Texto chega com força ao Senado
MANOEL VENTURA, GERALDA DOCA, MARCELLO CORRÊA E CÁSSIA ALMEIDA – O Globo
BRASÍLIA E RIO- Após a aprovação do texto-base da reforma da Previdência em segundo turno, o governo concentrou esforços ontem para evitar mudanças que desidratas-sem o projeto. A Câmara dos Deputados analisou oito destaques (propostas para alterar pontos específicos), que tinham potencial de reduzir em R$ 459,9 bilhões a economia prevista de R$ 933,5 bilhões em dez anos. Todos os destaques foram rejeitados com ampla margem de votos, o que mostra que a reforma seguirá para o Senado com mais força para angariar o apoio dos parlamentares.
Com base no placar do segundo turno — 370 votos a favor e 124 contra —, especialistas dizem que o projeto deve ser aprovado com facilidade no Senado, sem mudanças, o que evitaria que ele voltasse à Câmara. A principal batalha nesta etapa da tramitação será ai nclusão de estados e municípios em uma proposta de emenda à Constituição (PEC) paralela.
No fim da votação dos destaques, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi cumprimentar os parlamentares: — Vim agradecer a aprovação da reforma, o excelente trabalho de coordenação feito pelo presidente Rodrigo Maia. Estou muito satisfeito e muito feliz com o apoio da Câmara dos Deputados.
Segundo o economista Paulo Tafner, especializado em Previdência, as discussões na Câmara foram acompanhadas de perto pelos senadores, o que ajudará na tramitação na Casa: — Sob a ótica fiscal, os números que a Câmara entrega de economia de R$ 900 bilhões são muito expressivos. Há dois anos, com o projeto do presidente Temer, se conseguiria uma economia de R$ 420 bilhões. Conseguimos mais que dobro em apenas dois anos. O projeto deve passar facilmente no Senado.
Com o plenário mais vazio ontem do que na quarta-feira, dia da aprovação do texto-base, o governo teve que buscar deputados em gabinetes e ministérios para votar. Um dos destaques que mais mais preocupavam o governo derrubava as regras de pensão por morte previstas na reforma. O destaque foi rejeitado por 339 votos a 153. A votação durou quase duas horas. O ganho fiscal da medida é de R$ 139,3 bilhões em dez anos.
O benefício é pago aos dependentes do segurado do INSS ou do servidor público. A pensão será de 60% do valor que recebia o trabalhador, mais 10% por dependente adicional, até o limite de 100% para cinco ou mais dependentes. O texto garante, porém, pagamento de pelo menos um salário mínimo nos casos em que o beneficiário não tenha outra fonte de renda formal. Essa condição foi inserida durante a votação do texto-base, numa negociação com a bancada evangélica. O governo cedeu para evitar que toda a mudança sobre as pensões caísse.
PORTARIA SOBRE RENDA
Para cumprir o acordo, o governo publicou ontem portaria explicando o que será considerado renda formal do dependente para efeito de concessão de pensão por morte. A renda obtida com aluguel de imóveis ou trabalhos sem carteira assinada não seria considerada. A oposição não saiu satisfeita.
— Em que pese o entusiasmo pela portaria governamental, ela trata da renda formal. Ela não é uma garantia de que a viúva receberá um salário mínimo — disse o deputado Afonso Motta (PDT-RS).
Relator da proposta, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) afirmou que o acordo avançou e que só terão o valor da pensão reduzido a 60% do mínimo as viúvas que tenham renda formal maior do que um salário mínimo.
— As viúvas que não têm renda de até um salário mínimo receberão um salário mínimo. Mas as que têm renda maior vão entrar na regra geral. E aquelas que têm filhos dependentes vão receber mais do que aquelas que não têm filho dependente. É uma regra justa, é uma regra que existe no mundo — disse.
Outro destaque que deu trabalho para o governo foi uma proposta do PSOL que pretendia reverter restrições ao pagamento de abono salarial (o abono do PIS) previstas no texto. A proposta foi rejeitada por 345 votos contra 139. Com isso, está mantida a regra prevista na reforma estabelecendo que terão direito ao benefício trabalhadores que recebem até R$ 1.364,43. O PSOL queria manter a regra atual, que garante o abono a quem ganha até dois salários mínimos.
A Câmara rejeitou também dois destaques do PT, mas sem impacto fiscal relevante. Um deles pretendia retirar da reforma o requisito de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) — pago a idosos e deficientes cujas famílias têm renda mensal per capita de até 1/4 do salário mínimo. Essa definição de pobreza está expressa em lei.
Outro destaque rejeitado do PT pretendia retirar do texto a regra que regulamenta a contribuição para o INSS de trabalhadores intermitentes. Pela reforma, só contará como tempo de contribuição o mês em que o trabalhador recolher para o INSS sobre o salário mínimo da categoria. A Câmara rejeitou ainda destaque do Novo que tinha como objetivo endurecer as regras de transição para acesso à aposentadoria.
O PDT pretendia mexer na regra de transição válida para trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. A intenção do partido era retirar o pedágio de 100% a ser pago pelos trabalhadores que pretendem se aposentar aos 57 (mulheres) e 60 (homens). O impacto era estimado em R$ 110 bilhões. O texto foi rejeitado por 352 votos a 136.
INCLUSÃO DE ESTADOS
Para a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, vê a discussão do tema mais controlada no Senado, que já tem o entendimento da “urgência e necessidade da reforma”, e também uma aprovação fácil: — É uma casa mais homogênea. Na Câmara, há forças políticas muito distintas.
Já quanto à PEC paralela para inclusão de estados e municípios, Ana Carla elogia a intenção do Senado, mas está pessimista quanto à aprovação na Câmara:
— A iniciativa é válida, importante, reforça a ideia de que a reforma vai passar mais facilmente no Senado. Mas, quando a PEC chegar à Câmara, pode haver reversão. Mesmo que a probabilidade de aprovação seja baixa, ela é importante, pois mostra uma responsabilidade com o país e os estados.