Peço desculpas ao leitor acostumado às colunas das quartas-feiras, em que costumo “quebrar” os textos em várias notas, de cunho mais informativo. A escalada da retórica autoritária e sem compromisso com fatos e com a verdade do presidente da República, desde há algumas semanas, me obriga a fazer deste texto uma continuação da minha coluna de domingo, em que alertei para o crescimento do cordão dos puxa-saco que cerca Jair Bolsonaro e dos riscos que isso traz para o debate público e para o próprio ambiente democrático.
Duas perguntas têm sido repetidas nas conversas que tenho com políticos, outros formadores de opinião, leitores, ouvintes, familiares, ministros do Supremo e toda uma gama de pessoas preocupadas com as diatribes bolsonaristas: 1) qual o limite para o que ele pode dizer?, e 2) como fazê-lo parar? Nos dois casos tenho respondido, entre constrangida e preocupada: não dá para saber.
Dizer que tudo bem usar helicóptero para levar a parentada cafona ao casamento do filho futuro embaixador nos Estados Unidos parecia um recorde. Quebrado no mesmo dia com a ameaça a um jornalista, dizendo que ele poderia pegar “cana”. Superado dois dias depois pela indignidade dirigida ao presidente da OAB. Reiterada duas vezes e superada por relativização (comemoração?) pelo assassinato de um cacique indígena e o massacre de 57 presos – que, não custa ser pleonástica, estavam sob custódia do Estado.
Portanto, não é possível dizer qual o limite para um presidente que não tem a menor noção do decoro que o cargo exige dele, nem das obrigações que recaem sobre seus ombros desde que jurou seguir a Constituição – que veda, um a um, esses comportamentos que ele exibe enquanto corta o cabelo.
E quem vai enumerar esses limites e alertar para os riscos de manter essa corda institucional assim esticada? Deveriam ser os militares. Foi este o grande trunfo, alardeado por mim, inclusive, na primeira hora, da nomeação de tantos generais para o primeiro escalão: eles incutiriam em Bolsonaro a noção de republicanismo que ele nunca teve, nem quando era capitão, nem como deputado.
Talvez por isso tenham sido eles, os militares, os primeiros alvos da máquina de moer reputações do bolsonarismo montada sob os auspícios do guru da Virgínia, Olavo de Carvalho, com direito a honrarias do próprio presidente, de seus assessores palacianos e da família.
Agora, entre acuados e desmoralizados, os militares pensam duas vezes antes de contrapor os absurdos que saem diariamente da boca presidencial. Sem os militares em cena, cabe ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal a missão de fazer valer o sistema de freios e contrapesos da democracia, limitando por meio dos instrumentos de que dispõem a tentação onipotente de Bolsonaro. O Congresso já derrubou dois decretos do presidente, tornou o Orçamento mais impositivo e articula em frentes diferentes novas derrotas ao presidente, em temas como a portaria do Ministério da Justiça sobre deportações e a restrição radical à edição de medidas provisórias.
No STF, cresce a disposição de acatar a interpelação do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, para que Bolsonaro seja instado a dizer o que sabe do desaparecimento de seu pai ou se retratar. Seria uma linha riscada no chão, como a dizer de forma didática e eloquente ao presidente que existe um limite que ele não pode extrapolar: o princípio da moralidade, consignado na Constituição, que obriga a que a palavra do presidente tenha lastro na verdade fática e histórica e no mínimo de humanidade dirigida àqueles que governa, mesmo aqueles que ousam dele divergir. Afinal, estamos numa democracia.