de controle às autoridades. Os ministros devem definir quais são os limites para isso e se serão os mesmo para o antigo Coaf assim como para a Receita Federal . O primeiro ponto já tem maioria no Tribunal: a UIF pode partilhar suas informações sem restrições. Já o segundo, apenas o relator do processo que está sendo julgado e presidente do STF, Dias Toffoli, votou por impor ressalvas aos repasses da Receita ao MP.

De acordo com Toffoli, essa diferença se dá porque a Receita possui documentos sobre os quais há sigilo, como a declaração de imposto de renda e extratos bancários, e que não podem ser repassados na íntegra sem autorização judicial prévia. Isso, porém, não acontecem com as informação da UIF, segundo o relator, pois preservam o sigilo financeiro.

Os demais ministros que já votaram discordam do parecer do presidente do STF. São eles Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Eles entendem como constitucional que os órgãos de controle alertem às autoridades sobre movimentações suspeitas, mesmo sem aval judicial. Sobre o sigilo, Barroso disse, durante seu voto, que não há a quebra dele, mas uma transferência a outro órgão.

— Acho que há um ponto importante que é o seguinte: a receita compartilha os dados com o MP, mas não há quebra de sigilo. Há uma transferência de sigilo, e o MP tem o dever de preservar o sigilo. E constitui crime vazar informação protegida por sigilo fora daquelas exceções protegidas — disse Barroso.

Ainda faltam votar, pela ordem, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Ricardo Lewandowsky, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Votos a favor do compartilhamento sem restrição

Alexandre de Moraes

Segundo a votar no julgamento, Moraes discordou de Toffoli e disse que haveria impedimentos legais para que a Receita compartilhasse a íntegra de dados coletados por ela no âmbito de processos administrativos. Para ele, os documentos produzidos pela Receita Federal nesses processos devem ser considerados como prova lícita.

Quanto aos dados do antigo Coaf, o ministro disse que eles equivalem a peças de informação que chegam ao Ministério Público. A partir disso, o MP deve decidir o que fazer.

Edson Fachin

Acompanhou o voto de Moraes e se posicionou a favor do compartilhamento de informações ao MP sem restrições. Havia a expectativa de que Fachin pudesse querer restringir o julgamento apenas aos dados da Receita, tema original do processo em julgamento. Mas ele também se manifestou em relação às informações do antigo Coaf.

— A UIF nao detém acesso a extratos bancários ou algo que o valha. Figura, ao revés, como destinatária de informações específicas, que por sua atipicidade devem ser fornecidas pelos setores obrigados (bancos, gestores de fundo, etc). Isso retira, a meu ver, a possibilidade de que se verifique a produção de alegadas devassas sob encomenda, na medida em que as comunicações devem ser adotadas pelos setores obrigados independentemente de provocação. Tal proceder não significa que a UIF jamais possua qualquer possibilidade de participação ativa na coleta de dados. Poderá fazê-lo em caráter residual para obter esclarecimentos acerca de eventual inconsistência das informações já prestadas por algum daqueles que integram os setores obrigados — afirmou Fachin.

Segundo o ministro, caberá ao MP manter o sigilo das informações recebidas tanto da Receita como do antigo Coaf.

Luís Roberto Barroso

Um dos principais pontos de Barroso é o de que o compartilhamento de dados entre órgãos de controle com o MP não representaria, necessariamente, a quebra de sigilo bancário ou financeiro dos investigados.

Antes de iniciar seu parecer, o ministro fez uma espécie de desabafo contra reações aos esforços de combate à corrupção no país.

— Há um processo e uma tentativa de tentar reescrever a história que produz as alianças mais esdrúxulas… e nessa versão que se tenta construir tudo não teria passado de uma conspiração de policiais federais, procuradores da república e juízes dotados de um punitivismo insano contra gente que conduzia o país com lisura – disse Barroso.

Rosa Weber

A ministra afirmou que não vê inconstitucionalidade no compartilhamento das informações. Rosa ainda afirmou que é dever do agente público responsável pela fiscalização tributária alertar sobre condutas potencialmente criminosas

— Não visualizo inconstitucionalidade na previsão de envio pelas autoridades fazendárias de notícia de eventual prática de crime para fins de apuração penal na forma da representação fiscal para fins penais — disse Rosa, que completou: — Na minha compreensão, é próprio de um Estado de direito a exigência de que a descoberta de condutas potencialmente criminosas por parte de agentes públicos, fazendários ou não, reverbere no âmbito da administração com acionamento de seus órgãos de investigação para apuração de possíveis delitos. Trata-se, na minha visão, de dever que recai sobre o agente público responsável pela fiscalização tributária por observância aos princípios que regem a administração pública.

Luiz Fux

Fux foi outro ministro que contrariou a tese de que o compartilhamento de informações de órgãos de controle poderia, dependendo do caso, constituir em quebra de sigilo bancário.

— Ainda que se possa extrair da Constituição direito ao sigilo, os direitos fundamentais não são absolutos a ponto de tutelar atos ilícitos. O Coaf só vai mandar dados que revelam operações suspeitas — afirmou o ministro.

Voto de Toffoli por restrições apenas à Receita

O presidente do STF deu um voto longo, no início do julgamento, que confundiu os próprios ministros do Tribunal. Foi preciso que Toffoli esclarecesse os principais pontos do seu parecer na sessão do dia seguinte. Para ele, os relatórios do antigo Coaf poderão ser compartilhados sem decisão judicial porque, mesmo contendo algumas informações específicas sobre movimentações consideradas suspeitas, preservam o sigilo financeiro. Nesse ponto, ele recuou em relação à liminar que concedeu em julho, que partia da premissa de que esses dados, se “detalhados”, equivaleriam à quebra do sigilo bancário e, por isso, só poderiam ser compartilhados por meio de autorização judicial.

Por outro lado, o voto de Toffoli estabelece que as autoridades competentes, como o Ministério Público, podem pedir relatórios de inteligência financeira (RIFs) à UIF apenas de cidadãos contra os quais já haja uma investigação criminal ou um alerta emitido por unidade de inteligência.

No caso dos dados compartilhados pela Receita, Toffoli votou na quarta para impor uma restrição adicional ao trabalho do MP na condução dos procedimentos de investigação criminal (PICs). Segundo ele, ao receber uma representação fiscal para fins penais da Receita, o MP deve abrir um procedimento investigativo penal (PIC) e necessariamente comunicar isso à Justiça, para que haja supervisão judicial. Hoje, é comum o Ministério Público conduzir PICs sem autorização judicial. Na quinta, Toffoli repetiu esse ponto, mas esclareceu que ele não se aplica à UIF, apenas à Receita.

No caso da Receita, Toffoli também entende que os dados podem ser compartilhados apenas no caso de crimes contra a ordem tributária, contra a previdência social, descaminho, contrabando e lavagem de dinheiro. Além disso, não pode repassar sem autorização judicial a íntegra de documentos sobre os quais há sigilo, como a declaração de imposto de renda e extratos bancários.

Impacto do julgamento no caso de Flávio Bolsonaro

O processo dizia respeito inicialmente apenas a dados da Receita. Mas em julho deste ano, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro , Toffoli mandou paralisar as investigações baseadas não apenas em dados da Receita, mas também do antigo Coaf. Flávio é suspeito de ter participação na prática conhecida como ” rachadinha “, quando servidores de um gabinete devolvem parte dos seus salários ao parlamentar. Flávio nega participação na prática.

Na quinta-feira passada, sem antecipar posição, o ministro Edson Fachin destacou que, se a maioria dos ministros do STF restringir o julgamento à Receita, a consequência será a continuidade das investigações baseadas em dados do antigo Coaf. Esse é justamente o caso de Flávio Bolsonaro. Por outro lado, mesmo que isso ocorra, é preciso resolver outro ponto para que o processo de Flávio seja retomado. Com base na decisão tomada por Toffoli em julho, o ministro Gilmar Mendes deu outra, em setembro, também paralisando as investigações. Caindo a determinação de Toffoli, é preciso também que Gilmar revogue a sua.

— Isso (eventual restrição do julgamento aos dados da Receita) tem como implicação prática de imediato ou a reconsideração ou a revogação da tutela provisória deferida pelo senhor presidente e o prosseguimento de todas as investigações e os processos penais respectivos. Sobre isso irei me manifestar — disse Fachin na última quinta-feira.

No mesmo dia, em resposta aos questionamentos da ministra Rosa Weber, Toffoli justificou a inclusão do antigo Coaf no processo que originalmente dizia respeito apenas à Receita:

— A tese é o compartilhamento de informações entre as instituições. Na medida em que, assim como os bancos podem compartilhar com a Receita, se a Receita pode compartilhar os dados recebidos dos bancos com o Ministério Público. Ela também recebe e há outros expedientes que vão ao Ministério Público com dados fornecidos pela UIF, antigo Coaf.

Ainda não há previsão para a conclusão do julgamento, que deverá ser retomado nesta quinta-feira, mas, considerando a maioria formada sobre a legalidade do compartilhamento de dados entre a UIF e o MP, o seu resultado deverá ter impacto sobre o caso envolvendo o senador Flávio Bolsonaro.

A principal tese da sua defesa é a de que seu sigilo bancário foi quebrado sem autorização da Justiça depois que o antigo Coaf repassou dados detalhados sobre sua movimentação financeira ao MP.

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