Com voto de Dodge, conselho do MP barra nome do governo para comissão
JAILTON DE CARVALHO – O Globo
BRASÍLIA
O Conselho Superior do Ministério Público Federal rejeitou a indicação, feita pelo governo Bolsonaro, do procurador da República Ailton Benedito para a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Por seis votos a quatro, o conselho firmou o entendimento de que houve pelo menos dois erros formais na tentativa do governo de emplacar Benedito, militante bolsonarista, no cargo já ocupado hoje pelo também procurador Ivan Garcia Marx. Um dos votos decisivos foi o da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que mudou de posição sobre o tema.
A decisão ocorre no momento no qual o presidente Jair Bolsonaro busca um nome para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR) e cogita apontar ao posto alguém fora da lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O favorito, no momento, é o subprocurador Augusto Aras, que não disputou a eleição. Dodge, que também não concorreu na votação interna do MPF mas vinha articulando sua recondução, passa ater chances mais reduzidas, ainda mais depois de votar contra o governo ontem.
A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos teve a sua composição alterada na semana passada, com a mudança de quatro dos sete integrantes. A lei que trata do grupo afirma que os cargos são “de livre escolha e designação” do presidente, mas
impõe pré-requisitos para quatro vagas: um deve ser membro do Ministério Público Federal; um da comissão de Direitos Humanos da Câmara; um que tenha vínculo com familiares mortos ou desaparecidos durante a ditadura militar; e outro do Ministério da Defesa.
O Conselho Superior entendeu que a indicação de Benedito para substituir Marx é irregular porque teve como origem um convite do secretário de Proteção Global do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Sergio Augusto de Queiroz, enquanto, pela lei, o ato deveria ser do presidente da República. Mas, para o Conselho, mesmo que a indicação fosse de Bolsonaro, ainda seriam necessárias a aprovação da procuradora-geral e do próprio Conselho Superior. O argumento é que a Constituição dá autonomia administrativa ao MPF, o que incluiria a movimentação funcional de um procurador.
— A disposição da lei não prevalece sobre a Constituição. Então, a indicação deve ser avalizada pela procuradora-geral e pelo Conselho Superior —explicou, ao GLOBO, o subprocurador-geral Nicolao Dino, autor do primeiro voto contra Benedito.
Ailton Benedito faz campanha no Twitter contra a esquerda e a favor da atuação de militares durante a ditadura. A votação da indicação teve início na sessão anterior do conselho, em 4 de junho, e estava cinco a zero a favor dele. Na retomada dos debates, Dino observou que o atual representante do MPF na comissão, Ivan Marx, ainda não foi destituído. Foi com esse argumento que Dodge justificou sua mudança de posição.
O vice-procurador-geral, Luciano Maia, fez o voto mais contundente contra indicação de Benedito:
— Desaparecidos e mortos não são fatos daquele período duro da ditadura apenas. Mortos e desaparecidos doem ainda hoje.
PLANO DE REAÇÃO
A rejeição ocorre em um momento de turbulência no MPF. Há uma forte resistência na categoria à possibilidade de Bolsonaro indicar como novo PGR um nome de fora da lista tríplice da ANPR. Nos grupos de mensagens dos procuradores, já são discutidas formas de protesto caso não seja respeitada a lista. Algumas das possibilidades aventadas são organizar um ato no dia da posse, com os participantes se colocando de costas para o novo PGR,e a recusa para ocupar cargos do alto escalão da gestão.
O risco de despertar a revolta da categoria é um dos argumentos apresentados por interlocutores de Bolsonaro para ponderar ao presidente a possibilidade de considerar um nome da lista. Um auxiliar da área jurídica do Planalto avalia que, mesmo se o novo PGR quiser alinhar a gestão aos interesses de Bolsonaro, não teria à disposição nomes suficientes para ocupar cargos de nomeação exclusiva para subprocuradores. Com isso, pondera esse auxiliar, seria impossível ao PGR “controlar” totalmente áreas como a de direitos humanos e a de meio ambiente, como quer o governo. (Colaboraram Aguirre Talento e Gustavo Maia).