Eliane Cantanhêde: Lula livre?

Lula livre ou Lula preso? Esse é o debate da semana, capaz de envelhecer prematuramente a confissão chocante de Rodrigo Janot e deixar em segundo plano a retomada da reforma da Previdência, a derrubada de mais um lote de vetos do presidente Jair Bolsonaro e o fica não fica do senador Fernando Bezerra na liderança do governo.

A história é razoavelmente simples: a legislação diz que presos com bom comportamento podem evoluir para o regime semiaberto depois do cumprimento de 1/6 da pena, como é o caso de Lula pelo triplex do Guarujá. Logo, já pode ser beneficiado pela progressão de pena e não será ilegal se a Justiça conceder a troca de Curitiba para São Bernardo.

Porém, nada com Lula é simples, tudo é complexo e questionável. Quinze procuradores pediram que o ex-presidente saia da prisão, entre eles Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato e apontado por petistas como líder da força-tarefa anti-Lula. E o que fazem Lula e seus advogados? Passam dias discutindo o que é mais conveniente politicamente para o preso, até Lula escrever uma carta “ao povo brasileiro”, à mão, num tom entre vitimista e heroico e desdenhando: “Não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”.

Por que os procuradores pediram a liberdade de Lula? E por que Lula deu de ombros e respondeu que não? Nem Dallagnol e seus colegas querem ser bonzinhos com Lula, nem Lula, ou qualquer outro preso, prefere ficar trancafiado a ganhar a liberdade. Principalmente com nova namorada. Aliás, que “barganha”? Ninguém barganhou nada. Cumpriu o tempo, sai.

O que está por trás, nos dois comportamentos de certa forma estranhos, é um cálculo que também é jurídico, mas principalmente político: os dois lados apostam suas fichas no Supremo. A liberdade em função de uma tecnicidade jurídica é diferente de uma vitória no plenário da alta Corte.

É ali, com os 11 ministros em tom grave e paramentados com suas capas pretas, que será o grande embate das forças pró-Lava Jato e anti-Lava Jato. E Lula, sempre ele, estará no centro dos debates, divergências e resultados.

Amanhã, o plenário já esquenta as baterias, concluindo o julgamento curioso, muito curioso, que devolve para a fase das alegações finais os processos em que os condenados reclamam que, como delatados, tinham o direito a falar após os delatores, em nome do “amplo direito de defesa”.

Para não virar uma festa, os ministros pretendem definir uma tal de “modulação”, mas não é nada fácil. Até ontem, a maior probabilidade era que só tivessem direito a rever suas condenações, logo, sentenças, aqueles cujos advogados já tivessem entrado previamente com pedidos nesse sentido. E não se descarta que a proposta da ministra Cármen Lúcia entre no bolo: a revisão só valeria para os que tiveram real “prejuízo” por não serem os últimos a falar. Como e quem vai avaliar o prejuízo? Em quanto tempo? Ninguém tem a menor ideia.

Depois, vem por aí uma enxurrada de julgamentos que parecem feitos sob medida para Lula. O primeiro deverá ser o pedido de suspeição do então juiz Sérgio Moro, pedido agora bastante reforçado com as revelações das conversas entre procuradores e entre eles e o juiz.

Só então, sentindo o terreno, viria o grande lance: derrubar a prisão após condenação em segunda instância. No caso de Lula, não mais pelo triplex, mas pelo sítio, que deverá ser, logo, nova condenação dele.

No mundo político, a questão é saber se Lula se anima e se tem força para liderar a resistência a Bolsonaro nas ruas. Quem lembra a reversão de expectativas na prisão de Lula aposta que, apesar de seus 30% nas pesquisas, ele não move mais as massas. Sai da cadeia, vai para casa e fica tudo como está. A ver. (O Estado de S. Paulo – 01/10/2019)

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