MANCHETES
O Globo
Equipe de Guedes espera obter R$ 200 bi com ‘nova CPMF’
Previdência – Mudanças feitas por Tasso podem atrasar reforma
Carlos Bolsonaro: país não muda por ‘via democrática’
Projeto sobre TV paga será votado no Senado
Lula e irmão são denunciados pela Lava-Jato em SP
OMS: uma pessoa se suicida no mundo a cada 40 segundos
Moradores e deputados buscam dinheiro para Linha 4 do metrô
Investigação antitruste atinge Google em 50 estados dos EUA
O Estado de S. Paulo
Câmara articula volta do foro especial para políticos com mandato
Governo quer acabar com o monopólio da Caixa no FGTS
Aras se comprometeu com pauta de evangélicos
Minha Casa terá menos verba
PSL contra CPI da Lava Toga
Lula e irmão são denunciados pela Lava Jato
Quinto Andar já é avaliada em US$ 1 bi
Suicídio é 2ª causa de morte entre jovens
Folha de S. Paulo
Pauta de costumes de Bolsonaro perde espaço no Congresso
Temática homossexual vira filão após censura
Governo de SP quer reduzir pedágio de caminhões à noite
Oposição local à concessão do estado
Cresce apoio às privatizações, mas ainda em minoria
Procuradores cogitam boicote se Aras for aprovado
Gilmar defende ter barrado Lula como ministro em 2016
Empresa que cadastra lixo de SP também vende projetos
Tecnologia pode tirar humanidades da Idade Média
Lava Jato denuncia Lula e irmão sob suspeita de corrupção passiva
A cada 40 segundos, 1 pessoa se suicida no mundo, afirma OMS
Valor Econômico
Venda de terras a estrangeiro divide produtores rurais
Minas pretende adiantar receita com o nióbio
Joinville resiste à desindustrialização
Pré-candidatos fazem críticas a Bolsonaro
Remessas de migrantes superam IED
EDITORIAIS
O Globo
A necessária reação do STF à censura
Decisões dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes contra ato de Crivella reforçam o peso da Carta
O Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado na devida intransigência em defesa dos dispositivos constitucionais que garantem as liberdades civis, em que se destacam a de expressão e a de imprensa. Ao mesmo tempo, a Corte mostra-se aberta à evolução dos costumes e aos desafios que se colocam no avanço da ciência — o exemplo é a aprovação das pesquisas com células embrionárias, sob condições. Neste caso, o STF de alguma maneira reafirmou a laicidade do Estado brasileiro.
A decisão do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciada na quinta-feira, de despachar fiscais para a Bienal do Livro, no Riocentro, a fim de recolher uma publicação, supostamente para “proteger nossas crianças”, teve a necessária resposta do Supremo Tribunal, acionado pela Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge.
O que atrai a ira censória é uma história em quadrinhos de heróis da Marvel em que há a cena de um beijo gay. Pode chocar o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), mas não deveria espantar o prefeito do Rio, uma cidade aberta.
Pode ser que não passe de estratégia político-eleitoral, voltada à tentativa de reeleição, para dar ordem unida ao seu rebanho de conservadores, mas isso não importa do ponto de vista da Constituição, agredida por um ato de censura, seja qual for sua origem.
A reação do ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, seguida por Gilmar Mendes, e acompanhada por Celso de Mello, em nota enviada à “Folha de S.Paulo”, serviram para reafirmar o peso dos balizamentos estabelecidos pela Constituição.
A nota de Celso de Mello, decano do Supremo, pontilhada por algumas exclamações, ressalta que “(…) sob o signo do retrocesso, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!!!”
Algumas tentativas de censura têm sido feitas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Aconteceu neste caso do livro — que gerou um embate de liminares contra e a favor no âmbito do Tribunal de Justiça fluminense —, mas o encaminhamento foi rebatido por Dias Toffoli. A imagem do beijo entre dois homens (ou mulheres) não viola o Estatuto.
O ministro lembrou ainda que, em 2011, o Supremo reconheceu o direito de pessoas do mesmo sexo terem uma união estável perante a lei. Gilmar Mendes, por sua vez, determinou que o alvará da Feira não fosse cassado, como ameaçara Crivella, registrando que a iniciativa do prefeito tem o “nítido objetivo de promover a patrulha do conteúdo de publicação artística”.
São animadoras essas demonstrações da Corte na defesa de valores vitais a uma democracia. Ajuda, neste momento de tensões político-ideológicas. Reforça o papel da última instância do Judiciário.
O Globo
É importante regulamentar lei que legaliza apostas esportivas
Normatização aumentaria controle sobre jogos que hoje escapam ao controle do Estado
Em 12 de dezembro do ano passado, foi sancionada pelo então presidente Michel Temer a Lei 13.756/18, que trata da legalização das apostas esportivas, tanto por meio físico quanto digital, e da destinação de recursos de loterias para o Fundo Nacional de Segurança Pública. No entanto, ela ainda depende de regulamentação — o governo tem prazo de dois anos, prorrogáveis por mais dois, para fazê-lo.
Dentro dessa perspectiva, o governo começou a ouvir, no mês passado, empresas, entidades esportivas, apostadores e outros interessados no tema, recebendo mais de mil sugestões. Mas ainda há muito o que fazer.
Especialistas consideram que a nova lei — que pretende dar transparência ao sistema e, ao mesmo tempo, garantir recursos para a segurança pública — é fundamental para proteger a integridade do esporte e dos próprios torcedores. Um estudo da Universidade de Sorbonne mostra que existem mais de 8 mil sites de apostas esportivas em todo o mundo. Estima-se que ao menos 500 deles ofereçam jogos brasileiros, operando no país sem qualquer tributação, regulamentação ou controle.
Há outros problemas. Em 2005, 11 partidas do Campeonato Brasileiro — um dos maiores do mundo — foram anuladas depois que investigações da Polícia Federal constataram manipulação de resultados.
Não é mais possível ignorar uma realidade que se impõe em campo. Seis sites de apostas já patrocinam praticamente metade dos clubes que participam da Série A do Brasileiro. Juntos, esses times recebem cerca de R$ 20 milhões por ano. No entanto, os números poderiam ser mais expressivos se o mercado já estivesse regulamentado. No Reino Unido, 85% das equipes que disputam a Premier League têm patrocínio de sites de apostas. Ou seja, esse mercado ainda tem potencial para crescer bastante no Brasil.
Já está mais do que na hora de se adequarem legislações obsoletas aos tempos atuais. E não só em relação às apostas esportivas, mas também aos jogos de modo geral, proibidos no Brasil desde 1946. Ao longo de mais de sete décadas, o avanço da tecnologia digital tornou letra morta o veto à atividade, à medida que ela pode ser feita de forma eletrônica, fora do alcance do Estado.
Todo mundo sabe que jogos de todo tipo, apesar de proibidos, nunca deixaram de existir no Brasil. Portanto, seria sensato que fossem legalizados projetos voltados para o turismo, como os resorts com centros de convenção, hotéis e cassinos, a exemplo de Cingapura — já há propostas nesse sentido tramitando na Câmara dos Deputados. Certamente, essas atividades estariam mais perto dos olhos do Estado do que hoje, funcionando na clandestinidade.
O Estado de S. Paulo
O motor enfraquecido
A indústria, motor da economia do País por décadas, foi o setor mais castigado pela recessão, mal começou a recuperar- se em 2017 e de novo opera com dificuldade
Motor principal da economia brasileira por várias décadas, a indústria foi o setor mais castigado pela recessão, mal começou a recuperar-se em 2017 e de novo, em 2019, opera com muita dificuldade. Pelas últimas projeções do mercado, a produção industrial deve encolher 0,29% neste ano. Uma semana antes ainda se estimava um crescimento de 0,08%, resultado quase nulo, mas ainda no terreno positivo.
A economia continua fraca e o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 0,87% – mediana das projeções de economistas do setor financeiro e de grandes consultorias. Esse número, divulgado no boletim Focus do Banco Central (BC), já havia aparecido na semana anterior.
A novidade é mesmo a taxa negativa calculada para a indústria, sinal da pouca importância conferida, até agora, à ação de estímulo ao consumo programada pelo governo.
No Brasil, como em vários outros países emergentes, a industrialização intensificou-se depois da 2.ª Guerra Mundial. A atividade industrial diversificou-se, a produção cresceu e o setor dinamizou a economia, funcionando como gerador de empregos qualificados e como polo de absorção, criação e difusão de tecnologia. Na maior parte dos emergentes, mesmo naqueles mais avançados, a indústria continua com grande peso na composição do PIB.
A chamada desindustrialização – perda de participação do setor industrial na atividade econômica – é ainda observável principalmente nos países mais desenvolvidos e ricos, como os Estados Unidos e as nações da Europa Ocidental.
Não há, no Brasil, nada comparável à desindustrialização do mundo rico. Há, sim, um fenômeno patológico, o enfraquecimento de um setor essencial para o crescimento e a modernização da economia nacional. Essa anomalia fica bem clara quando se compara o peso da indústria na formação do PIB de vários emergentes. Dados de 2018 reunidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirmam a anomalia do caso brasileiro.
No Brasil, no ano passado, a produção industrial correspondeu a 21,6% do PIB. Excetuado um caso, a participação da indústria no conjunto da produção foi muito maior em outros países: 23,1% na Argentina, 40,7% na China, 35,1% na Coreia do Sul, 27% na Índia, 31,2% no México e 32,1% na Rússia.
A fraqueza relativa da indústria argentina está obviamente associada a conhecidos erros políticos. Alguns desses erros, como o protecionismo comercial excessivo e o pouco estímulo à inovação e à busca de produtividade, são característicos também do Brasil.
No caso brasileiro, no entanto, a atual fraqueza da indústria é em boa parte explicável por fatores conjunturais. Depois de um início de recuperação, o setor perdeu dinamismo no ano passado, em parte por causa da crise no transporte rodoviário, em parte pela persistência do desemprego elevado e da incerteza quanto ao futuro da economia. O quadro piorou neste ano, porque o governo foi incapaz, em mais de um semestre, de proporcionar qualquer estímulo e qualquer segurança a consumidores, comerciantes e industriais.
Nos 12 meses terminados em julho, a produção física foi 1,3% menor que no período imediatamente anterior. A de bens de consumo semiduráveis e não duráveis – aqueles mais presentes no dia a dia das famílias – encolheu 0,3% nessa comparação. Isso reflete claramente as péssimas condições de emprego, com 24,7 milhões de pessoas desocupadas, subempregadas e desalentadas no trimestre findo em julho.
O efetivo fortalecimento da indústria dependerá de um longo período de investimentos em ampliação e modernização da capacidade. Isso deverá incluir esforços voltados para a inovação e, de modo geral, para a busca de eficiência e competitividade. Será necessário, portanto, mais que um estímulo de curto prazo. Mas esse estímulo, embora de efeito limitado, será indispensável para o arranque inicial do consumo, da formação de estoques e da produção.
A criação de empregos poderá vir com alguma defasagem, mas só virá se houver esse primeiro impulso. Ao negligenciar essa necessidade evidente, o governo aceitou a piora da economia e impôs um custo enorme aos brasileiros.
O Estado de S. Paulo
Trabalhando com a idade
Como os governos podem fomentar mais e melhores oportunidades de trabalho para profissionais na terceira idade
A maioria das nações enfrenta um rápido declínio demográfico, à medida que as taxas de natalidade diminuem e as de longevidade aumentam. O Brasil, por exemplo, perdeu em 2018 seu bônus demográfico, ou seja, a situação em que os habitantes em idade de trabalho (dos 15 aos 64 anos) superam os dependentes – os idosos e crianças. Como resposta a esse desafio, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem promovendo uma série de estudos. O mais recente, Trabalhando Melhor com a Idade, discute como os governos podem fomentar mais e melhores oportunidades de trabalho para profissionais na terceira idade.
Para abordar o problema por todos os seus ângulos, a OCDE propõe que os governos atuem em três áreas principais. Em primeiro lugar, é preciso fortalecer os incentivos ao trabalho em idades avançadas. Uma das recomendações é a flexibilização do processo de aposentadoria, de modo que ele possa ser realizado em fases que combinem gradativamente pensões com renda de trabalho e eventuais bônus para quem segue trabalhando em idade avançada. Concomitantemente, é preciso restringir a margem para as aposentadorias precoces que encorajam os profissionais a deixar o trabalho enquanto ainda estão em boas condições.
Mas além dos incentivos aos profissionais de terceira idade é necessário, em segundo lugar, aumentar as suas oportunidades de trabalho, estimulando os empregadores a contratá-los e mantê-los. Com frequência os sistemas atuais de proteção legal aos trabalhadores de idade acabam, paradoxalmente, por prejudicar as suas chances no mercado. Profissionais mais velhos tendem a custar mais que os jovens, devido aos benefícios legais acumulados. Assim, a organização recomenda um duplo reajuste: flexibilizar as regras de contratação, por um lado, e fortalecer, por outro, o suporte à renda e ao reemprego para trabalhadores desempregados. Com isso é possível salvaguardar os interesses dos trabalhadores mais velhos, já que gozarão de uma rede de proteção mais forte no caso de desemprego, sem ferir as suas perspectivas de emprego, já que concorrerão em pé de igualdade com os mais jovens, não sendo nem mais nem menos onerosos ao empregador. Nesse processo, a tecnologia de dados pode ser útil, promovendo a triagem e a colocação de profissionais de acordo com as suas melhores aptidões.
Em terceiro lugar, é preciso capacitar os trabalhadores para que se mantenham como força de trabalho atraente à medida que envelhecem. “A melhor prática para fortalecer a empregabilidade e as oportunidades de emprego em uma idade avançada”, diz a pesquisa, “é fornecer oportunidades iguais aos profissionais para que continuamente incrementem as suas habilidades, conscientizem-se de habilidades adquiridas através de uma vida de trabalho e melhorem as condições de trabalho em todas as idades.” Há várias estratégias para concretizar esse objetivo. Talvez a principal seja o fomento a programas de capacitação adaptados a cada uma das idades da vida profissional. Ao mesmo tempo, é preciso fornecer assistência aos desempregados, em especial aos desalentados, garantindo que desempregados mais velhos tenham os mesmos direitos de recolocação que os mais jovens, mas também, como contrapartida aos benefícios recebidos, as mesmas obrigações de procurar emprego. Ademais, cabe aperfeiçoar as condições de trabalho para trabalhadores de todas as idades, de modo a revigorar a longevidade da vida profissional. Isso implica fortalecer as condições de segurança e de saúde física e mental nos locais de trabalho, reduzir a incidência de trabalho insalubre e equilibrar as responsabilidades profissionais e familiares.
Que o trabalho dignifica o homem é uma verdade conhecida desde que o homem é homem. O desafio do nosso tempo é provar que o trabalho pode também dignificar o homem de idade, e que este pode trabalhar dignamente para proveito da sociedade, de sua família e, por óbvio, de si mesmo.
O Estado de S. Paulo
É razoável ter limites
Jair Bolsonaro cedeu à pressão de corporações e desfigurou o projeto de lei sobre abuso de autoridade com 19 vetos
Os 19 vetos apostos pelo presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei sobre abuso de autoridade são a demonstração de como é difícil coibir privilégios e excessos praticados e hauridos por determinadas categorias profissionais. Depois de muitos anos sem uma legislação consolidada sobre o exercício abusivo da função pública, o Congresso aprovou no mês passado o Projeto de Lei (PL) 7.596/17, um texto bastante equilibrado que, sem comprometer a autonomia do agente público, protege o cidadão de excessos dolosamente praticados. Bolsonaro preferiu, no entanto, ceder à pressão de algumas corporações e desfigurou o projeto de lei com abundantes vetos. Cabe agora ao Legislativo derrubá-los. O abuso de autoridade não pode continuar impune.
A lei do abuso de autoridade não diminui a autonomia e a independência de juízes e membros do Ministério Público, já que são eles que interpretarão e aplicarão a nova legislação. Os promotores são os únicos que têm competência legal para apresentar uma ação penal pública, no caso, contra a autoridade que cometer abuso no exercício da função pública. E serão os juízes a julgar as ações penais. Ou seja, juízes e promotores fixarão os limites interpretativos dos novos tipos penais. Não há como falar, portanto, no risco de a lei ser usada como chantagem contra o agente público.
É também flagrante a disparidade de critérios utilizados para analisar diferentes tipos de projetos de lei. Quando se trata de legislação que visa a diminuir o abuso de autoridade, tudo é considerado muito aberto e capaz de gerar insegurança jurídica. Por exemplo, na mensagem do presidente da República expondo os motivos para os vetos, menciona-se 15 vezes que o texto aprovado pelo Congresso “gera insegurança jurídica”. Também se aponta que muitos dispositivos do projeto de lei comportam “interpretação”, o que ensejaria o seu veto.
No entanto, o mesmo governo que veta artigos da lei alegando que geram insegurança jurídica apresentou ao Congresso, em fevereiro, o chamado Pacote Anticrime, muito mais aberto e sujeito a interpretações. A título de exemplo, menciona-se o dispositivo que o governo deseja introduzir no tratamento da legítima defesa. “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, propõe o Pacote Anticrime. Como escreveu Miguel Reale Júnior em artigo publicado no Estado (Ilegítima Agressão, dia 7/9/2019), a novidade “abre a porta à subjetividade, oferecendo licença para matar. (…) Quebra-se com essa proposta o eixo central da figura da legítima defesa, consistente em agir para fazer cessar uma agressão, com ânimo de se defender. Na hipótese apresentada por Moro, acolhe-se como legítima defesa uma agressão desnecessária, fazendo dessa excludente um escudo protetor da violência policial”. É um acinte contra o cidadão que o governo promova uma legislação concedendo tal grau de arbitrariedade aos agentes policiais ao mesmo tempo que veta a criminalização de condutas contrárias à lei praticadas por agentes públicos “com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, como prevê o PL 7.596/17. São dois pesos e duas medidas.
A aprovação de legislação que criminaliza o abuso de autoridade é passo importante para um maior equilíbrio institucional, também pela jurisprudência que nascerá a partir dela. Um dos artigos vetados por Bolsonaro punia, por exemplo, a decretação de prisão “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. É muito oportuno que todos saibam com segurança quando uma prisão significa abuso de autoridade. Da mesma forma, é muito conveniente que todos saibam que é abusivo “antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação”. Esse tipo penal também foi vetado por Bolsonaro. Por mais que alguns juízes e promotores prefiram não ter limites no exercício de sua função, o Estado Democrático de Direito os exige.
Folha de S. Paulo
O fator Bolsonaro
É difícil mensurar o impacto de atitudes do presidente na letargia econômica
Enquanto se consolida o fiasco econômico deste 2019, analistas do setor privado começam a abandonar expectativas de um desempenho mais robusto no próximo ano.
Como noticiou esta Folha, profissionais de bancos e consultorias já projetam taxas de crescimento do Produto Interno Bruto abaixo de 2% em 2020. Desde o fim da brutal recessão de 2014-16 o país não atinge esse patamar medíocre.
Não se pode acusar o mercado de pessimismo. Ao longo desta década, os resultados do PIB têm sido sistematicamente inferiores às previsões iniciais. Não será diferente neste ano, em que a expansão esperada rondava os 2,5% em janeiro.
O desapontamento chegou à percepção geral. Segundo o Datafolha, a parcela do eleitorado que diz acreditar na melhora da situação econômica recuou de 65% para 40% ao longo de 2019.
Inexiste um diagnóstico completo e consensual para a letargia. Sabe-se que ela está associada à míngua dos investimentos: dados publicados por este jornal apontam que as obras de infraestrutura têm representado pouco mais de 1,8% do PIB, menos da metade do que se considera necessário em estudo da Inter.B Consultoria.
Na conjuntura atual, o cenário externo acrescenta dificuldades. O conflito comercial entre EUA e China provoca impacto imediato nos mercados financeiros, e a crise da Argentina prejudica exportações da indústria brasileira.
Outro fator, menos palpável, tem sido citado com alguma frequência —o efeito de declarações disparatadas e atitudes erráticas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre o ânimo de empresários e investidores domésticos e estrangeiros.
É preciso boa dose de cautela diante de tal análise, e não apenas pela virtual impossibilidade de mensurar o fenômeno com os indicadores disponíveis. As decepções com o PIB, repita-se, não vêm de agora.
Entretanto o presidente de fato fomenta a instabilidade política e torna menos previsível a agenda de seu governo. A reforma da Previdência avançou graças ao senso de sobrevivência do Congresso, mas não se pode garantir o mesmo em relação a outros projetos cruciais.
Temem-se ainda consequências negativas da piora da imagem do país no exterior, em particular na área ambiental. Nesse caso, a conta viria a prazo mais longo.
A melhor hipótese é que Bolsonaro compreenda o quanto a economia tende a ser decisiva na recuperação de sua popularidade —e que isso baste para moderá-lo.
Folha de S. Paulo
É só uma carteirinha
Criação de identificação digital para alunos é acerto; cumpre despolitizar tema
Até meados de 2001, cabia exclusivamente à União Nacional dos Estudantes (UNE) emitir o documento que faculta a alunos de todo o país usufruir o direito à meia-entrada em exibições cinematográficas, shows e outros eventos culturais.
Em agosto daquele ano, uma medida provisória editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deu cabo do monopólio. A providência, acertada, produziu um efeito indesejado.
Ao permitir que a identificação estudantil fosse expedida pelos estabelecimentos de ensino, a nova regra facilitou a falsificação.
A situação mudou novamente em 2015, com a regulamentação de uma lei promulgada em 2013, a qual buscou corrigir o problema e estabelecer um limite, fixado em 40%, de ingressos a serem vendidos pela metade do valor.
O diploma padronizou a emissão das carteirinhas e estendeu o serviço a um conjunto maior de entidades, como a Associação Nacional de Pós-Graduandos e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas —além da UNE, que têm nele sua principal fonte de renda e é controlada pelo PC do B.
Na última sexta-feira (6), deu-se o passo final para acabar com esse cartório dessas entidades. Por meio de uma medida provisória, o governo Jair Bolsonaro (PSL) criou a carteira de identificação estudantil em formato digital.
Dentro de 90 dias, discentes da educação básica, profissional e superior poderão obter o documento diretamente na internet, por meio de lojas de aplicativo, ou requerê-lo na forma física em agências da Caixa Econômica Federal. Em ambos os casos, de maneira gratuita.
Dificilmente haverá argumento razoável contra a MP, que faz uso elementar da tecnologia e, mais importante, contempla os interesses dos estudantes. É pena, mas não surpresa, que o presidente tenha aproveitado a iniciativa para estimular a polarização política.
Ao inserir a medida no contexto de uma imaginária luta contra o socialismo, Bolsonaro excita sua militância mais fiel e revela objetivos menos elogiáveis do que apenas facilitar a vida dos alunos.