Guerra comercial se agrava, e mercados refletem tensão
Bolsas dos EUA têm o pior dia do ano com intensificação da guerra comercial; dólar dispara e fecha a R$ 3,96
Folha de S. Paulo
A guerra comercial entre os EUA e a China entrou em uma fase mais perigosa nesta segunda-feira (5), quando Pequim permitiu que sua moeda se desvalorizasse, as empresas chinesas suspenderam compras de produtos agrícolas americanos e o Departamento do Tesouro do governo Donald Trump americano qualificou o país asiático de “manipulador cambial”
A escalada abalou os mercados, com investidores buscando lugares seguros onde deixar seu dinheiro e fugindo dos mercados emergentes.
Wall Street sofreu seu pior dia do ano, com o índice S&P 500 fechando em queda de quase 3%. As vendas foram especialmente pesadas no setor de tecnologia, sensível ao comércio internacional, nos bens de consumo discricionário e nos setores industriais.
A Apple, que tem grande parte de sua produção na China, perdeu US$ 69,2 bilhões em valor de mercado desde o anúncio de Trump, na quinta-feira (1°), de que imporia tarifas de 10% sobre mais US$ 300 bilhões em produtos chineses.
O rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA, que sobe em contraposição à redução dos preços dos papéis, caiu, quando os investidores saíram em busca de segurança.
Os principais índices da Ásia e da Europa também caíram a A Bolsa de Londres caiu 2,47%, a de Paris, 2,2%, e a de Frankfurt, 1,8%.
O índice CSI300, que reúne as Bolsas chinesas de Xangai e Shenzhen, recuou 1,9%. Tóquio caiu 1,7% e Hong Kong teve uma queda mais expressiva, de 2,85%, pressionada pela greve geral desta segunda.
Com o Brasil não foi diferente: a Bolsa quase perdeu o patamar de 100 mil pontos, atingido pela primeira vez em 19 de junho, e fechou a 100.097 pontos após um tombo de 2,5%. O dólar avançou 1,60% e fechou a R$ 3,9560, maior cotação desde 30 de maio, quando amoeda bateu R$ 3,98.
As commodities também foram impactadas pelo receio da desaceleração da economia com a piora da guerra comercial. O minério de ferro recuou 4,86%, a US$ 100,55, menor patamar desde junho. As ações da Vale acompanharam e cederam 3,84%, a R$ 46,00.
O barril de petróleo Brent caiu 3%, a US$ 59,97, também o menor valor desde junho. As ações preferenciais, mais negociadas, da Petrobras recuaram 3,65%, a R$ 25,55.
No domingo (4), o banco central da China permitiu que sua moeda caísse abaixo da barreira dos 7 yuans por dólar, uma marca psicologicamente importante, pela primeira vez em uma década.
Numa declaração franca, o banco culpou o “unilateralismo e medidas de protecionismo comercial e a imposição de tarifas ampliadas sobre a China” por Trump pela queda.
No fim da tarde desta segunda, Tesouro dos EUA adotou medida incomum de rotular a China como um manipulador de moeda —a primeira vez que o fez desde 1994.
A ação, basicamente simbólica, exige que os EUA consultem o FMI (Fundo Monetário Internacional) para tentar eliminar vantagens que medidas monetárias deem a um país. Mas a China deverá encarar a medida como uma repreensão e aumentar ainda mais a tensão pressões entre os países.
A decisão de Trump de impor tarifas adicionais a produtos chineses também levou as empresas da China a suspender a compra de produtos agrícolas americanos, de acordo com a agência estatal de notícias Xinhua, que classificou as tarifas propostas pelo presidente como uma “séria violação” do acordo a que ele chegou em junho com o dirigente chinês, Xi Jinping.
As posições endurecidas sublinham o caminho duro para a resolução da disputa comercial, que começou a causar danos à economia mundial.
Negociadores americanos e chineses se reuniram em Xangai na semana passada, no primeiro encontro face a face desde o colapso das negociações comerciais em maio, mas fizeram pouco progresso na solução das diferenças entre os países.
A questão agora é se Pequim tentará neutralizar o impacto das tarifas de Trump permitindo que sua moeda caia significativamente diante do dólar. Um yuan mais fraco pode baixar o preço de venda dos produtos chineses no exterior, o que permitiria que empresas e consumidores digerissem com mais facilidade o tributo adicional que Trump impôs aos produtos chineses.
Se a China permitir que sua moeda caia ainda mais, os países do Leste e do Sudeste Asiático que concorrem em setores similares podem enfrentar pressão de mercado por desvalorização de suas moedas.
Essas espirais de desvalorização podem resultar em alta da inflação, compressão dos gastos domiciliares e transferências desordenadas de dinheiro através de fronteiras. Também podem levar a novas tarifas ou outras medidas de restrição do comércio.
A escalada na guerra comercial ameaça pôr fim a um período que parecia estar registrando modesta expansão mundial. A economia americana ainda parece forte, mas o crescimento nos setores de serviços e indústria está se desacelerando.
A economia europeia também está fraca, porque a guerra comercial pesa sobre economias dependentes das exportações.
O crescimento da China foi prejudicado pela guerra comercial, que agravou alguns dos problemas internos do país. Outros países dependentes da voraz máquina económica chinesa, como o Japão, também sofreram.
Trump também continua a pressionar o Fed por cortes de juros, o que se repetiu nesta segunda. “A China derrubou o preço de sua moeda a uma baixa quase histórica”, tuitou Trump. “O nome disso é ‘manipulação cambial. Você está ouvindo Federal Reserve? Essa é uma grande violação que enfraquecerá muito a China com o tempo!”
O Fed cortou os juros na semana passada pela primeira vez em dez anos, medida tomada em parte para ajudar os EUA a aguentarem o impacto da guerra comercial. Mas as políticas comerciais de Trump estão contrabalançando alguns dos esforços do Fed para estimular a economia.
As tarifas americanas sobre a China reduzem o crescimento chinês, enfraquecem a moeda chinesa e tornam o dólar relativamente forte. Um dólar mais forte corta a inflação nos EUA e pode forçar o Fed a baixar mais as taxas de juros.