Cristian Klein: O presidente queimado

A bola já estava cantada. Mas, como sempre acontece com Bolsonaro, há um tom de imprevisibilidade, quando um presidente da República escracha o seu próprio partido, na façanha de ontem. Pegou de surpresa aliados e os 130 deputados federais e estaduais que se elegeram na sua esteira e dependem do cultivo mínimo da imagem partidária para a condução dos mandatos. Bolsonaro só prima pela reputação pessoal – se isso não fosse uma contradição em termos para quem defende e faz o que ele faz. Já deixou claro que joga ao mar quem quer que atrapalhe o plano de sobrevivência política, seu e dos filhos. A autofagia é um método do bolsonarismo. Nada se agrega, tudo se desmancha, com a beligerância de quem se recusa a compor. Do braço-direito durante a campanha, Gustavo Bebianno, ao general Santos Cruz, colaboradores próximos são expelidos num ritmo frenético de desconfiança, paranoia e prepotência. Não é improvável que se desgarre dos correligionários, no atacado. Para que partido?

Para salvar a própria pele, com a imagem desgastada, e pelo controle de centenas de milhões de reais dos fundos eleitoral e partidário, Bolsonaro lança dúvidas e reforça suspeitas sobre a idoneidade do PSL e do presidente nacional da legenda, o deputado federal Luciano Bivar (PE). No final do mandato, o último presidente da ditadura militar, João Figueiredo (1979-1985), pediu: “Quero que me esqueçam”. Na manhã de ontem, em Brasília, ao ser abordado por um apoiador de Pernambuco, que gravava um vídeo com ele, Bolsonaro pediu ao simpatizante para esquecer o PSL e Bivar. “Ele tá queimado pra caramba”, disse o presidente. A contradição se faz lembrar. Desde o estouro do escândalo das candidaturas laranjas do PSL, Bolsonaro blinda o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e se recusa a demiti-lo, mesmo depois de denúncia do Ministério Público de Minas Gerais. Por que o presidente, inclemente com antigos aliados, protege tanto Álvaro Antônio?

Já Bivar tem merecido muitas caneladas, para usar a metáfora cara a Bolsonaro. Se for para ficar num partido cuja marca recente é a de laranjas – mas que antes tinha a pecha de ser uma das maiores legendas de aluguel do país -, que seja para deter o comando sobre as verbas e a escolha de candidaturas na eleição municipal do ano que vem.

Mas um presidente de partido no Brasil tem tanto poder sobre a estrutura de diretórios – num sistema de vassalagem em que as seções municipais rendem homenagem à estadual que, por sua vez, é serva da toda-poderosa Executiva nacional – que Bivar pode mandar no PSL mais do que Jair Bolsonaro. Há três décadas, o deputado é o dono do pedaço e nada mais sagrado do que o direito à propriedade. Ou quase.

Na queda de braço que vem sendo travada entre Bivar e Bolsonaro, cresceram os rumores nas últimas semanas de que o ocupante do Planalto estaria arquitetando um movimento para destituir o dirigente nacional do PSL. Para o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), essa possibilidade era “risco 7 numa escala Richter” de terremoto partidário, o que mostra a disposição de Bolsonaro em derrubar Bivar do comando, botar a mão no fundo eleitoral e ter “candidatos de confiança” nas eleições municipais. “O Jair está procurando um lugar perfeito, mas onde ele for vão ter vaidosos. O PSL dormiu teco-teco e acordou jumbo”, diz Silveira. A ex-legenda nanica passou a ter a segunda maior bancada da Câmara, e as maiores nas Assembleias Legislativas do Rio e de São Paulo.

A fala do deputado mostra a indisposição de parlamentares de embarcarem em nova aventura atrás de Bolsonaro. A declaração do líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), de que o presidente “não pode cuspir no prato que comeu”, dá outra prova de como Bolsonaro corre o perigo de se isolar. O líder do partido disse ainda que o presidente deve “agradecimento e lealdade” a Bivar. O lamento do líder do PSL no Senado, Major Olimpio, soou como ironia, já que ele mesmo é candidato a se desfiliar do PSL, depois de brigar com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, a quem instou a deixar a legenda.

Ainda que queiram abandonar a barca do PSL, e seguir o ex-capitão, deputados federais e estaduais teriam uma longa travessia até março de 2022, quando está prevista a próxima janela partidária para eles. A dos vereadores é no ano que vem. Para quem tem cargo majoritário – como prefeitos, governadores, senadores e presidente da República – a porteira está sempre aberta, sem o risco de perda de mandato por infidelidade partidária. É o que permite a Bolsonaro agir de modo individualista. Mas quando era deputado e pré-candidato à Presidência, esperou pacientemente a abertura da fresta até pular do PSC para o PSL.

Com a fala de ontem, quem se animou foi o Patriota, que espera receber a filiação do presidente, para reatar a relação construída há dois anos. Presidente da legenda, Adilson Barroso afirma que a sigla está de “portas abertas”. “Aqui ele sabe que pode confiar. À época, perdemos o Bolsonaro por causa do [Gustavo] Bebianno, que acabou o persuadindo a ir para outro caminho”, disse. O dirigente lembra que “em março ou abril” já esteve no Planalto, quando aproveitou para convidar Bolsonaro novamente a entrar na legenda.

Barroso minimiza a dificuldade de se fazer a migração dos deputados que quiserem acompanhar Bolsonaro. “Seria difícil se fosse agora. Mas não é necessário. Se o presidente vier, e elegermos 400, 600 prefeitos, eles vêm depois quando a janela abrir”, sugere. “Todos nossos deputados, o líder da bancada, apoiam o presidente. O Patriota já é Bolsonaro 100%, enquanto no PSL tem deputado contra ele, alguns que se elegeram e são ingratos”, disse.

Barroso lembra que em 2017 foi Bolsonaro quem sugeriu o novo nome da legenda, que se chamava PEN. O então pré-candidato chegou a estrelar um programa partidário mas abortou a filiação na virada para 2018. O dirigente conta que a negociação brecou quando Bebianno – que viria a ser o primeiro ministro demitido por Bolsonaro – quis a presidência da sigla. “Tudo que pediam a gente dava. Primeiro, foi o comando de cinco diretórios estaduais, depois aumentou para uma lista de 23 diretórios. Até o momento em que o Bebianno quis ser o presidente nacional. Eu disse ao Bolsonaro que podia ser qualquer um, menos ele. Mas como o Bebianno foi persuadindo, eles negociaram com outros partidos e se filiaram ao PSL”, diz. (Valor Econômico – 09/10/2019)

Cristian Klein é repórter da sucursal do Rio – E-mail: cristian.klein@valor.com.br

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