Verdades incômodas que precisam ser ditas: o bolsonarismo e o lulismo são fenômenos idênticos, siameses, espelhados à direita e à esquerda, que se retroalimentam e contaminam a democracia com muito ódio, preconceitos, intolerância e ideologias igualmente ultrapassadas. É um monstro de duas cabeças que aterroriza o Brasil com seus seguidores fanáticos, interdita o debate e impede a renovação saudável do ambiente político.
Mas todo esse despreparo, a inaptidão, a irresponsabilidade, a boçalidade e a inépcia de Jair Bolsonaro na função de Presidente da República, governando apenas para a sua bolha direitista, conservadora e retrógrada, enquanto elege toda a sociedade não idiotizada do país e as instituições democráticas e republicanas como inimigas, aponta para uma tragédia anunciada.
Cada ataque desferido por Bolsonaro e pelo seu desgoverno de lunáticos contra as liberdades individuais e coletivas ou contra o estado de direito, é um tiro no pé do Brasil e uma ação irresponsável que o afasta cada vez mais de qualquer possibilidade mínima de convivência pacífica e civilizada com os não convertidos e com os opositores declarados, que crescem a cada bobagem dita.
Assim como Bolsonaro cresceu e surfou na rejeição ao petismo, ele vai acabar conseguindo, na direção contrária, a proeza de ressuscitar Lula e o PT. Este é o resultado óbvio dessa polarização simbiótica entre as duas faces de uma mesma moeda desgastada e desvalorizada da velha política. E às vezes parece que é isso mesmo que ambos querem: manter viva essa rixa ideológica nas ruas, nas redes e na mídia, para que ambos sigam se beneficiando eleitoralmente, ora como protagonistas, ora como antagonistas.
O bolsonarismo é cria direta do antipetismo. Culpa única e exclusiva dos erros do próprio PT e do sentimento de traição à esperança que havia despertado no brasileiro. Isso porque Lula custou a chegar ao céu politicamente, mas acabou no caminho inverso até o inferno. Se antes enfrentou e venceu todos os preconceitos existentes contra o pau-de-arara e ex-sindicalista sem formação escolar, sendo eleito e reeleito presidente (após três tentativas) e repetindo a mágica com a limitadíssima Dilma Rousseff, depois voltou a despencar para as trevas com os escândalos de corrupção do seu partido e a cadeia.
Quando dizemos que Bolsonaro é o meme que se elegeu presidente, não é maldade nem exagero. Personagem dileto de programas de TV como os humorísticos Pânico e CQC ou dos debates bizarros de Luciana Gimenez, exatamente por encarnar esse tipo meio folclórico, meio paspalho, ele acabou personificando toda a rejeição ao PT e às esquerdas por estar no lugar certo e na hora certa, até como vítima do atentado à faca por um transtornado ex-filiado do PSOL. Símbolo da direita, foi o que bastou para elegê-lo: mito dos descerebrados e avessos à política tradicional.
Lulistas e bolsonaristas se assemelham em tudo: nos gestos, nas palavras, nas ações. E levantam a bola um do outro ao escolher o opositor como alvo preferencial. A cada #EleNão na campanha ou deboche do #LulaLivre, mais fermento para os dois extremos da polarização. Um presidente ameaça de cadeia o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil. Outro ameaçou de extradição o jornalista norte-americano Larry Rohter, correspondente do The New York Times.
Ambos buscam criar a narrativa mais conveniente, mesmo quando alheia aos fatos, nem que para isso seja necessária uma reinterpretação da história para atender a sua ideologia. Ambos fazem uso de milícias virtuais no assassinato de reputações, na guerra de versões e na difusão de fake news. Ambos demonstram repulsa pelo jornalismo tradicional, tachado por uns de “mídia golpista” e por outros de “extrema imprensa”, substituído estrategicamente por blogueiros sujos, tuiteiros e youtubers levianos a serviço do governo da ocasião.
Tentam provar a associação de petistas com o PCC. Por outro lado, estão aí as evidências da ligação de bolsonaristas com milicianos. Uns denunciam que crimes como os de Celso Daniel ou Toninho do PT foram acobertados para proteger figurões do partido. O mesmo se diz, na mão inversa, sobre o mistério que cerca o assassinato da vereadora Marielle, envolvendo políticos e policiais. E aparecem conluios, laranjas, esquemas, privilégios, corrupção nos três poderes.
Aonde tudo isso vai parar? Ninguém sabe. Mas é preciso desenhar para todo mundo entender: É possível ser ao mesmo tempo crítico do lulismo e do bolsonarismo. Ser oposição a Bolsonaro não nos torna lulistas. E vice-versa: eu posso me opor ao Lula e ao PT sem me tornar um bolsonarista (Deus me livre!). A democracia e a boa política clamam por diálogo, civilidade, tolerância, planejamento, fiscalização, ação. Que os democratas se façam presentes!
Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do #Cidadania23 em São Paulo, líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do #BlogCidadania23 e apresentador do #ProgramaDiferente.