Em discurso de despedida da PGR, Dodge pede ‘proteção à democracia’
Para a procuradora-geral, há uma tendência mundo afora, inclusive no Brasil, de “vozes contrárias ao regime de leis” e ao “respeito aos direitos fundamentais”
Mariana Muniz e Luísa Martins – Valor Econômico
Em sua última sessão no Supremo Tribunal Federal (STF) como procuradora-geral da República, Raquel Dodge fez um alerta ao que chamou de “pressão sobre a democracia liberal” e pediu “proteção” à democracia brasileira”. O mandato dela termina no próximo dia 17.
“Quero lhes fazer um pedido muito especial, que também dirijo à sociedade civil e a todas as instituições: protejam a democracia brasileira, tão arduamente erguida, em caminhos de avanços e retrocessos, mas sempre sob o norte de que é o melhor modelo para construir uma sociedade de mais elevado desenvolvimento humano”, disse Dodge aos ministros do Supremo.
Para a procuradora-geral, há uma tendência mundo afora, inclusive no Brasil, de “vozes contrárias ao regime de leis” e ao “respeito aos direitos fundamentais”.
“Neste cenário, é grave a responsabilidade do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal, seja para acionar o sistema de freios e contrapesos, seja para manter leis válidas perante a Constituição, seja para proteger o direito e a segurança de todos, seja para defender minorias”, afirmou.
Na manifestação, Dodge disse que os “muitos desafios atuais” exigem do Ministério Público independência e força – conquistadas a partir de “controles internos”.
“Estabelecemos uma democracia liberal na Constituição de 1988, onde a maioria governa, mas as minorias são protegidas, onde os direitos são universais e há o dever de tratamento igual para todos, com uma promessa de sociedade justa, livre e solidária para esta e para as futuras gerações”, apontou a procuradora-geral.
Para Raquel Dodge, há uma tendência mundo afora, inclusive no Brasil, de “vozes contrárias ao regime de leis” — Foto: ValorPara Raquel Dodge, há uma tendência mundo afora, inclusive no Brasil, de “vozes contrárias ao regime de leis” — Foto: Valor
No discurso, ela lembrou ainda que o “Ministério Público tem independência e livre exercício expressamente garantidos na Constituição para poder acionar o sistema de freios e contrapesos que impede a hipertrofia de um dos poderes”.
Ao falar sobre o trabalho que desenvolveu à frente da PGR, Dodge enfatizou a importância de proteger direitos fundamentais e proteger minorias, e de impedir que haja apropriação privada dos bens públicos por atos de corrupção e lavagem de dinheiro. “Ao defender o bem comum e o patrimônio público, eu trouxe ao conhecimento desta Corte ações penais e acordos de colaboração premiada que visaram a interromper e punir atos de corrupção e lavagem”, disse.
Ela também lembrou que ajuizou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ações importantes, como o inquérito para investigar a investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco.
Na saída do STF, Raquel Dodge rebateu as críticas de que atuou de maneira mais lenta na Lava-Jato e afirmou que deu todo o apoio necessário para o enfrentamento da corrupção.
“No tocante à atuação dos meus colegas membros do Ministério Público brasileiro, tenho certeza que dei a eles toda a estrutura necessária para o enfrentamento à corrupção. Dotando não só toda a procuradoria com a verba necessária para fortalecer essa atuação, como também apoiando todas as iniciativas que eles tiveram que chegaram ao meu conhecimento na forma de requerimento”, afirmou a jornalistas.
Segundo Dodge, todos os pedidos feitos pelos integrantes das forças-tarefas foram atendidos e o número de procuradores, ampliado. Sobre sua atuação, disse que a maior parte das peças que ajuizou no Supremo são sigilosas e que, por isso, o resultado pode não ter ficado tão evidente — mas que “no tempo próprio elas expressarão o empenho” com que trabalhou no enfrentamento da corrupção.
“Além disso, em relação a todos os recursos que chegaram para minha atuação pessoal, empenhei-me também, muito pessoalmente, em sustentar todas as teses necessárias para o enfrentamento da corrupção, então, nesse sentido estou com muita clareza e muito convencimento pessoal de que apoiei intensamente esse trabalho”, afirmou.
No plenário do STF, Dodge se emocionou ao falar sobre o empenho que teve à frente da PGR para fortalecer a democracia brasileira. “Eu me empenhei muito para trabalhar nessas áreas mais nodais, achando que fazendo assim a gente conseguiria fortalecer essa promessa de sociedade que está na nossa Constituição. Desculpem a emoção, eu sempre me emociono”.
Na última quinta-feira, o presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciou o nome do subprocurador Augusto Aras para comandar a PGR. Ele foi escolhido fora da lista tríplice elaborada pela categoria, seguida pelos pretendentes da República desde 2003.