Nos últimos dois meses, ministros dos governos democráticos-progressistas, de Itamar a Temer, passando por Fernando Henrique, Lula e Dilma, têm se reunido para manifestar descontentamento com as políticas do governo de Jair Bolsonaro. Com seus manifestos, esses ministros, do período de 1992 a 2018, estão corretos ao alertar o Brasil sobre os riscos que corremos na educação, no meio ambiente, saúde, ciência e tecnologia.
Mas dificilmente eles se uniriam em propostas comuns para o futuro. A unidade é limitada à contestação do que temos hoje, não é a favor do que propomos para o futuro. Passamos 26 anos no poder discordando entre nós sobre o que o governo do momento propunha, agora nos aliamos contra o governo do momento. Isso confirma antiga regra pela qual os democratas e progressistas só se unem na oposição.
Nada indica que teremos uma aliança duradoura por um Brasil diferente daquele que prevemos para o futuro. Tudo leva a crer que os “erros” grosseiros do radicalismo do atual presidente consolidam seu bloco fiel, levando-o ao segundo turno; da mesma forma que a radicalização nostálgica do PT parece consolidar sua ida ao segundo turno.
Tudo indica que, em 2022, o presidente Bolsonaro deve ser candidato, respeitando as regras constitucionais; por isso, muito provavelmente, os ex-ministros que hoje se unem contra seu governo estarão divididos, cada um com seu candidato, como foi em 2018, e ele deve ir ao segundo turno junto com o candidato do PT, com a história repetindo-se graças à divisão das outras forças.
O espaço entre os extremos é dividido em pequenos nichos eleitorais, cada um com seu candidato, até porque é para isso que existem dois turnos; no primeiro votamos no mais próximo, no segundo, no menos distante, ou em nenhum, que é outra forma de votar em um dos dois, sem ter que escolher qual. A unidade afirmativa de um bloco democrático-progressista parece impossível nestes tempos de posições sectarizadas.
Nos governos dos partidos desses ex-ministros, eles preferiram alianças com grupos antagônicos a se aliar a legendas próximas, cada qual dono de sua verdade e de sua voracidade pelo poder, em vez de formar um pacto de governabilidade entre eles.
Em 2015, um grupo de senadores de diversos partidos foi recebido pela presidente Dilma e tentou a construção de uma unidade democrática progressista para tirar o Brasil da crise em que seu governo havia jogado o país, por causa da irresponsabilidade fiscal das pedaladas. Ela preferiu seguir sozinha com seu partido. O resultado foi o aprofundamento da crise e o seu impeachment.
Em agosto de 2018, outro grupo de parlamentares sugeriu que os candidatos a presidente se aliassem para evitar o segundo turno entre dois extremos. Mas foram repudiados, cada um dos candidatos dizendo que a proposta visava eliminá- lo de uma eleição que considerava ganha. Apenas um deles chegou a dois dígitos, quase todos tiveram menos de 5% dos votos. Isso pode se repetir em 2022.
Apesar dos manifestos oposicionistas de ex-ministros, e até de rumores sobre uma aliança alternativa, o tema já começa errado ao excluir o PT como um dos atores, além de se apresentar como oposição e não como proposta alternativa a Bolsonaro. Nada indica que os líderes que podem ser chamados de democratas-progressistas terão a clarividência para elaborar um programa comum e abrirem mão de suas candidaturas em favor de outra, ou alguma candidatura que os unifique.
Ainda é cedo para dizer o que vai acontecer até 2022, mas faltam apenas dois anos para que as chapas estejam formadas e os nomes, lançados; e nada indica um esforço sério por uma unidade ampla e propositiva. A observação dos nossos líderes nos faz imaginar que Bolsonaro e Haddad, ou outro do PT que Lula escolher, se não ele próprio, serão os dois nomes que estarão à disposição na urna para o eleitor escolher quem vai governar o Brasil nos primeiros anos de nosso terceiro centenário.
Qualquer um que vencer não parece interessado ou ter condições de unificar as forças democráticas e progressistas por um programa alternativo. Os ex-ministros, que têm se reunido para manifestar correta oposição aos desastres atuais, prestariam um grande serviço se fossem além da crítica ao presente e tentassem fechar programas setoriais que unificassem essas forças com propostas para o futuro. Porque precisamos insistir com esperança de que é possível caminhar para uma unidade propositiva por um novo Brasil com coesão e rumo. (Cristovam Buarque – 10/09/2019)
Cristovam Buarque, ex-senador do Cidadania-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)