Em 2100, PIB per capita do Brasil pode acumular 7% de queda devido às mudanças climáticas
“É pior, muito pior do que você imagina”, escreve David Wallace-Wells no início de “A Terra Inabitável”, best-seller mundial publicado no Brasil pela Companhia das Letras neste ano. Para ele, o ritmo lento atribuído à mudança climática não passa de um conto de fadas. Os efeitos serão rápidos, alerta, e num futuro próximo ocorrerão mortes por calor, fome, enchentes, queimadas, queda da qualidade do ar, desertificação – e colapso econômico.
Essa “verdade inconveniente” acaba de ser corroborada por uma ampla pesquisa realizada pelo FMI e por três universidades que reafirma os dramáticos riscos econômicos da persistência dos males da mudança climática no longo prazo. Em 2100, o PIB per capita do Brasil, por exemplo, deve ter uma queda de 7%, em média, caso a elevação da temperatura da Terra aumente, em média, 0,04°C anualmente.
Se não forem adotadas medidas para mitigar os efeitos do aumento da temperatura do planeta, o estudo Os Efeitos da Mudança Climática no Longo Prazo mostra que o desastre econômico afetará todas as nações, sejam ricas, pobres, frias ou quentes. Traduzindo em números: na virada do século, a previsão é de uma redução média do PIB per capita global de 7,22%.
A já célebre frase inicial de Wallace-Wells poderia muito bem ser dita também com base nesse relatório. Isso porque os perigos estimados são maiores do que os discutidos nos círculos políticos, conclui o estudo, conduzido em parceria com as universidades Cambridge, do Sul da Califórnia e National Tsing Hua.
Os dados foram divulgados poucos dias antes da Climate Week, maior foro de discussões sobre medidas para combater as mudanças climáticas, que ocorre em Nova York. Esses indicadores reforçam a teia de argumentos dos manifestantes que organizam a ocupação das ruas da cidade para protestar contra a inação dos governos frente às mudanças climáticas.
As manifestações antecedem a Assembleia-Geral das Nações Unidas, que começa no dia 24. Se o presidente Jair Bolsonaro tiver autorização médica para fazer o tradicional discurso de abertura na ONU, deverá ser cobrado pelas queimadas na Floresta Amazônica, com ampla repercussão internacional, por sua posição crítica a instituições multilaterais e pelo atrito com o presidente Emmanuel Macron.
O passivo retórico e de ações do Brasil, especialmente na área ambiental, é mesmo grande. O vereador e filho do presidente Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) já questionou a existência do aquecimento global em uma rede social. “Só por curiosidade: quando está quente, a culpa é sempre do possível aquecimento global, e quando está frio fora do normal? Como é que se chama?”, perguntou ele em um post publicado no Twitter num dia de temperatura mais baixa.
O tom de deboche poderia entrar para a longa lista de comentários controversos do vereador, caso não encontrasse eco na gestão ambiental do governo, que está longe de tratar o combate ao aquecimento global como prioridade. Tanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, quanto o de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já fizeram declarações públicas em que contestam a relevância do tema.
A briga é de narrativas, observam os negacionistas, os críticos do “climatismo”, na expressão deles uma ideologia que procura impor a necessidade de agir politicamente para mitigar o aquecimento global.
“Há mudanças climáticas? Sim, certamente, sempre teve. É causada pelo homem? Muitas pessoas dizem que sim, não sabemos com certeza”, disse Araújo a uma plateia na Fundação Heritage, “think tank” conservador de Washington, na semana passada. Em sua palestra, o ministro também afirmou que o “climatismo” estaria no centro da reação contra os incêndios na Amazônia, apesar de estarem “dentro da média” no período.
Suas ideias, entretanto, não correspondem aos fatos. A informação de Araújo é conflitante com dados do Inpe, que mostraram ter sido agosto o pior mês para a Amazônia desde 2010 e que o número de queimadas triplicou em relação ao de agosto de 2018.
Trata-se de mais um ataque de integrantes do governo à ciência e à academia. O consenso científico é sobre o efeito deletério do aquecimento global. “Nossas análises evidenciam a necessidade de cumprir as metas do Acordo de Paris para evitar perdas substanciais tanto para a economia do Brasil quanto para a do mundo todo”, diz Kamiar Mohaddes, professor de Cambridge e um dos autores do estudo.
A defesa de Mohaddes está baseada em ciência. Se as metas forem atingidas, a média da queda do PIB do Brasil per capita será substancialmente menor em 2100: 0,15%. Já a média da queda global será de 1,07%.
Reside no Acordo de Paris, portanto, a premissa para que o tom da pesquisa seja pessimista, mas não fatalista. O acordo prevê medidas de redução de emissão de gases-estufa a partir de 2020 para conter o aquecimento global abaixo de 2 ºC, preferencialmente em 1,5 ºC.
No pior cenário, em que as metas forem negligenciadas, os impactos serão percebidos na saúde das pessoas, no nível de produção (mudando os rendimentos agrícolas, por exemplo) e na capacidade da economia de crescer no longo prazo, com redução de investimentos e na queda da produtividade do trabalhador, aponta o levantamento, que tomou como base dados de 174 países. “Nos EUA, na ausência de políticas de mitigação, estimamos uma perda em torno de 10% do PIB per capita, por causa das mudanças climáticas, um impacto substancial na economia”, afirma Mohaddes.
A projeção para os EUA, cujo presidente é ídolo de líderes populistas e anunciou a saída do Acordo de Paris, é bem acima da média dos países ricos (7,76%) e dos pobres (6,05%). Na China a projeção é de 4,35%, na Índia, 9,90%, e, na Rússia, 8,93%. O Canadá, que segundo alguns poderia ser beneficiado economicamente pela elevação da temperatura, perderia mais de 13% de sua renda em 2100.
No fim do século, diz a ONU, caminhamos para os 4,5ºC de aquecimento, se continuarmos nos rumos de hoje. “Ou seja, mais distante do proposto em Paris do que os 2º C limites da catástrofe, o que significa mais do que o dobro”, diz Wallace-Wells.
Parece pesadelo? É uma possibilidade científica real, uma verdade inconveniente. E a responsabilidade para reduzir os danos potenciais da tragédia é da sociedade. (Valor Econômico – 17/09/2019)
Robinson Borges é editor de Cultura – E-mail: robinson.borges@valor.com.br