MANCHETES
O Globo
PSL reage, veta Eduardo e impõe derrota a Bolsonaro
‘Game of thrones’ tem guerra de áudios e infiltrado
Guedes enviará ao Congresso nova agenda econômica
Carlos apaga tuite que escreveu na conta do pai e se desculpa
No melhor setembro desde 2013, país gerou 157 mil vagas
Estado vai bancar obra na Sapucaí
Assalto em Viracopos têm três mortos
Tofolli: ‘Julgamento não se refere a situação particular’
FH: ‘Ainda não temos uma cultura realmente democrática’
Seminário discute risco pra o país da expansão das ‘deepfakes’
MPF pede absolvição de Lula e Dilma no ‘quadrilhão do PT’
Parlamento é desafio para novo Brexit
O Estado de S. Paulo
Veto a Eduardo e áudios com ameaças abrem guerra no PSL
Governo faz pacote para cortar R$ 30 bi em despesas
Quadrilha invade aeroporto para roubar carro-forte; 3 são mortos na fuga
Vazamento de óleo começou a 600 km da costa
‘Huck quer ser celebridade ou líder?`
Emprego tem melhor setembro desde 2013
Justiça manda Abdelmassih
Espanha quer militar da FAB preso por 8 anos
Premiê faz pacto pelo Brexit com UE e busca apoio
Folha de S. Paulo
Bolsonaro é derrotado por PSL, e crise afeta articulação
Assalto em Viracopos deixa 3 mortos e 5 feridos
Toffoli defende julgamento sobre segunda instância
Em livro, FHC diz ter sido ‘goleiro’ de críticas contra Lula
Indicação de Eduardo a embaixador nos EUA é suspensa pelo Planalto
Óleo atinge pontos turísticos na Bahia e em Alagoas
País gera 157,2 mil vagas com carteira em setembro
Laudo aponta que menina Raíssa, 9, foi violentada
EUA pedem e Turquia concorda com 5 dias de cessar-fogo na Síria
Zuckerberg defende liberdade de expressão e mentira política
Boris fecha acordo para brexit, mas sofre resistência
Valor Econômico
Crise se agrava e PSL tenta afastar filhos de Bolsonaro
Justiça ainda pune quem faz terceirização
FHC é contra a revisão da pena de Lula
FMI vê economia precária e risco global
Alta renda puxa lançamentos imobiliários
Nestlé promete US$ 20 bi em 3 anos a acionista
EDITORIAIS
O Globo
Desigualdade no Brasil tem causas múltiplas
Pesquisa do IBGE indica que renda ficou mais concentrada, problema que requer uma abordagem ampla
A nova Pesquisa por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), do IBGE, referente a 2018, reflete o quadro indigente da má distribuição de renda no Brasil. Abrangente, por considerar todas as fontes de rendimento, a sondagem confirma a posição nada honrosa do Brasil como um dos 15 países mais desiguais.
Em um ano, de 2017 a 2018, o rendimento médio dos mais ricos subiu de R$ 25.593 para R$ 27.744, um crescimento de 8,4% — nada mau em um período de virtual estagnação econômica e de desemprego alto. É um mundo paralelo o dessa faixa da população.
Já no universo da renda mais baixa, os 5% mais pobres, a remuneração encolheu de R$ 158 para R$ 153, ou 3,2%. Quando a conjuntura econômica é auspiciosa, todos ganham, porém, o chamado topo da pirâmide costuma ganhar mais.
Só mesmo a conjugação de vários mecanismos perversos para gerar tanta iniquidade, considerando que, desde o início da redemocratização, em 1985, a palavra-chave dos governos é “social”. Inúmeros programas e planos foram lançados para resolver ou equacionar a questão “social” brasileira. Em vão, como demonstram as pesquisas.
Nos ciclos tucano e lulopetista, aplicaram-se políticas de valorização do salário mínimo. Sem desconsiderar efeitos perversos no lado fiscal da economia decorrentes do reajuste do salário básico acima da inflação, alguns sinais de melhoria no aspecto distributivo foram observados. Déficits fiscais crescentes, porém, voltam-se contra os pobres, pois são eles que em maior proporção perdem fontes de rendimento nas crises provocadas pela falta de controle das contas públicas. É o que aconteceu a partir de 2014.
Não é desprezível, nas iniquidades, a contribuição do ensino público básico, principalmente o médio, de baixa qualidade. O Brasil já começa a perder seu bônus demográfico — população mais jovem maior que a mais idosa — , sem conseguir qualificar as novas gerações para ajudar no crescimento da produtividade na economia. O país corre o risco de ficar velho e não chegar a ser rico, ficar estacionado na renda média.
Só mesmo um conjunto de fatores pode explicar como se chega a uma situação como a detectada ano após ano por pesquisas do IBGE.
Está comprovada a relação entre nível de instrução e salário. Se ela é precária para a maioria da população, já fica estabelecido desde que a criança entra na escola um desnível entre faixas sociais que tende a permanecer o resto da vida.
O tratamento privilegiado que o funcionalismo público tem na aposentadoria em comparação com o assalariado da iniciativa privada é outro mecanismo de concentração de renda.
Portanto, a Pnadc precisa ajudar a difundir a ideia de que má distribuição de renda não será combatida por simples atos pontuais de vontade de governantes, mas quando houver um programa de políticas múltiplas para isso.
O Globo
Desaceleração mundial é motivo para evitar atrasos nas reformas
Na contramão do mundo, Brasil sinaliza alguma recuperação, mas precisa apressar os ajustes
Em leve recuperação, a economia brasileira vai em sentido contrário ao mundo. As estimativas do Panorama Econômico Mundial, do Fundo Monetário (FMI), divulgadas há pouco, indicam uma tendência de perda de ritmo no PIB global: 3% de crescimento para este ano, tendo sido 3,2% nos cálculos de abril e 3,6% no ano passado. Perde velocidade.
Tão ruim quanto os números são as expectativas num mundo em conflito, com idas e vindas numa perigosa guerra comercial entre os países donos das duas maiores economias, Estados Unidos e China, deflagrada quando Trump chegou à Casa Branca.
Não é um fenômeno apenas americano. O nacional-populismo de direita também avançou na Europa, já estava na Rússia de Putin e acabou de chegar ao Palácio do Planalto. Na Grã-Bretanha, Boris Johnson acena estar na etapa final de um acordo com a União Europeia, para desconectar o país do bloco, um projeto isolacionista.
Inevitável que o PIB mundial desacelere, puxado para baixo pelas forças do protecionismo, as mesmas que ajudaram a naufragar o mundo na Grande Depressão de 1929/30, quando todos os países fecharam os portos na vã tentativa de se proteger da crise. Ao contrário, agravaram-na.
Na divulgação do Panorama, do FMI, a economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath, alertou que a desaceleração sincronizada de muitas economias torna uma recuperação incerta e as perspectivas, precárias. Gopinath pregou, com propriedade: “o sistema de comércio global precisa ser fortalecido, não abandonado. Os países precisam trabalhar juntos, porque o multilateralismo continua a ser a única solução para lidar com grandes desafios”.
Enquanto isso, o Brasil ensaia alguma recuperação. Mas ainda muito aquém do ponto a que a economia chegou em 2014, a partir do qual entrou em desaceleração rumo à profunda recessão de 2015/2016.
As expectativas dos analistas do mercado financeiro (Relatório Focus) continuam de um crescimento este ano pouco abaixo de 1%, e apontam para algo na faixa dos 2% em 2020. Mas sem viés explícito de alta.
Seja como for, os horizontes tendem a melhorar com a aprovação final, na semana que vem, da reforma da Previdência. Se ela não atinge a meta de uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos, ficando em R$ 800 bilhões, trata-se da mais profunda alteração já realizada no desequilibrado sistema previdenciário. Abre-se, assim, um espaço para a continuidade do programa de ajuste de que o país precisa.
Diante da desaceleração mundial, não há saída a não ser fazer os reparos necessários para a economia ser menos vulnerável aos choques externos.
O Estado de S. Paulo
Clima, prioridade do FMI
Fundo alerta que o aquecimento é ameaça presente, as ações e compromissos foram insuficientes e, quanto mais se esperar, maiores serão os danos e perdas de vida
Furacões, secas, degelo e outros males ligados à mudança climática são assuntos para bancos centrais e Ministérios de Finanças? Nada mais natural que uma resposta positiva, a julgar pelas posições defendidas no Fundo Monetário Internacional (FMI), nesta semana, por dirigentes da instituição e participantes de pelo menos 16 debates sobre temas ambientais. Dois grandes alertas marcaram as apresentações de técnicos e diretores da instituição, nos últimos dias. O primeiro, de maior impacto imediato para os formuladores de política, veio no estilo tradicional: a economia global está em desaceleração, riscos financeiros se acumulam e é preciso agir para evitar um desastre. O segundo indicou uma visão renovada, e mais ampla, da política econômica: “Ministros de Finanças devem ter papel central na promoção e na implementação de políticas fiscais para deter a mudança climática”, disse o diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Vítor Gaspar.
Estará o Fundo, execrado tantas vezes como um dos símbolos mais hediondos do capitalismo, contaminado pela esquerda? Terá sido enfim subjugado pela influência da China, uma das fontes do “climatismo”, como já asseguraram o presidente Donald Trump e seu devoto Jair Bolsonaro? Se esse for o caso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá acertado ao desistir, em cima da hora, de participar da assembleia anual do FMI e do Banco Mundial. As alegadas prioridades internas podem ter sido apenas uma desculpa diplomática.
Para centenas de milhões de outras pessoas, a ampliação da pauta do FMI, de fato iniciada há anos, pode ser estimulante, sem prejuízo da melhor tradição. Quem se deleita com números, contas públicas, crise, crescimento e emprego evita perder as entrevistas de Vítor Gaspar. Ele dirige há anos o Departamento de Assuntos Fiscais do FMI e uma de suas tarefas é supervisionar o Monitor Fiscal, um relatório semestral sobre o estado das contas públicas, as políticas de receitas e despesas e seus efeitos sobre a economia. A informação é de alta qualidade e as questões centrais são normalmente tratadas com vigor.
Neste ano, sua apresentação incluiu dois apelos. Para animar a atividade e prevenir um novo tombo é hora de usar estímulos fiscais, porque os incentivos monetários, até com juros negativos, chegaram ao limite. A outra convocação veio fora do formato tradicional. O aquecimento global é uma ameaça clara e presente, as ações e compromissos foram até agora insuficientes e, quanto mais se esperar, maiores serão os danos e perdas de vida. Para conter o aquecimento em 2% ou menos, dentro dos limites considerados seguros pela ciência, será preciso fazer mais para limitar as emissões de carbono.
A solução mais evidente, segundo o estudo apresentado por Vítor Gaspar, é uma tributação eficaz, calculada para encarecer as emissões e facilitar a transição para uma nova economia, com padrões ambientais mais saudáveis e sustentáveis. Nos principais países emissores a taxação poderia crescer rapidamente e atingir US$ 75 por tonelada de carbono em 2030. Seriam afetados, entre outros, o preço da gasolina e as tarifas de eletricidade. Isso dependeria das características de cada país. Tributar, no entanto, seria só uma parte das ações.
Os governos poderiam, por exemplo, compensar o aumento desses custos com a diminuição de outros impostos. Poderiam criar compensações para as famílias mais pobres. Deveriam, de modo geral, investir parte do dinheiro arrecadado em programas de transição para a nova economia. Os planos deveriam incluir assistência aos trabalhadores mais afetados pela mudança energética.
Ameaça clara e presente foi a primeira noção usada para a abordagem do tema no Monitor Fiscal. Com outro vocabulário, o tema foi usado pela nova diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva, para mostrar a importância econômica da questão climática: “No FMI sempre olhamos para riscos e essa categoria de risco tem de ser absolutamente central para nosso trabalho. (…) A transição de uma economia de alto para uma de baixo carbono não é tarefa trivial e temos a responsabilidade de cuidar da compreensão desses riscos, de classificá-los e – mais importante – de apresentar políticas para geri-los”. No FMI, o calendário indica o século 21. E no Palácio do Planalto?
O Estado de S. Paulo
Uma fusão improvável
O Ministério da Economia quer desvincular o pagamento das bolsas do CNPq do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e transferir os recursos para o BNDES
O governo do presidente Jair Bolsonaro voltou a deixar a comunidade científica e os meios acadêmicos perplexos. Desta vez, o motivo foi o anúncio de que o Ministério da Economia está estudando, como estratégia para reduzir custos, a fusão da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os dois órgãos foram criados em 1951 com funções distintas, mas complementares. Além disso, o Ministério da Economia quer desvincular o pagamento das bolsas do CNPq do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e transferir os recursos para o BNDES. Atualmente esses recursos são geridos pela Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep).
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), desde sua origem a Capes tem a atribuição de aprimorar a formação dos professores universitários, estimulando a expansão da pós-graduação e avaliando a qualidade dos cursos oferecidos. Além de conceder bolsas para doutorado no País e no exterior e de financiar seminários e simpósios acadêmicos, ela ajuda na qualificação do ensino básico e baliza a expansão do ensino a distância no País. Periodicamente, a Capes divulga um ranking de qualidade das universidades brasileiras.
Já o CNPq tem por atribuição estimular o desenvolvimento científico e tecnológico, financiando não apenas as universidades, mas, igualmente, institutos de pesquisa. Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a agência também patrocina eventos, concede bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado e financia projetos complexos e sofisticados.
Um deles é o projeto Sirius, que exigiu a construção de um laboratório de luz síncrotron de 4.ª geração, que tem um equipamento do tamanho de um estádio de futebol e é o mais caro e sofisticado da ciência brasileira. Quando estiver concluído, em 2020, os pesquisadores poderão analisar diferentes materiais em escalas de átomos e moléculas, o que pode revolucionar a pesquisa brasileira e mundial em áreas essenciais, como saúde, agricultura e exploração de gás e de petróleo. Atualmente, existe somente um laboratório de 4.ª geração de luz síncrotron em todo o mundo, instalado na Suécia. Com toda a obra civil já concluída e aguardando testes no principal acelerador de partículas, o laboratório do projeto Sirius está instalado em Campinas, é a maior estrutura científica do País e prevê, a partir do momento em que estiver funcionando, pelo menos 13 linhas de pesquisas.
Como a proposta do Ministério da Economia foi feita com base em critérios exclusivamente financeiros, e por técnicos que não conhecem os campos de atuação da Capes e do CNPq, as entidades da área estão criticando duramente o ministro Paulo Guedes. “A fusão traria confusão para um sistema que trabalha de forma harmônica desde a década de 1950”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Castro Moreira. Em nota, 13 instituições acadêmicas e de pesquisa – como a Academia Brasileira de Ciências, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior e a própria SBPC – afirmaram que a proposta do Ministério da Economia é “equivocada em todos os sentidos”. Entre outros motivos, porque não apenas desfigura um sistema consolidado que funciona bem, como desestrutura os mecanismos de financiamento do setor. O MCTIC se opôs à fusão da Capes com o CNPq, alegando que ela é “prejudicial ao País”. Mas o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a defende, sugerindo que Bolsonaro a implemente o mais rapidamente possível, por meio de Medida Provisória.
Que a crise fiscal do País é grave, isso não é novidade. Contudo, nada justifica que, para enfrentá-la, o governo aja com base em critérios exclusivamente econômicos, desorganizando áreas essenciais do Estado brasileiro.
O Estado de S. Paulo
Sentença luminar
A absolvição de Michel Temer não é uma absolvição qualquer. Sentença expõe o tortuoso método de membros do MPF
O juiz federal Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, decidiu absolver sumariamente o ex-presidente Michel Temer da acusação de obstrução de justiça. O magistrado também determinou o imediato arquivamento do processo relativo ao encontro do então presidente da República com o empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, no Palácio do Jaburu. A denúncia contra Temer foi apresentada em 2017 pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Em abril deste ano, a acusação foi ratificada pela força-tarefa da Operação Greenfield. Foi neste processo que o magistrado exarou sua decisão.
Não se trata de uma absolvição qualquer. A sentença do juiz Reis Bastos é uma peça jurídica luminar por expor com raro didatismo o tortuoso método de trabalho de alguns membros do Ministério Público Federal (MPF) sob a chefia do sr. Rodrigo Janot. Ao final da leitura da decisão, tem-se a impressão de que o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos é um dano colateral aceitável para setores do MPF em nome do sucesso de uma cruzada anticorrupção e de uma suposta “missão” de depurar o País, livrando-o dos “maus políticos”, assim entendidos de acordo com os critérios bastante subjetivos do Parquet.
Os termos da sentença são duros, à altura da tentativa de manipulação, não só do Poder Judiciário, mas da opinião pública, engendrada pelos patrocinadores da denúncia. No entendimento do juiz Reis Bastos, “a prova sobre a qual se fia a acusação é frágil e não suporta sequer o peso da justa causa para inauguração da instrução criminal”. Ou seja, a julgar pelas “provas” trazidas aos autos pelo MPF, o processo nem sequer deveria ter sido instaurado.
O ex-presidente Michel Temer foi acusado de ter estimulado Joesley Batista a pagar pelo silêncio do doleiro Lúcio Funaro, então “operador” do MDB às voltas com uma negociação para assinar um acordo de colaboração premiada com o MPF. Para a Procuradoria-Geral da República, foi no contexto dessa conversa que o então presidente da República teria dito “tem que manter isso, viu?”, referindo-se à manutenção da propina supostamente paga a Lúcio Funaro pela J&F.
Para o magistrado, o MPF adulterou o teor da conversa de modo a incriminar os envolvidos por meio da alteração de seu sentido original. De acordo com o juiz, “o diálogo quase monossilábico entre ambos (Michel Temer e Joesley Batista) evidencia, quando muito, uma bravata do presidente da República, muito distante da conduta dolosa de impedir ou embaraçar concretamente investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.
A ação insidiosa do MPF no processo é descrita com uma clareza solar pelo juiz Reis Bastos, que em outro segmento de sua sentença afirma que “a denúncia transcreve trechos do áudio sem considerar interrupções e ruídos, consignando termos diversos na conversa, dando interpretação própria à fala dos interlocutores”. O que o juiz diz, sem meias palavras, é que o MPF, talvez no afã de levar a cabo um processo descabido em nome daquela “missão” de salvação nacional, editou e descontextualizou o diálogo havido entre os acusados, ignorando as conclusões do laudo pericial que apontou uma série de falas ininteligíveis.
O vazamento da conversa entre o ex-presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, convém lembrar, ocorreu em maio de 2017, momento em que o Congresso Nacional avançava na tramitação da reforma da Previdência. A grave crise política deflagrada pelo vazamento interrompeu o processo legislativo e adiou por dois anos a aprovação de uma das mais prementes medidas para o País retomar o controle das contas públicas e voltar ao trilho do crescimento econômico. Sabe-se que a aprovação da reforma do sistema previdenciário desagrada às grandes corporações de servidores públicos, sendo as do MPF e do Poder Judiciário as mais fortes.
No futuro não muito distante, sentenças como a do juiz Reis Bastos hão de lançar ainda mais luz sobre um período nebuloso da história do MPF.
Folha de S. Paulo
Brexit no labirinto
Acordo para a saída do Reino Unido da UE vai a votação de desfecho imprevisível
Desde o plebiscito em que decidiram deixar a União Europeia, mais de três anos atrás, os britânicos tiveram três primeiros-ministros e viram sua economia perder vigor.
O eleitorado continua praticamente dividido ao meio, como em 2016. Tanto o futuro imediato quanto os próximos anos continuam incertos, mesmo se finalmente aprovado o acordo do brexit.
Os parlamentares votam neste sábado (19) se aceitam o acordo firmado entre o premiê Boris Johnson e a UE. Em caso de vitória do governo, o Reino Unido romperia de modo algo ordenado com seus parceiros e aliados, em processo que ainda inclui anos de novas negociações comerciais e financeiras, entre outros debates complexos.
Nas múltiplas hipóteses de derrota, nem ao menos se sabe se os britânicos deixariam o bloco europeu sem entendimento, no prazo fixado de 31 de outubro próximo.
Pode ser que o Parlamento rejeite o acordo e ratifique a decisão de postergar outra vez a data de saída da UE, opção contestada por Johnson e que pode provocar outra crise. Existe a alternativa de aprovação do acordo submetida a um referendo popular. Mais difícil, por ora, parece a hipótese de simples aceitação dos termos negociados.
O novo acerto pouco difere do proposto pela ex-primeira-ministra Teresa May e várias vezes rejeitado pelos parlamentares, que na prática acabaria fazendo com que o Reino Unido permanecesse de certo modo, por um bom tempo, integrado ao bloco por meio da fronteira irlandesa.
O novo arranjo fecha um tanto dessa passagem, o que ainda assim não serve para apaziguar irlandeses do norte e conservadores radicalmente adeptos do brexit. Johnson depende de dissidentes conservadores e irlandeses para vencer por vantagem exígua.
A votação ainda imprevisível pode, portanto, levar a uma crise institucional, ou mesmo constitucional; pode suscitar nova votação popular; no limite, pode acabar tanto em desmoralização terminal quanto em uma vitória do premiê, importante e inesperada.
Poucos acreditavam, afinal, que a UE aceitasse renegociar mesmo alterações mínimas do acordo de saída fechado com May.
Em caso de rompimento caótico, o Reino Unido será para o bloco um país estrangeiro já em novembro. Tanto europeus quanto a maioria dos britânicos querem evitar o tumulto econômico.
Ainda que a sensatez prevaleça, serão sentidos por anos os efeitos da promessa demagógica dos conservadores, em 2013, de promover um plebiscito sobre o rompimento. Os britânicos ainda terão de repensar sua identidade econômica, comercial e política em um cenário pós-brexit conflagrado.
Folha de S. Paulo
Regalia aérea
Judiciário dá nova demonstração de corporativismo e desprezo pela austeridade
A maneira desavergonhada com que autoridades usam de seus poderes com o intuito de promover sinecuras e benefícios injustificáveis é traço renitente do corporativismo e da falta de perspectiva republicana na vida pública brasileira.
Casos de desprezo pela austeridade se multiplicam de modo acintoso, em constantes abusos contra a sociedade, que afinal sustenta a duras penas tais descalabros.
Exemplo pequeno, mas revelador desse escárnio patrimonialista foi dado pelo presidente do Conselho da Justiça Federal, João Otávio de Noronha, que alterou portaria para propiciar a outros 17 membros do colegiado o conforto de viajar em classe executiva nos voos internacionais, prerrogativa que era apenas do presidente do órgão.
Neste mês, Noronha voou à Alemanha com um cortejo de ministros do Superior Tribunal de Justiça e presidentes de Tribunais Regionais Federais, ligados ao CJF. Foram participar de um encontro —o Seminário Alemanha-Brasil— na Universidade de Friburgo.
Em atitude que se choca com as regras elementares da atividade pública em regimes democráticos, a comitiva do Judiciário não divulgou informações básicas sobre a incursão, como os valores gastos e o número de autoridades que ganharam bilhete executivo.
Tal arrogância é ainda mais chocante num país que padece de grave concentração de renda, desigualdade social e inchaço da máquina governamental. Demonstra como o Estado contribui para reproduzir assimetrias que precisam ser corrigidas o quanto antes.
A sociedade brasileira tem dado demonstrações —em alguns casos até extremadas— de sua insatisfação com o padrão perdulário de gastos do setor público.
Não obstante, continua-se a presenciar manifestações patéticas, como aquela recente, de um procurador do Ministério Público de Minas Gerais, que qualificou de “miserê” a média salarial mensal de R$ 24 mil daquela instituição.
O queixoso, verificou-se depois, percebia vencimentos de R$ 35,5 mil, fora vantagens adicionais.
Dados recém-divulgados mostram que o rendimento médio mensal do trabalho do 1% mais rico da população equivale a 33,8 vezes o ganho dos 50% mais pobres. No topo, a média em 2018 foi de R$ 27,7 mil; na base, de R$ 820.
É um quadro dramático, mas ao que parece não chega a sensibilizar quem cruza o Atlântico em classe executiva às expensas do erário.