Violência: Homicídios caem em 22 unidades da federação, diz jornal

Taxa de homicídios cai em 21 estados e no DF

AÇÃO DE GOVERNOS E GUERRA MENOS LETAL DE FACÇÕES ATENUAM TRAGÉDIA

MARCO GRILLO E ALINE RIBEIRO – O GLOBO

Há dois anos, o Brasil enfrentava o ápice das taxas de violência. Uma guerra entre as duas principais facções do crime organizado do país, que começou nos presídios e se estendeu para fora deles, elevou o número de assassinatos para a faixa dos 60 mil em 2017, quase sete a cada hora, evidenciando ainda mais a urgência de uma ação do poder público para conter os homicídios. Em 2018, ano seguinte ao recorde, os dados oficiais apresentaram os primeiros sinais de queda no âmbito nacional: houve 13% a menos de mortes violentas intencionais (soma de homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) em comparação com 2017.

O movimento de redução continuou em 2019 — de janeiro a abril, a diminuição registrada foi de 20%, levando-se em consideração também os quatro primeiros meses do ano passado. O número de homicídios caiu em 21 estados e no Distrito Federal.

Ao longo deste mês, O GLOBO abriu dados públicos, cruzou estatísticas e entrevistou especialistas no tema com atuação em entidades da sociedade civil, o atual secretário nacional de Segurança Pública e um ex-ministro da área em busca de possíveis explicações para a queda. O diagnóstico comum que começa a ser apresentado a partir de hoje em uma série de reportagens é o de que não há um fator único capaz de justificar o fenômeno, e que tampouco houve um plano nacional que já possa justificar os resultados.

Ações específicas de governos estaduais, como os investimentos em uso de dados no Ceará (leia mais na página ao lado) e o empenho de mais efetivo policial nas ruas, casos de Rio e Pernambuco, compõem parte da explicação. Juntos, os três estados contribuíram com 45% da redução nacional no início deste ano, em relação ao período de janeiro a abril de 2018 — os 27 governos estaduais respondem por cerca de 80% dos gastos totais com segurança no país. Os dados de mortes violentas intencionais usados na reportagem foram coletados no Sistema Nacional de Informações da Segurança Pública (Sinesp), mecanismo do Ministério da Justiça e Segurança Pública que checa informações enviadas pelos estados.

— Diferentes estados implementaram políticas de segurança, com integração e reforma entre as polícias, melhorando a coleta de dados e investindo mais em inteligência. Em 2018, houve maior emprego de forças policiais. Seja com a contratação de mais efetivo, como em Pernambuco, ou pela intervenção federal, no Rio. Isso tem efeito nos indicadores — analisa a diretora de programas do Instituto Igarapé, Melina Risso. —É preciso ver se há tendência de queda ou se é um ponto fora da curva.

Há também fatores independentes das ações efetivas dos governos. Mudanças na dinâmica de atuação do crime organizado são apontadas como um deles. As duas principais facções do país romperam uma trégua em 2016, o que resultou em massacres nos presídios e aumento da violência nas ruas no ano seguinte. Depois do ápice, há um novo período de distensionamento em curso.

— Há explicações múltiplas, como ajustes do mercado da droga e da arma, acomodação das guerras que aconteceram. No panorama local, há questões que têm a ver com a dinâmica do crime organizado e das políticas públicas. Mas, quando vemos a questão da violência, o que está caindo são crimes que têm a ver com a dinâmica do crime organizado. Feminicídios e mortes decorrentes de intervenção policial crescem — aponta o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.

ENVELHECIMENTO

Ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann cita a atuação dos estados como fator principal e acredita que os governadores entenderam que em 2018, ano eleitoral, a manutenção do poder político estaria diretamente ligada às ações de combate à violência. A instalação de centros integrados, com presença de representantes de diferentes forças policiais e outras instâncias de governo, é outro fator que ajuda a explicar o fenômeno —as estruturas foram criadas no escopo dos eventos esportivos que o país recebeu nos últimos anos.

Além disso, no plano federal, a implementação no governo Temer do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que criou metas e obrigou estados a apresentar seus resultados na área, pode ter seu papel na redução, segundo Jungmann.

— Houve a atualização de equipamentos e a maior integração entre os órgãos. Houve melhoria em termos de inteligência, porque havia a possibilidade de convivermos com terrorismo — destaca o ex-ministro.

O atual secretário nacional de Segurança Pública, Guilherme Theophilo, acrescenta que o uso da tecnologia e o levantamento das manchas criminais nos municípios têm permitido que a atuação policial se antecipe às ações criminosas. Para Theophilo, as transferências de chefes do crime organizado para penitenciárias federais, efetivadas este ano, também colaboraram para a redução. Os principais nomes da facção originada em São Paulo e com atuação em outros estados foram levados para presídios em Rondônia e no Rio Grande do Norte no início do ano. O regime prisional imposto interrompe as visitas, tornando mais difícil a chance de os chefes dos bandos transmitirem ordens.

— A rigidez dentro das penitenciárias federais e o advento da força-tarefa de intervenção prisional (em unidades de Roraima, Amazonas e Pará) dão a tranquilidade de que os presídios não serão mais os quartéis do crime —afirma.

A mudança de perfil demográfico da população brasileira, ainda que seja uma transição lenta, é mais um item citado por especialistas. Como os homicídios estão concentrados, sobretudo, na parcela que tem entre 15 e 29 anos, o envelhecimento da população, por si só, atuaria como um fator redutor. Projeções do IBGE apontam que, entre 2000 e 2030, a proporção de homens jovens cairá até 25%. De acordo com a edição mais recente do Atlas da Violência, esta condição “exercerá um papel de extrema relevância a favor da redução de homicídios”.

Especialistas refutam a relação entre o aumento das mortes por intervenção policial e a queda geral nos assassinatos. No Rio, as forças policiais foram responsáveis por 30% de todas as mortes violentas este ano.

— Existe a interpretação fácil de que os homicídios caem porque a polícia está matando mais. Mas os dados por delegacia mostram que não há essa relação —explica Joana Monteiro, professora da FGV e ex-diretora do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio. (O Globo – 25/08/2019)

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