STF reage, proíbe destruição e pede cópia de conversas da Lava Jato hackeadas
Alexandre de Moraes suspende investigações da Receita contra ministros do Supremo após novas mensagens apontarem cerco de Deltan
Reynaldo Turollo Jr., Thais Arbex e Mônica Bergamo – Folha de S. Paulo
Na retomada dos trabalhos após o recesso de julho, o STF (Supremo Tribunal Federal) reagiu nesta quinta-feira (1°) às novas revelações de mensagens de autoridades, incluindo de integrantes da Lava lato, que mostram colaboração entre o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, e o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa.
Dois ministros, Luiz Fux e Alexandre de Moraes, tomaram medidas judiciais. Outros, como Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, criticaram os procuradores da Lava Jato. Nos bastidores, ministros avaliaram que era preciso uma resposta dura e imediata.
A reação ocorreu no mesmo dia em que mensagens publicadas pela Folha, em parceria com o site The Intercept Brasil, revelam que, em 2016, Deltan incentivou colegas a investigar Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo.
Fux concedeu liminar — decisão provisória — para determinar que sejam preservadas as mensagens apreendidas com os suspeitos de terem hackeado celulares de autoridades como Moro. A Polícia Federal prendeu quatro pessoas na semana passada.
Conforme a Folha antecipou, Moro informou autoridades alvos dos hackers que as mensagens, obtidas pelo grupo preso, seriam destruídas.
A comunicação provocou a reação de ministros do STF e de especialistas em direito, que afirmaram que a decisão de destruir ou não o material não cabe ao ministro da Justiça, mas ao Judiciário.
Fux atendeu a um pedido do PDT para proibir o descarte das mensagens. A decisão ainda precisa passar pelo plenário do Supremo, composto pelos 11 ministros.
Além de proibir a destruição das mensagens, Fux pediu acesso a todo o material, que passará aos cuidados do STF de forma sigilosa.
“Há fundado receio de que a dissipação de provas possa frustrar a efetividade da prestação jurisdicional, em contrariedade a preceitos fundamentais da Constituição, como o Estado de Direito e a segurança jurídica”, escreveu.
Fux determinou que se remeta a ele “cópia do inteiro teor do inquérito relativo à referida operação, incluindo-se as provas acostadas, as já produzidas e todos os atos subsequentes que venham a ser praticados”.
O ministro foi citado em uma das mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil, que as publica desde junho.
Conforme as mensagens, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba, relatou a colegas uma conversa em que o ministro teria declarado que a força-tarefa poderia contar com ele “para o que precisar”.
Numa conversa com Deltan, o então juiz Moro escreveu: “In Fux we trust [em Fux nós confiamos]”.
Também nesta quinta, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão imediata de procedimentos investigatórios instaurados na Receita Federal que atingiram ministros da corte e outras autoridades. Para Moraes, há “graves indícios de ilegalidade no direcionamento das apurações em andamento”.
Além da suspensão, Moraes decidiu afastar temporariamente dois servidores da Receita por indevida quebra de sigilo apurada em procedimento administrativo disciplinar.
A decisão é uma reação à reportagem publicada pela Folha, em parceria com o site The Intercept Brasil, com mensagens que revelam que Deltan incentivou colegas a investigar Toffoli
Em um dos diálogos, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba sugere que recebeu da Receita informações sobre pesquisas em andamento nas contas do escritório de advocacia da mulher de Toffoli, Roberta Rangel.
“São claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos”, afirmou Moraes.
O ministro também pediu informações detalhadas sobre os critérios que levaram a Receita a realizar a fiscalização de 133 contribuintes e pediu esclarecimentos sobre eventual compartilhamento dessas informações com outros órgãos.
Moraes ainda criticou a Receita por ter informado ao Supremo Tribunal Federal que baseou-se em “notícias da imprensa”.
A decisão ocorreu no âmbito de um inquérito aberto em março para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte. A investigação também foi prorrogada por mais 180 dias.
Na manhã desta quinta, ministros atuaram para que a reação às novas mensagens divulgadas viesse nesse inquérito. Magistrados passaram as primeiras horas do dia discutindo a melhor maneira.
De acordo com relatos feitos à Folha, os ministros criticaram duramente a atuação de Deltan, que, na avaliação deles, passou a usar a operação de combate à corrupção como instrumento de intimidação.
Conforme as mensagens, Deltan buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher, Roberta Rangel, e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com o esquema de corrupção na Petrobras.
A Constituição determina que ministros do Supremo não podem ser investigados por procuradores da primeira instância, como Deltan e seus colegas.
Após a publicação das conversas, o ministro Gilmar Mendes disse à coluna Mônica Bergamo que o aparato judicial brasileiro vive sua maior crise desde a ditadura.
Pouco depois, Gilmar voltou a criticar o uso da Receita e, sem mencionar o nome de Deltan, comparou sua atuação a “conversa de botequim”.
“Isso virou um jogo de conversa de botequim, quando o procurador diz assim: ‘Eu tenho uma amiga na Receita que me passa informações’. Coloquem-se cada um de vocês nessa situação. Que segurança o cidadão tem? Quando isso se faz com o presidente do Supremo Tribunal Federal, o que não serão capazes de fazer com o cidadão comum?”, disse.
O ministro Marco Aurélio Mello também fez críticas aos procuradores.
“Isso é incrível, porque atua no STF o procurador-geral da República. É inconcebível que um procurador da República de primeira instância busque investigar atividades desenvolvidas por ministro do Supremo”, disse Marco Aurélio.
Segundo o magistrado, “o problema do Brasil é que não se observa a lei”.
Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Lava lato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.
As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, revelam que o então juiz Sergio Moro atuou em parceria com os procuradores em diferentes processos, aparentemente sem a imparcialidade diante de acusação e defesa exigida a um magistrado segundo as regras do Judiciário.
Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele podem ser anuladas. Isso inclui o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado no segundo semestre deste ano.
Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, senão o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.
Já o Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.
Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.