Não há países amigos, mas interesses comuns, a frase atribuída a John Foster Dulles, Secretário de Estado dos EUA, resume bem a situação atual, em que os Estados Unidos frustraram as expectativas brasileiras de entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mais um dos muitos objetivos de política externa brasileira emperrados pelos compromissos internacionais que não nos contemplam.
A propalada amizade entre Trump e a família Bolsonaro, base para a defesa de uma política externa atrelada aos Estados Unidos, começa a ser desmistificada pelos próprios americanos, que ontem aceitaram Argentina e Romênia no chamado “clube dos ricos”, sem abrir brecha para o Brasil, o que fora anunciado como a grande vitória alcançada na visita do presidente Bolsonaro aos Estados Unidos.
O Brasil tem tido frustradas suas ambições internacionais historicamente pelos Estados Unidos. Na Conferência Internacional de Haia, de 1899, e assim também na Segunda, de 1907, onde as potências européias organizavam os países por influência no processo decisório, fomos obrigados a sair do jogo devido às propostas endossadas pelos EUA, consideradas “humilhantes” quando se discutiu a composição do Tribunal de Presas e a do Tribunal Arbitral.
O mesmo aconteceu em 1945, como consequência da Segunda Guerra Mundial, na criação da Organização das Nações Unidas (ONU), quando o Brasil quase fez parte do seu Conselho de Segurança, meta que tentamos alcançar até hoje.
Criou-se o Conselho de Segurança da ONU a cargo dos “Quatro Policiais”: Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética e China, aos quais depois se somou a França. O Brasil, que participara da Guerra através da FEB, tinha o apoio de Roosevelt, mas a Conferência de Yalta aconteceu quando a conjuntura já havia em parte mudado, inclusive, no com a morte dele, substituído por Truman.
A importância estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo, com as bases aéreas no Nordeste, ou na contenção da Argentina “antiamericana”, havia sido reduzida pelos acontecimentos internacionais.
Muito se falou sobre as proximidades entre a vitória de Barack Obama nos Estados Unidos, em 2008, e a de Lula em 2002, e o próprio ex-presidente brasileiro via semelhanças na trajetória de vida dos dois. Eleger um operário no Brasil teve quase o mesmo significado para nós que eleger o primeiro presidente negro nos Estados Unidos.
Além de ter chamado Lula de “o cara”, nada mais aconteceu na relação pessoal entre os dois. O governo Lula na ocasião preferia um futuro presidente republicano, porque seria “menos protecionista” e menos “próximo dos tucanos”.
Se a relação dos tucanos com o Partido Democrata foi fortalecida pela amizade entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Bill Clinton, uma relação, se não de amizade, também especial, nasceu entre Lula e Bush, que teve uma convivência mais amistosa com ele do que com Fernando Henrique, que já declarou que sentia “asco físico” por Bush.
Provavelmente Bush pressentia em Fernando Henrique uma rejeição intelectual que não aconteceu com Lula, cujo temperamento cordial é mais parecido com o dele.
Além da frustração dessa meta, em que pese a reiteração retórica dos Estados Unidos de que apoiarão a entrada do Brasil na OCDE, há vários efeitos colaterais que enfraquecem o governo Bolsonaro.
A Argentina provavelmente será governada novamente pelo grupo dos Kirchner, a quem Bolsonaro já endereçou diversas críticas. A aceitação pelo Senado de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington, que já estava difícil, ficou mais agora, pois seu grande trunfo era dizer-se próximo da família Trump.
Por fim, no governo de Lula, em 2009, o país foi convidado a fazer parte da OCDE e não aceitou, pois perderia o status de país em desenvolvimento que lhe dá vantagens competitivas no comércio internacional. (O Globo – 11/10/2019)