MANCHETES
O Globo
Empresas reduzem dívidas com melhora da percepção do país
‘JN’: Suspeito foi a condomínio buscar outro acusado e alegou que ia à casa de Bolsonaro
Fechado acordo com príncipe saudita
Ação de Crivella ameaça investimentos no Rio
Com redução de roubo de carro, seguro cai 17%
Ibama aponta várias falhas no combate ao óleo
Ensino à distância já domina formação de professores
Governo quer áreas estrangeiras em rotas internas no Brasil
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro pede desculpas ao Supremo por vídeo de hienas
Presidente é mencionado e caso Marielle pode ir ao STF
Tumor que afeta Covas avança entre os jovens
Óleo faz governo vetar a pesca de lagosta e camarão
Comissão aprova reforma dos militares
Reino Unido antecipa eleições para dezembro
Folha de S. Paulo
Bolsonaro, citado no caso Marielle, ataca Globo e Witzel
STJ aceita pedido de Lula e suspende julgamento do sítio
Óleo em praias faz 2 meses, e Defesa não sabe se está no fim
Contrbando de intérpretes
Austeridade, mas com bilhões
Covas passa por 1º químio e envia vídeo a secretários
Governo orienta cidades a buscar crianças em casa por vacina de sarampo
Premiê do Líbano sairá do cargo em meio a onda de manifestações
Parlamento britânico aprova eleições para encaminhar brexit
Valor Econômico
Empresas fazem captação recorde, mas não investem
Há 76 partidos em criação, um Corinthiano
Citado em investigação, Bolsonaro reage
Peugeot tenta fusão com a Fiat Chrysler
Empresários temem atritos com Argentina
EDITORIAIS
O Globo
A essencial modernização do funcionalismo
Regulação dos servidores tem de elevar a eficiência do atendimento à população, que paga a conta
Há a previsão de que a reforma administrativa atrairá maiores resistências do que a previdenciária, recém-aprovada. Pode ser, mas não resta dúvida de que a administrativa, por modernizar regras que regem o funcionalismo público, mexe com um santuário de interesses corporativos cristalizados há décadas e em constante ação lobista para assegurar privilégios e conquistar novas benesses. Não será fácil a tarefa, mas tanto quanto as mudanças na Previdência, estas são imprescindíveis, para dar eficiência à máquina burocrática, e não apenas devido a razões fiscais.
Este mundo longe da realidade da grande maioria dos brasileiros congrega na área federal 705 mil funcionários no serviço ativo. Distribuem-se em 43 conjuntos de carreiras, que somam 117 ofícios, com mais de 2 mil cargos. Até pelo gigantismo é uma estrutura irracional e de difícil administração.
Este ambiente é propício ao surgimento de fortes grupos de pressão sobre Executivo, Legislativo e Judiciário em busca de benefícios próprios. A blindagem que têm é a estabilidade no emprego.
Entre as propostas a serem apresentadas está o corte no excessivo número de carreiras. Este cipoal é um monumento à irracionalidade: há cargos sem carreiras, carreiras sem plano de progressão e cargos soltos na máquina. A falta de regras também facilita o lobby.
A estabilidade serve de pilar para sustentar uma parede de proteção do funcionalismo contra uma efetiva avaliação de competência — que existe apenas formalmente. Por decorrência, é desestimulada a cobrança por eficiência no atendimento a quem paga o salário do funcionalismo, a população.
O ideal é que a proteção ao emprego exista apenas para as carreiras de Estado: diplomatas, magistrados, procuradores, policiais etc. Aqueles ofícios que também existem na iniciativa privada deveriam ser exercidos por servidores contratados pela CLT, como a maioria dos mortais.
O presidente Bolsonaro, em viagem ao exterior, defendeu que a estabilidade acabe para os novos servidores, como ocorre na reforma da Previdência. Seja como for, a entrada no paraíso dos estáveis não será, a depender da reforma, um mero ato burocrático.
A intenção do governo é estender, de três para dez anos, o chamado estágio probatório, para que o servidor conquiste a estabilidade, com avaliações efetivas.
Os planos de carreira terão salários iniciais mais baixos, realistas, e a progressão será mais lenta. Foi levantado pela equipe econômica, segundo O GLOBO, que 33% do funcionalismo chegam ao topo da carreira em 20 anos, em média. Inúmeros com promoções automáticas, outra liberalidade que acabará se a reforma for aprovada. Por isso, a folha de pessoal aumenta vegetativamente. Representa o segundo custo mais elevado da União, abaixo apenas dos benefícios previdenciários. Precisa mesmo passar por um ajuste.
O Globo
Número recorde de novas armas é munição para mais violência
Contando renovações de registros, total chegou a um milhão, tendo crescido após flexibilização
Triste recorde. Entre janeiro e agosto, 36 mil novas armas foram registradas pela Polícia Federal, sendo 52% nos últimos três meses do período, depois que uma série de decretos do presidente Jair Bolsonaro flexibilizou o acesso à posse e ao porte, ignorando o Estatuto do Desarmamento, que, mesmo desfigurado, permanece em vigor.
Como mostrou reportagem do GLOBO, em setembro o total de registros ativos expedidos pela PF, que incluem armas novas e renovações, bateu a marca de 1.013.139, o que representa aumento de 49% em relação aos 678.309 de dezembro do ano passado. Mantido o ritmo atual, 2019 pode se tornar o ano com maior número de novas armas em circulação no país desde 1997, quando teve início a série histórica.
Em algumas unidades da Federação, como o Rio de Janeiro, que vive às voltas com quadrilhas de traficantes e milicianos, a corrida às armas foi frenética. O número passou de 90, em janeiro, para 273, em agosto, subindo 203%.
Ao comentar ontem esses números, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, afirmou que arma é questão de livre arbítrio das pessoas, desde que elas se enquadrem no que prevê a legislação: “Nós temos 220 milhões de habitantes, um milhão de armas está pouco. Tem que ter mais”.
Porém, não se pode medir o número de armas pela população. Não no Brasil. Segundo o Atlas da Violência, um aumento de 1% na quantidade de armas de fogo corresponde a um incremento de 2% nas taxas de homicídio.
Evidentemente, existem países em que a relação entre o número de armas em circulação e a população é proporcionalmente maior do que no Brasil, com letalidade muito menor. Como Suíça, França e Canadá. Mas seria sensato comparar a realidade dessas nações com a nossa rotina de tiroteios?
Estudos mostram o tamanho da tragédia causada pelo arsenal existente, esteja ele nas mãos de cidadãos de bem ou de bandidos. De acordo com o Atlas da Violência, em 2017 foram registrados 65.602 homicídios intencionais no Brasil, o que equivale a uma taxa de 31,6 mortes por cem mil habitantes. Pesquisas apontam que 70% desses crimes foram cometidos com armas de fogo. Esse percentual já foi menor, mas foi subindo ao longo do tempo, à medida que o número de armas se ampliou.
Inútil pensar que se reduzirá a violência com mais armas. A responsabilidade pela segurança pública é do Estado, não pode ser terceirizada para o cidadão comum. Se arma protegesse alguém, tantos policiais não morreriam no Rio. São profissionais treinados para a guerra urbana, e na maior parte dos casos não estão em confronto.
Não há dúvidas de que essa irresponsável flexibilização do acesso às armas terá graves consequências para toda a sociedade. É só uma questão de tempo.
O Estado de S. Paulo
Uma proposta ousada
No papel, trata-se de uma revolução, mas é preciso otimismo para acreditar que este governo implementará ‘novo regime de responsabilidade fiscal’
O Estado informa que o governo pretende entregar ainda nesta semana ao Congresso um ambicioso pacote de reformas para tentar sanear as contas públicas de forma sustentável. Desse conjunto de medidas constam uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial para frear o crescimento dos gastos obrigatórios do Orçamento; uma PEC para desengessar o Orçamento, abrindo espaço para investimentos públicos; uma reforma administrativa destinada a acabar com a estabilidade de novos servidores públicos e reduzir o número de carreiras e o salário inicial dos funcionários; um pacto federativo, que proceda a uma nova divisão de recursos de Estados e municípios; e um projeto de ajuda a Estados à beira do colapso fiscal – governadores poderão decretar “estado de emergência fiscal” e, assim, congelar reajustes salariais e reduzir jornada e salários.
No papel, trata-se de uma revolução. Ninguém há de negar a urgência de todas essas medidas, ainda que se possa discutir detalhes aqui e ali. Há muito tempo o engessamento do Orçamento em razão de vinculações e obrigações constitucionais tem impedido o investimento público em áreas cruciais como saneamento e infraestrutura. Tampouco se pode ignorar que é preciso uma ampla mudança no serviço público, para acabar com privilégios e racionalizar a administração. Não menos importante é rever a distribuição de recursos entre a União e os entes subnacionais, grande parte dos quais se encontra sem condições de prestar adequadamente os serviços atribuídos pela Constituição.
Ao propor todas essas medidas de uma só vez, contudo, o governo sinaliza preocupante descolamento da realidade. É difícil imaginar que o Congresso incluirá em sua pauta e aprovará esse imenso conjunto de reformas sem uma ampla e desgastante negociação, que provavelmente não cabe no escopo de um único mandato. Do modo como está sendo feito, o encaminhamento do pacote sugere que, para o Palácio do Planalto, não há alternativa ao Congresso senão chancelar aquilo que o governo decidir que é melhor para o País, sem necessidade de diálogo. Foi assim na tramitação da reforma da Previdência, que foi aprovada por vontade das lideranças do Congresso, praticamente sem participação dos governistas – que, ao contrário, em muitos momentos mais atrapalharam do que ajudaram.
A realidade, portanto, é bem menos panglossiana do que o governo parece acreditar. Recorde-se que, enquanto a reforma da Previdência arrastava-se no Congresso, em larga medida graças à inabilidade política do governo, outras reformas igualmente urgentes ficaram em compasso de espera. Até agora, por exemplo, não se sabe qual é a reforma tributária que o governo pretende aprovar. Além disso, o Palácio do Planalto atrasou o envio de uma prometida reforma administrativa, o que deve adiar sua apreciação pelo Congresso para o ano que vem. “Tem de passar pela Comissão de Constituição e Justiça e comissão especial. Vai votar no início do ano que vem. Ué, o que eu posso fazer? Se o governo tivesse encaminhado em julho, eu votaria neste ano”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Assim, há uma distância colossal entre o que o governo diz desejar para o País e aquilo que o governo faz para implementar essa agenda. Além da lentidão na proposição de reformas e de outras medidas econômicas, observa-se um persistente desinteresse do presidente Jair Bolsonaro em organizar uma base parlamentar sólida para facilitar a aprovação dos projetos de interesse do País. Ao contrário, o presidente Bolsonaro tem colaborado diretamente para implodir o próprio partido, o PSL. Sua única preocupação parece ser a de manter uma base eleitoral mínima que lhe permita ser um candidato competitivo à reeleição, e para esse fim não se importa em desidratar reformas, para não abespinhar eleitores, e atirar antigos aliados ao mar.
Num quadro desses, é preciso muito otimismo para acreditar que este governo seja capaz de implementar um “novo regime de responsabilidade fiscal”, como definiu o ministro da Economia, Paulo Guedes. Melhor seria respeitar a realidade e encaminhar medidas factíveis, muitas delas sem necessidade de mudanças constitucionais, para destravar o desenvolvimento do País. No cenário atual, isso já seria revolucionário.
O Estado de S. Paulo
Cobertura universal de saúde
Se as tendências atuais se mantiverem, em 2030, na melhor das hipóteses, a cobertura se expandirá para 63% da população mundial, mas, na pior, pode retroceder para 39%
O acesso aos serviços essenciais de saúde tem progredido em todas as regiões do globo, em especial nos países de baixa renda. Contudo, o ritmo dessa progressão vem se desacelerando e a desproporção entre países ricos e pobres continua excessiva. É o que mostra o levantamento A Caminho da Cobertura Universal de Saúde, preparado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por ocasião da cúpula sobre cobertura de saúde realizada durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030 ratificados pelos Estados-membros das Nações Unidas é que todas as pessoas recebam a qualidade dos serviços de saúde de que necessitam sem cair em dificuldades financeiras. O progresso geral desde 2000 foi motivado sobretudo por intervenções voltadas para doenças infecciosas e, em menor medida, para serviços de saúde reprodutiva, materna e infantil. Atualmente, quase metade da população mundial esta coberta pelos serviços de saúde essenciais. Mas, desde 2010, esse processo se desacelerou. Se as tendências atuais se mantiverem, em 2030, na melhor das hipóteses, a cobertura se expandirá para 63% da população mundial, mas, na pior, pode retroceder para 39%.
De acordo com os indicadores da OMS de Cobertura Universal de Saúde, o Brasil tem um índice razoável: 79 pontos em 100. Para ter uma ideia, apenas 25 países estão na faixa dos 80 a 89 pontos – nenhum acima. Os índices nacionais mais baixos estão relacionados à cobertura de doenças infecciosas (70) e não comunicáveis (71), ao passo que no quesito “Capacidade e acesso” – unidades hospitalares, profissionais de saúde e regulamentação – o País está próximo da meta, com 99 pontos.
Outro dado importante é que, se desde o início do século houve expansão da cobertura dos serviços básicos, também aumentou a proporção de pessoas que têm dificuldades financeiras com gastos próprios. À medida que um país enriquece, aumenta a exposição das pessoas a despesas deste tipo. Segundo a OMS, o desafio em termos de políticas públicas é garantir que recursos adicionais em saúde sejam canalizados mais para mecanismos compulsórios de pré-pagamento do que para despesas próprias. Quanto maior a confiança nos gastos públicos – através de fundos de seguridade social e outros institutos governamentais –, menor é a incidência de gastos definidos como “catastróficos” – ou seja, que comprometem acima de 10% da renda familiar. No Brasil, por exemplo, estima-se que esse tipo de gasto afete um quarto da população – e 3,5% chegam a consumir 25% da renda familiar com saúde.
A OMS aponta ainda que os gestores precisam levar em conta as diferenças de gênero ao planejar os sistemas de saúde. Mulheres têm necessidades especiais em relação à reprodução e à maternidade, e são tipicamente as primeiras responsáveis pelos cuidados com as crianças, o que afeta suas necessidades de prestação de saúde.
Em tal panorama, a Organização entende que o progresso rumo à cobertura universal de saúde pode ser acelerado de maneira efetiva e equitativa por meio de uma trajetória que foque nos cuidados primários, enfatize a prevenção de doenças, limite as despesas do orçamento familiar com medicamentos e promova acesso aos serviços essenciais. “Serviços secundários e terciários são partes importantes de qualquer sistema de saúde, mas nenhum país pode arcar com um modelo baseado na saúde curativa.” A OMS estima que a meta para 2030 pode ser atingida com um investimento adicional relativamente modesto de US$ 370 bilhões por ano – sendo US$ 200 bilhões para a atenção primária. Pelos seus cálculos, isso salvaria de 60 milhões a 100 milhões de vidas. Para tanto, cada país precisaria aumentar ou realocar um adicional de no mínimo 1% do PIB em gastos com atenção primária, algo que, segundo a Organização, está ao alcance de todos. Talvez nem todos concordem, mas, com tantas vidas em jogo, vale a aposta.
O Estado de S. Paulo
50 anos de rede digital
Maioria dos especialistas acredita que a digitalização deve transformar a existência humana para melhor
Meio século após a primeira conexão de computador a computador, ou seja, do nascimento da rede digital, que se acaba de comemorar, a maioria dos especialistas acredita que nos próximos 50 anos a digitalização deve transformar a existência humana para melhor. É o que constata pesquisa elaborada pelo Pew Research Center, após ouvir 530 pioneiros da tecnologia e líderes políticos e empresariais do mundo inteiro. Eles alertam, no entanto, que um futuro próspero depende de reformas que viabilizem melhor cooperação, segurança, direitos fundamentais e equidade econômica.
Cerca de 72% disseram que as mudanças seriam para melhor; 25%, para pior; e 3% não acreditam em mudanças significativas. Quase todos advertiram para riscos de abusos na vigilância e uso de dados por empresas e governos, segurança porosa para sistemas conectados digitalmente e um crescimento da desigualdade econômica.
Para os especialistas, a vida digital continuará a ser o que as pessoas fazem dela. A responsabilidade sobre o futuro, para o bem ou para o mal, permanece em mãos humanas. Em 50 anos, a rede será tão ubíqua quanto o oxigênio. Por isso, a era de uma internet sem regulação deve ser superada por marcos que protejam o bem público.
Entre as perspectivas mais esperançosas está a longevidade humana, proporcionada por avanços tecnológicos que seguirão borrando as linhas que separam o ser humano da máquina. Em parte, esse bem-estar virá pela automação, que liberará os humanos de trabalhos mecânicos, repetitivos e insalubres, deixando-lhes mais tempo para o ócio. Além disso, a vida digital será cada vez mais customizada para cada indivíduo e suas necessidades.
Um mundo plenamente conectado, com as distâncias do espaço e das línguas virtualmente eliminadas, ampliará as oportunidades de cooperação e desenvolvimento comunitário, inclusive, se necessário, provocando rupturas em estruturas de poder econômicas e políticas, em prol da maior independência dos indivíduos e da redução da desigualdade entre eles.
Mas sobre tudo isso pesa um portentoso “se”. Se a sociedade global for capaz de tomar decisões responsáveis na regulamentação da rede, a comunicação digital naturalmente a fortalecerá enquanto comunidade. Mas, do contrário, as possibilidades de conflito e dissensão são perturbadoras.
A má distribuição dos benefícios advindos da expansão digital na educação, saúde e economia pode aumentar o fosso entre a minoria dos que têm muito e a maioria dos que têm pouco ou nada. Uma elite cada vez mais equipada e distanciada pode utilizar a internet para vigiar e manipular massas distraídas e complacentes – e atomizadas, porque há também o risco, por mais paradoxal que pareça, de uma maior conectividade provocar um maior isolamento dos indivíduos, incapazes de estabelecer e sustentar relacionamentos humanos diretos, com suas sinuosidades e asperezas, sem mediações ou anteparos. Tanto mais que, no cenário mais tenebroso esboçado na pesquisa, “a privacidade pessoal será um conceito arcaico e ultrapassado, já que os humanos trocam de bom grado a discrição por melhores cuidados médicos, oportunidades de entretenimento e promessas de segurança”. No limite, políticas públicas podem limitar, mas não impedir a vulnerabilidade da vida íntima e privada. Trata-se de um desafio muito mais moral do que político que se impõe a cada indivíduo.
Um último alerta geral é que todas essas previsões sobre o mundo virtual são inúteis sem medidas drásticas para reduzir a degradação ambiental, ou seja, a destruição do mundo real.
Em resumo, as tendências são, em geral, positivas, mas as possibilidades estão abertas. A transformação, contudo, não virá nem dos otimistas – para quem tudo está bom e vai melhorar – nem dos pessimistas – para quem tudo está mal e vai piorar –, porque nem os primeiros nem os últimos têm disposição para mudar um futuro, a seu ver, imutável, e sim das pessoas e instituições responsáveis, que sabem que o melhor ou o pior depende da sua parcela de esforço.
Folha de S. Paulo
Política na selva
Como rei leão, Bolsonaro talvez vislumbre poder incompatível com a Carta de 88
A alusão a animais na propaganda política é recurso antigo dos demagogos. A imagem de ratos roendo a bandeira nacional, utilizada pelo PT em 2002, vem sendo retomada há décadas como uma maneira de desumanizar os adversários.
A publicação do presidente Jair Bolsonaro (PSL), numa rede social, de alegoria baseada no cerco de um grupo de hienas a um leão tem, no entanto, as suas peculiaridades.
Alegoria constitui, aliás, palavra sutil demais para qualificar o vídeo, que deixa muito claro, por meio de trucagens toscas, quem são as tais hienas: o Supremo Tribunal Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil, veículos da imprensa (incluída esta Folha), o PT e até o PSL, que o mandatário luta para controlar com a mão pesada do Executivo.
Tampouco resta dúvida sobre a identidade do felino rodeado pelos bichos carniceiros: presidente Bolsonaro, estampa a legenda.
No reino da Arábia Saudita, que o chefe de Estado brasileiro visitava quando o vídeo foi divulgado, o regime especializou-se não só em rugir para seus críticos. Ele os mata e trucida, como foi feito com o jornalista Jamal Khashoggi em pleno consulado saudita de Istambul (Turquia), em outubro de 2018.
Com a fantasia de rei leão, Bolsonaro talvez vislumbre a latitude dos monarcas absolutos. O traje combina com os elogios velados e explícitos que veio fazendo a aspectos tenebrosos da ditadura militar (1964-1985), seja ao longo de sua extensa carreira de deputado periférico, seja mais recentemente, como candidato e presidente.
Não combina, entretanto, com as instituições da República brasileira sob a guarda da Carta de 1988.
Onde a fábula bolsonarista vê hienas, há na verdade organizações civis e estatais incumbidas de evitar o abuso no exercício do poder de Estado. Onde vê o leão, há o chefe eleito do Executivo, submetido não a seus desejos de supremacia, mas ao império universal das leis, como qualquer outro cidadão.
O choque com essa realidade levou Jair Bolsonaro a retirar o vídeo do ar e a pedir desculpas pela postagem. É um modus operandi que, de tanto repetir-se, afasta qualquer ilusão de que o presidente esteja de fato arrependido ou que tenha se convencido das vantagens do Estado democrático de Direito —se é que foi capaz de compreendê-lo.
A mensagem do leão ameaçado vem juntar-se a outra, do início de setembro, quando Bolsonaro disse que, se levantasse “a sua borduna”, todos viriam atrás dele. São rabiscos de conclamação a forças extraconstitucionais que felizmente não vicejam no Brasil de hoje.
O primeiro presidente deste ciclo democrático a apostar no “Não me deixem só” acabou isolado e defenestrado. Que Bolsonaro consiga absorver ao menos essa lição.
Folha de S. Paulo
Em busca do equilíbrio
Após Previdência, governo prepara medidas para conter gastos com funcionalismo
Nos próximos dias, o país deve conhecer um conjunto de medidas que pode provocar grande mudança no estatuto do funcionalismo federal. Ou pelo menos essa é a pretensão do governo e do Congresso.
Trata-se de dois conjuntos de iniciativas. Um deles estará embutido no projeto ou projetos, ainda não se sabe, que redefinirão as metas fiscais. Isto é, os limites para o gasto e o endividamento federais. Essas novas restrições terão implicações para a despesa com os servidores.
O governo não pode fazer dívida extra em valor superior a seus investimentos, a chamada “regra de ouro”.
Na prática, nos últimos anos, vem recebendo autorização para fazê-lo ou se vale de artimanhas para cumprir a regra, que será modificada no novo pacote fiscal.
Em outra frente, o gasto do governo não pode crescer além da inflação anual, regra conhecida como “teto”. Caso a despesa ultrapasse tal limite, há previsão legal para o corte de gastos com servidores, entre outros. Mas há incerteza sobre a aplicação dessa norma.
Em suma, o governo prepara um projeto que crie um gatilho de providências que impeçam o estouro em geral das metas fiscais, uma espécie de “teto dentro do teto”.
Ou seja, atingido certo nível de despesa corrente (em relação à receita), jornada e salários de servidores poderiam ser reduzidos, entre outras medidas de contenção orçamentária, ainda pouco claras.
Além dessas regras de emergência, o governo promete enviar ao Parlamento um plano de reestruturação de carreiras e salários do funcionalismo, medida que deve valer para os novos servidores.
São providências inevitáveis. O governo gasta cerca de 10% além de suas receitas (excluídas despesas com juros). Mesmo assim, os recursos destinados a investimentos devem ser os menores da história de que se tem registro.
Além da Previdência, a despesa com servidores é a maior do Orçamento. Os salários do funcionalismo em geral superam aqueles de trabalhadores com as mesmas qualificações no mercado. De resto, faltam medidas de eficiência do trabalho no Estado e estatísticas que tenham efeito prático.
A reforma administrativa e as novas regras fiscais completariam o pacote que, ao menos para os próximos anos, deve conter o crescimento da despesa e o endividamento ora sem limite do governo federal. São condições para a manutenção de juros baixos e da retomada pela próxima década.