Nas entrelinhas
“Apoiadores de Moro fazem uma dura campanha contra Toffoli e, principalmente, Gilmar Mendes, que subiu o tom nas entrevistas contra a Lava-Jato”
O transfere-não-transfere o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Superintendência de Polícia Federal em Curitiba para o Presídio de Tremembé, em São Paulo, foi mais um capítulo da queda de braços entre a força-tarefa da Lava-Jato e o Supremo Tribunal Federal (STF), no qual promotores federais e juízes de primeira instância deixaram na maior saia justa os ministros da Corte. A transferência foi decidida de forma tão repentina que o Supremo suspendeu a medida por 10 votos a um, o do ministro Marco Aurélio Mello, depois de a medida contra o petista ter provocado forte reação da Câmara, que chegou a interromper a votação da reforma da Previdência para que 80 deputados pudessem comparecer ao Supremo e pedir para que Lula continuasse preso em Curitiba, onde cumpre pena de mais de 12 anos de prisão.
A defesa de Lula recorreu ao Supremo depois que o juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, da Justiça estadual de São Paulo, decidiu que o ex-presidente cumpriria pena em Tremembé. Essa decisão foi tomada horas depois de a juíza federal do Paraná Carolina Lebbos emitir ordem de transferência de Lula de Curitiba para um presídio paulista. Depois de uma audiência com deputados que havia sido solicitada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, decidiu, em caráter de urgência, submeter o recurso de Lula ao plenário do tribunal, que estava reunido para julgar uma ação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A decisão dos ministros foi tomada em meia hora. Resolveram manter Lula em Curitiba até que a Segunda Turma do STF conclua o julgamento de um pedido de suspeição contra o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, na condução do processo do triplex do Guarujá (SP), no qual o petista foi condenado. Relator da Lava-Jato no STF, o ministro Edson Fachin foi o primeiro a votar a favor da suspensão da decisão da juíza do Paraná e da manutenção do petista em uma cela especial no Paraná ou em São Paulo. Rejeitou, porém, o pedido da defesa de que o ex-presidente fosse colocado em liberdade até a conclusão da análise do habeas corpus. O voto de Fachin foi acompanhado por outros nove ministros.
Até a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao se pronunciar sobre o pedido, defendeu que Lula não fosse transferido para um presídio comum, permanecendo preso na Superintendência da PF em Curitiba. Marco Aurélio Mello votou contra por questionar a inclusão do recurso na pauta do plenário do STF, com o argumento de que a decisão de manter Lula em uma cela especial caberia à Segunda Turma do tribunal, colegiado composto por cinco dos 11 magistrados da Corte. Classificou a decisão como queima de etapas.
Segunda Turma
Nos bastidores do Judiciário, o episódio é visto como uma escalada na disputa do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e dos procuradores da força-tarefa de Curitiba com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente o presidente da Corte, Toffoli. Como se sabe, a Segunda Turma do STF, formada pelos ministros Cármen Lúcia, presidente, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin ainda não concluiu o julgamento de um pedido de suspeição de Moro na condução do processo do triplex de Guarujá (SP), no qual Lula foi condenado, quando o atual ministro era o juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. A maioria da Turma é “garantista”, ou seja, prioriza o direito de defesa e as prerrogativas dos réus.
Na ação, a defesa aponta parcialidade do ex-juiz no julgamento e, em razão disso, pede que o ex-presidente seja libertado. O vazamento das conversas entre Moro e os procuradores da Lava-Jato durante o julgamento do ex-presidente Lula pelo Telegram, que foram hackeadas e estão sendo divulgadas pelo site The Intercept Brasil, para alguns ministros, revelou a violação dos princípios da impessoalidade e imparcialidade durante o julgamento, o que alimenta especulações de que o processo será anulado em razão do desrespeito ao devido processo legal. Consequentemente, Lula seria solto. Em razão desses rumores, os apoiadores de Moro fazem uma dura campanha contra Toffoli e, principalmente, Gilmar Mendes, que subiu o tom nas entrevistas contra a Lava-Jato, ao saber que estava sendo supostamente investigado pela força-tarefa, o que seria uma ilegalidade.
Duas decisões monocráticas de Toffoli tensionam os ministros do Supremo: a abertura de inquérito para investigar o vazamento de dados da Coaf (Comissão de Controle das Atividades Financeiras), conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes sem a participação do Ministério Público Federal, e a suspensão — a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que estava sendo investigado em razão do caso Queiroz — de todas as investigações da Polícia Federal com base em informações sigilosas fornecidas pela Coaf, sem a devida autorização judicial. (Correio Braziliense – 08/08/19)