Pedro Fernando Nery: O mínimo não é o mínimo

Salário mínimo é nacionalmente unificado no Brasil, mas o custo de vida é muito menor em regiões mais pobres, como a Bahia, do que nas mais desenvolvidas, como Santa Catarina

Vagner, que mora sozinho na Bahia, ganha 1 salário mínimo. Assim, pertence ao grupo dos 40% mais ricos do seu Estado. O mesmo aconteceria se morasse em Alagoas, no Amapá, no Ceará ou no Piauí. Se morasse no Maranhão, estaria no um terço mais rico.

Ricardo, que mora sozinho em Santa Catarina, também ganha 1 salário mínimo. Por isso, está no grupo dos 20% mais pobres do seu Estado, o que também ocorreria se morasse em São Paulo.

Aumentos do salário mínimo permitem, de um lado, que Vagner aumente sua renda e gaste mais na pobre economia de sua região. De outro, aumentam a chance que perca a carteira assinada, se juntando aos conterrâneos desempregados ou informais.

Ademais, aumentos no salário mínimo naturalmente têm dificuldade de chegar em quem ganha abaixo do salário mínimo, ou não ganha nada. Na Bahia, o desemprego é de 17%. É a maior taxa do País.

Na Santa Catarina de Ricardo, é de 6%, a menor. Aumentos do salário mínimo poderiam ajudar mais os trabalhadores de baixa renda desse Estado. Se na Bahia 3 em cada 5 pessoas têm renda inferior ao mínimo, em Santa Catarina, 4 em cada 5 ganham mais do que ele.

As preocupações com desemprego e informalidade, por encarecer a contratação, são menos fundadas se o desemprego é baixo. Os efeitos positivos do aumento do salário mínimo são mais claros se os trabalhadores que o recebem de fato estão na pior parte da distribuição de renda.

Há outra desigualdade: o custo de vida é muito menor em regiões mais pobres, como a Bahia, do que nas mais desenvolvidas, como Santa Catarina.

Mas o salário mínimo é nacionalmente unificado no Brasil. Para aumentá-lo em benefício de Ricardo, a regra também valeria para Vagner, que mora e trabalha em uma região onde a carteira assinada já é incomum, arriscando piorar a situação. Para complicar, seu aumento também provoca um elevado custo para as contas da União, ainda que ela quase não empregue ninguém ganhando o salário mínimo.

É que no Brasil o salário mínimo é o piso da Previdência e de parte dos benefícios trabalhistas e assistenciais. Somente no INSS, um aumento de 10% no salário mínimo provoca variação no gasto equivalente à toda a despesa com o Bolsa Família.

Na verdade, o salário mínimo é fundamentalmente uma política previdenciária, mais que uma política de mercado de trabalho. Para cada Vagner ou Ricardo recebendo o mínimo na carteira assinada, existem vários brasileiros recebendo o mínimo no INSS.

Chegamos a outra ineficiência desse arranjo: pelo elevado custo para as contas federais, aumentos do salário mínimo tendem a contar com a oposição do Poder Executivo.

O salário mínimo deve continuar sendo igual em Santa Catarina e na Bahia, em que a distribuição de renda, o desemprego e o custo de vida são tão diferentes e, portanto, os efeitos de uma política de valorização são divergentes? Deve continuar havendo total equivalência entre assalariados e beneficiários da Seguridade?

Em outros países de larga extensão territorial, o salário mínimo não é nacionalmente unificado – como demanda nossa Constituição. O caso mais saliente é o dos EUA, mas há também os de Canadá, China, Índia e Indonésia.

Em uma visão otimista, um novo arranjo como o desses países permitiria que regiões mais ricas elevassem a renda de seus trabalhadores mais pobres sem aumentar o desemprego em regiões menos desenvolvidas que, ao contrário, poderia ser menor com o passar dos anos. Permitiria também que a União tivesse mais graus de liberdade nas áreas fiscal e social, destinando mais recursos para o combate à miséria.

O salário mínimo estadual reduziria a pobreza?

Duas mudanças desde 1988 flexibilizaram a unificação da Constituição. O governo FH permitiu que Estados tivessem pisos específicos para categorias. No governo Temer, o trabalho intermitente permitiu ajuste na quantidade de horas contratadas, atenuando o risco de demissão em caso de alta elevação do salário mínimo.

Duas notícias desta semana apontam para a relevância da discussão. A primeira é que, no envio do Orçamento, o governo previu salário mínimo de R$ 1.039, ou seja, reajustado somente pela inflação. Assim, diante da pressão fiscal e do alto desemprego, não seria renovada a política de valorização. Por enquanto, a política para o mínimo é então uma política tácita.

A segunda é a apresentação do embrionário Renda Brasil, bem-vinda proposta de fortalecimento do Bolsa Família focado nas famílias mais miseráveis: as com crianças. O Bolsa não é vinculado ao salário mínimo: paga benefícios tão baixos como de R$ 40 mensais e sobram menos recursos sempre que o gasto previdenciário sobe.

A discussão não é só tecnocrática como é triste. Infelizmente, o mínimo está longe de ser o mínimo. (O Estado de S. Paulo – 03/09/2019)

Pedro Fernando Nery, doutor em Economia e consultor legislativo

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