O documento divulgado pelo núcleo do Cidadania cita o julgamento histórico do STF na ação promovida pelo partido que garantiu a criminalização da homofobia no País (Foto: Robson Gonçalves)
O núcleo de Diversidade 23 do Cidadania divulgou no Congresso Extraordinário do partido, no último sábado (26), em Brasília, a carta “Conjunturas & Compromissos” (veja abaixo) na qual reafirma a postura do movimento de “não admitir qualquer retrocesso nas conquistas” da pauta LGBTI.
O núcleo de Diversidade 23 destaca ser preciso “avançar nas pautas afirmativas, visando garantir a toda a população LGBTQI+ a plenitude de seus direitos e garantias fundamentais e direitos sociais, destacadamente aqueles apontados nos artigos 5º e 6º da Carta Política de 1988, com especial menção ao direito ao tratamento isonômico, à vida, à liberdade em sua mais ampla concepção, à saúde, à educação, à alimentação, à moradia, ao trabalho, ao lazer, à segurança e à integridade física e moral, reconhecendo a autodeterminação da identidade de gênero”.
O documento ressalta ainda o julgamento histórico do STF (Supremo Tribunal Federal) da ADO 26 (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) promovida pela partido que garantiu a criminalização da homofobia no País, o primeiro caso reconhecido por um Corte Constitucional no mundo.
“CONJUNTURAS & COMPROMISSOS – DIVERSIDADE 23
Rio de Janeiro e Brasília, 25 de outubro de 2019.
“As minorias têm que se curvar às maiorias. Se adaptam ou simplesmente desaparecem.” Bolsonaro, Jair. Discurso em outubro de 2018.
“(…) a concepção <> distingue a humanidade em seus primitivos elementos raciais. (…). Consequentemente, não admite, em absoluto, a igualdade das raças, antes reconhece na sua diferença maior, ou menor valor e, assim entendendo, sente-se no dever de, conforme à eterna vontade que governa este universo, promover a vitória dos melhores, dos mais fortes e exigir a subordinação dos piores, dos mais fracos.”
Hitler, Adolf. Minha Luta – Mein Kampf, 18 de julho de 1925.
O ano de 2019 traz um sabor agridoce à boca de quem participa da luta afirmativa pelos direitos LGBTQI+. Se, por um lado, muitos são os motivos para comemorar, na mesma proporção são os motivos para lamentar.
O artigo 78 da Constituição Federal impõe ao Presidente que preste “o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro”. Ora, quem viola sua atribuição constitucional e não ostenta postura minimamente ilibada, não merece ser chamado de Presidente.
Desde janeiro, os atentados perpetrados pelo mandatário promoveram desmonte da rede de proteção dos LGBTQI+ do Ministério dos Direitos Humanos, retirou questões relativas ao combate ao preconceito em razão de gênero e sexualidade das diretrizes da educação, adotou conceito religioso de macho e fêmea como o exclusivo para tratar questões de gênero no âmbito internacional e não poupou palavras para repelir o turismo LGBTQI+, a despeito das milionárias cifras que o setor movimenta.
É preciso lembrar ao soez capitão que o cargo que ocupa impõe que governe para todos, homens, mulheres, gays, lésbicas, héteros, transexuais e toda sorte de indivíduo que a espécie humana possa comportar e que esteja em território nacional, de maneira permanente, ou de passagem. O governo deve promover o bem-estar de todos e não apenas de seu séquito.
Talvez o maior perigo trazido pelo Messias dos pés de barro não sejam seus atos e palavras em si, mas tudo aquilo que ele inspira e desperta, a libertação do Kraken (o mitológico monstro).
Viu-se, ao longo desses dez meses, episódios inimagináveis até um ano atrás, como a censura promovido pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, durante a bienal, ordenando o recolhimento de obras literárias com temática LGBTQI+. Isso não é tudo. Tornando a situação ainda mais estarrecedora, a medida de Crivella foi validada pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo necessário levar o caso ao Supremo Tribunal Federal para reestabelecimento da ordem e respeito ao artigo 5º, IX e artigo 220, § 2º da Carta da República.
Em São Paulo, a Comissão de Constituição e Justiça da ALESP, dominada por fundamentalistas religiosos e com a participação da Dra. Janaína Paschoal, aprovou projeto de lei que determina o sexo biológico como sendo o único a ser observado para efeitos de competições desportivas no estado de São Paulo. O projeto ainda precisa ser aprovado pelo plenário da casa.
A ministra dos Direitos Humanos, que já teve seu nome ligado ao tráfico de crianças indígenas e pauta suas ações pela Bíblia e não pela Constituição, em surto e aos berros, cercada por seus iguais, bradou orgulhosa que em sua gestão meninos vestirão azul e meninas vestirão rosa.
Sob forte influência de fundamentalistas neopentecostais e mercadores da fé, o governo impõe sem encontrar resistência uma pauta conservadora, anacrônica e teocrática, que atropela a laicidade inerente ao Estado Democrático de Direito.
O pior é ver isso tudo acontecer com a aceitação pacífica e, em alguns casos, até mesmo com o apoio de parcela significativa do Legislativo, à exemplo da votação de emenda proposta à Medida Provisória 886/19, que pretendia incluir os direitos da população LGBTQI+ nas políticas de minorias do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Com muito orgulho, pode-se bater no peito e dizer que o Cidadania não participou dessa chacina.
Mas nem tudo é noite.
No ano de comemoração dos 50 anos da rebelião de Stonewall, o diretório de Diversidade do Cidadania 23 entregou ao Brasil aquela que é, possivelmente, ao lado do casamento homoafetivo, a mais icônica conquista da luta LGBTQI+ nacional, a criminalização da homofobia. O voto do relator Ministro Celso de Mello, completo, irretocável, profundo em teoria e em sentimento, exaltou a riqueza abarcada pela diversidade humana e a necessidade de se proteger aqueles que são vulneráveis, acreditando à homofobia a equivalência ao crime de racismo, não criando um novo tipo penal, mas apenas igualando todo tipo de preconceito às penas da lei 7716/89, em perfeita consonância com o preâmbulo da Carta Política, bem como com seus artigos 1º, III, 3º, I, III, IV e cabeça do artigo 5º.
O brilhantismo que permeou a sustentação dos advogados patronos das ações também se fez presente na afetiva manifestação do então vice Procurador Geral da República, Luciano Mariz Maia, ao quebrar a barreira do direito e trazer a poesia da letra de Blowing in the Wind, de Bob Dylan, para o seu parecer: “How many deaths will it take us to know that too many people have died?”
O julgamento foi histórico para a humanidade, tendo em vista que esse foi o primeiro caso registrado de criminalização da homofobia através de uma Corte Constitucional no mundo. Alvíssaras para o Supremo!
Em tempos sombrios quando marionetes vão às ruas, incitadas pelo entorno do aspirante a Führer dos trópicos, pedir intervenção militar e o fechamento do STF, a Suprema Corte tem se mostrado como a maior e mais poderosa trincheira de resistência contra o conservadorismo que segrega e persegue minorias.
Há menos de uma semana, o Ministro Gilmar Mendes concedeu liminar suspendendo dois artigos de uma lei municipal que proibia abordagem educativa sobre temas relativos à diversidade de gênero e orientação sexual nas escolas. Mais uma vitória do bom-senso e, acima de tudo, da Constituição Federal.
Ainda que no escopo de debate ainda em curso, o Ministro Luís Roberto Barroso concedeu liminar autorizando transexuais femininas a cumprirem pena em unidades prisionais femininas. Destaque-se que o debate segue em ebulição, posto que a medida exclui as travestis. De toda sorte, não se pode negar que é uma vitória, ainda que parcial.
Mencione-se, também, a liberação para votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona a vedação de doação de sangue por pessoas LGBTQI+, que já conta quatro votos pela derrubada da proibição, reconhecendo que o regramento institui tratamento discriminatório por parte do Poder Público em função da orientação sexual.
Como se vê, no que pese o insistente ataque por parte do Executivo, com apoio de parcela do Legislativo (seja de forma omissiva, ou comissiva), as conquistas nunca foram tão significativas e grandiosas. E assim permanecerão, porque o Diversidade 23 seguirá vigilante, atuante e lutando pela proteção dos mais vulneráveis.
O Diversidade 23 reafirma através desse documento sua postura de não admitir qualquer retrocesso nas conquistas e avançar ainda mais nas pautas afirmativas, visando garantir a toda a população LGBTQI+ a plenitude de seus direitos e garantias fundamentais e direitos sociais, destacadamente aqueles apontados nos artigos 5º e 6º da Carta Política de 1988, com especial menção ao direito ao tratamento isonômico, à vida, à liberdade em sua mais ampla concepção, à saúde, à educação, à alimentação, à moradia, ao trabalho, ao lazer, à segurança e à integridade física e moral, reconhecendo a autodeterminação da identidade de gênero.
O Diversidade 23 RECONHECE E SE COMPROMETE EM PROMOVER INTEGRALMENTE OS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero:
“Os Princípios de Yogyakarta tratam de um amplo espectro de normas de direitos humanos e de sua aplicação a questões de orientação sexual e identidade de gênero. Os Princípios afirmam a obrigação primária dos Estados de implementarem os direitos humanos. Cada princípio é acompanhado de detalhadas recomendações aos Estados. (…) Os Princípios prometem um futuro diferente, onde todas as pessoas, nascidas livres e iguais em dignidade e prerrogativas, possam usufruir de seus direitos, que são natos e preciosos.”
Por fim, o Diversidade 23 reitera que não se curvará diante das medidas de cunho fascista, tampouco se intimidará pelo discurso de inspiração nazista promovido pelo “chefe” do Estado Brasileiro e se compromete em lutar, dentro dos ritos democráticos, por sua destituição do cargo e penalização pelos crimes que eventualmente cometer, incitar, ou permitir.
Eliseu Neto
Diversidade 23
Thiago Carvalho
Diversidade 23 – RJ
Felipe Carlos Carvalho
Diversidade 23 – RJ “