Rosângela Bittar: Quase primavera

Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, demonstrou, no centro do programa “Roda Viva”, segunda-feira, que está sabendo muito bem o que fazer, o que dizer, para onde ir. Provou conhecer suas possibilidades, suas condições para buscá-las, a função de hoje e o que ela promete ao futuro. Rodrigo Maia tem um discurso, um programa, uma ação bem delineada e é hoje, mais do que sempre foi em outras rodadas, um dos candidatos a presidente da República para concorrer com Jair Bolsonaro. Está bem situado no grid, neste momento em que, aproximando-se a primavera, o circuito político parece mais claro.

Intensificam-se, também, as evidências de movimentação do apresentador Luciano Huck, no sentido de manter acesa a chama da sua candidatura, que quase foi em 2018 e que muito poderá ser em 2022. Estava mais engajado na política do que deixava transparecer, antes, não custa estar camuflando a mesma disposição agora. Perdê-lo de vista, só porque parece integralmente dedicado às atividades de entretenimento, é um equívoco. Huck se movimenta para o diálogo com pessoas respeitáveis da política, em diferentes Estados, abrindo espaço na disputa nacional.

João Doria (PSDB), governador de São Paulo, é o candidato mais óbvio e declarado à procura de um discurso e um projeto. Ainda contraditório, ainda sem adesões muito firmes fora do seu partido, mas vai pavimentando o espaço da disputa.

Que também pode se abrir novamente para João Amoêdo (Novo), o candidato da última campanha presidencial cujo desempenho foi crescendo mais para o final da campanha, quando se fez notar diante da polarização entre extremos que um grande contingente do eleitorado recusava. No momento, está jogando sem sair do lugar mas atento ao desempenho do governo de Minas, vitrine do seu partido.

O centro parece aparentemente congestionado, mas não está. Tem os nomes citados e outros, todos com capacidade de crescer, ao contrário do último pleito em que seus candidatos não saíam do lugar por desgaste da política.

À esquerda a situação está menos definida. O principal partido, o PT, ainda gravita em torno de Lula, tenta mudar a governança interna e viu sua tentativa de apresentar uma proposta nova de política econômica para um futuro próximo ser atropelada pelos fatos judiciais que sufocam seu dirigente máximo. O ex-presidente tem os votos mas não tem ainda a liberdade. E não quer sair da prisão enquanto não a conquistar plenamente. Esta semana mandou dizer, segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, que com tornozeleira eletrônica não sai, não quer ser libertado pela metade. Lula quer todos os sinais exteriores que possam lhe dar, na biografia, o atestado de bons antecedentes.

Com o PT em impasse, começa a tomar forma, novamente, a candidatura Ciro Gomes, pela esquerda. Se Lula tiver juízo, desta vez, o apoiará. Quando propõe o afastamento de parlamentares que desobedeceram ao partido e votaram a favor da reforma da Previdência, Ciro está dando gás e significado ao projeto da sua candidatura, à esquerda. É arriscado, pode perder o apoio da turma de jovens parlamentares, entre eles os do PDT, que ficaram próximos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mas está tentando delinear princípios que possam defini-lo melhor para o eleitor. A ideologia, acredita, o distinguirá com mais precisão.

E há direita fortalecida nacional e internacionalmente, por enquanto com um candidato radical, agressivo, raivoso, vingativo, cujo estilo continua a agradar seus seguidores de têmpera semelhante. É um grupo numeroso, embora hoje já não tenha ao seu lado todo o eleitorado antipetista.

É possível que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal capitalizem as reformas econômicas mais que Jair Bolsonaro, que nelas não se empenhou exatamente porque seu eleitorado não está ligando nada para governo.

A campanha de Bolsonaro nunca se concluiu, é um moto contínuo dos mesmos assuntos que vai deixando seu governo à matroca. Mas quem se importa? A economia é do presidente Paulo Guedes e não do presidente Bolsonaro. As reformas são dos presidentes Maia e Alcolumbre e não do presidente Bolsonaro.

Não dá para classificar agora o Jair Bolsonaro que vai disputar a reeleição. Como não deu para apontar-lhe um perfil político na primeira candidatura. Não se pode dizer, sequer, que ele foi o baixo clero do Congresso e assim chegou ao poder. O baixo clero tem uma característica política, voz, rosto, objetivos, tem rumo, e um caminho que trilha seja em que partido for. Um baixo clero jamais diria que ama Donald Trump, jamais cometeria harakiri entregando ao próprio filho sem qualificação adequada a principal embaixada da carreira diplomática do país. Não é típico de um baixo clero romper com o país vizinho principal, a Argentina, em declaração retórica agressiva sem medir consequências. A reação de Alberto Fernández, que o qualificou como racista, misógino e violento, será deglutida com facilidade pelo estilo Bolsonaro de ser, e outro ataque seu acalentará sua emoção, sem dramas existenciais ou políticos.

É assim que seguirá para a disputa de 2022: personalista, individualista, como se mantém na Presidência neste primeiro mandato, interlocutor de si mesmo, tratando primeiro dos interesses pessoais seus e da família. Seus temas serão os que mobilizam e encantam seu eleitorado, desde sempre.

O que ele fala da Receita Federal tem fundamento, a atuação da Receita é arbitrária e suas regras absolutamente injustas e em muitos casos irracionais. Como é individualista, em lugar de corrigir as regras, prefere atacar a instituição, se possível exterminá-la. O mesmo se dá nas questões das multas de trânsito, prefere acabar com o controle eletrônico a determinar o fim das pegadinhas que caracterizam a indústria da multa. Bolsonaro propõe, em tudo, retirar o sofá.

É também o governo da retaliação, como fez ao antecipar para imediatamente a entrada em vigor da lei que sancionou em março dando prazo de dois anos para as empresas de comunicação se adaptarem à perda da receita dos balanços. Temendo que sua vingança não fosse percebida como tal, tratou de explicitar o seu significado, atitude que facilitou a compreensão da dimensão do governo e dele próprio.

Se Bolsonaro presidente é fruto dos erros do PT, principalmente, e dos governos dos partidos que o antecederam, como definiu Rodrigo Maia, os erros de Bolsonaro, agora, poderão dar frutos para os demais candidatos nas próximas eleições. Basta que tenham aprendido as lições. (Valor Econômico – 14/08/2019)

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras – E-mail: rosangela.bittar@valor.com.br

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