MANCHETES
O Globo
Alvo de reforma, custo da elite de servidores é o triplo dos demais
Projetos para a segurança ganham força em Assembleias
Fogo amigo agora mira porta-voz de Bolsonaro
Casos de hepatite viral têm alta de 20% em um décaca
Na Justiça, o drama de ser mãe no Rio
Violência contra mãe e filho no estádio
O Estado de S. Paulo
Leilão da telefonia 5G pode movimentar R$ 20 bilhões
Nos TCEs, há quem ganhe mais do que o presidente
Bolsonaro privilegia bases eleitorais
80% dos presos brasileiros não têm documentos
“Há má vontade com o pacote anticrime”
Líder de Hong Kong vira alvo de ato violento
EUA acusam Venezuela de agir com agressividade
Folha de S. Paulo
Risco de morte da mulher sobe 8 vezes com violência
Jabutis caem da reforma da Previdência do governo
PSL, de Bolsonaro, terá R$ 480 mi se fundo for ampliado
“Não acredito em sustentabilidade com miséria”
Posso ser demitido, mas Inpe resistirá a ataques, diz diretor
País se alinha a EUA, diz Bolsanaro sobre navios
Incêndio em área montonhosa de Portugal deixa ao menos 30 feridos
Medida provisória amplia as apostas em corridas de cavalo
Valor Econômico
Empresas captam ao menor custo no exterior desde 2014
CPMF exibe ‘currículo’ frustrante
Butantan pede R$ 1,8 bi ao BNDES
Extinção de multas do FGTS deve ser gradual
Brasileira Afya capta R$ 1,1 bi na Nasdaq
EDITORIAIS
O Globo
Legislativo já debate o fim da estabilidade
É preciso cumprir a Carta, que impõe parâmetros de produtividade e qualidade ao funcionalismo
E imprescindível a modernização administrativa do Estado na sequência da reforma da Previdência. Governo, Câmara e Senado se mobilizam na preparação de projetos, aparentemente convergentes, sobre reestruturação de cargos, redução do número de funções de confiança, adoção de critérios de mérito nas carreiras e, também, revisão da estabilidade no emprego público.
Na semana passada, a Comissão de Assuntos Sociais remeteu ao plenário do Senado, para decisão urgente, um projeto de lei complementar instituindo a avaliação periódica e obrigatória de desempenho para os servidores nos três Poderes.
Depois de três décadas, pretende-se regulamentar um artigo (n° 41) da Constituição. Ele estabelece como condição obrigatória a avaliação de mérito no desempenho de servidores, para admissão ou demissão.
Pelas projeções oficiais, no ano que vem o país deverá somar quase 12 milhões de funcionários nas administrações federal, estadual e municipal — essa conta não inclui os empregados de empresas públicas e autarquias. Hoje são 6,7 milhões nas prefeituras, 3,7 milhões nos governos estaduais e 1,2 milhão na União.
A expansão do emprego público nas últimas três décadas foi mais acentuada nos municípios, por efeito da concentração de serviços de educação e saúde nas prefeituras, áreas que absorvem 40% da folha salarial. No conjunto, o setor público remunera seus empregados em média 50% acima do setor privado. Não há, porém, qualquer garantia de contrapartida ao contribuinte em padrão mínimo de qualidade e eficiência nos serviços (caros) que são prestados.
A maioria dos estados e municípios está em virtual falência, com excesso de pessoal ativo em áreas intermediárias da burocracia. Os gastos com pessoal extrapolam todos os limites legais e consomem recursos que deveriam ser destinados às atividades essenciais, como saúde, educação e segurança. O lobby das corporações do funcionalismo, no entanto, construiu uma muralha jurídica que impede demissões até por inoperância no setor público.
Assim, servidores concursados, com estabilidade garantida após três anos, só perdem o cargo mediante infindável processo administrativo ou por sentença judicial transitada em julgado. A Constituição prevê ainda outra possibilidade, a da avaliação de mérito, mas até hoje isso não foi regulamentado.
A premissa corporativa de que é inequívoca a alta qualificação do serviço público simplesmente não corresponde aos fatos. Não há aferição e reconhecimento de mérito na carreira, por isso não se distingue o funcionário de desempenho sofrível, que custa em dobro ao contribuinte.
É preciso cumprir a Constituição, que impõe parâmetros de produtividade e qualidade ao funcionalismo. O Senado abriu o debate e deveria avançar, celeremente, em outros aspectos dessa modernização, fundamental ao Estado brasileiro.
O Globo
Mercosul precisa ser reestruturado para ter poder de competitividade
Governos têm de realizar, deforma rápida e coordenada, uma revolução organizacional
O renascimento do Mercosul é um desses momentos decisivos para Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, e os associados Chile e Bolívia. O acordo com a União Europeia abre uma perspectiva de modernização, não imaginada pelos fundadores há mais de um quarto de século.
Governos desses países precisam realizar no curto prazo, de forma coordenada, uma autêntica revolução organizacional no Mercosul e dentro dos respectivos países. Sem isso, corre-se o risco de chegar à etapa de vigência do acordo, em 2021, com padrões institucionais assimétricos aos da União Europeia. As perdas, em tal cenário, seriam desproporcionais.
Na cúpula da última quarta-feira, em Santa Fé (Argentina), Mauricio Macri entregou a presidência temporária do Mercosul a Jair Bolsonaro. O presidente brasileiro registrou sua gratidão a Macri e ao antecessor, Michel Temer, responsáveis pelo fechamento do acordo com a União Europeia, depois de duas décadas de negociações. E anunciou sua disposição para alinhar o comércio dentro do Mercosul em normas comuns.
Se o objetivo é consolidar, rapidamente, a união aduaneira como “realidade completa e acabada” — nas palavras de Bolsonaro —, seria conveniente convocar uma reunião para delinear e executar a reestruturação do bloco. O Protocolo de Ouro Preto prevê isso, no seu artigo 47.
É vital acabar com os chamados regimes especiais, como o da indústria automobilística. Assim como é necessário eliminar barreiras que vigoram há 28 anos às importações de açúcar e etanol do Brasil.
Rever a Tarifa Externa Comum é importante, mas não suficiente, como lembrou o presidente chileno, Sebastián Pinera. Os governos já assinaram 64 protocolos de integração aduaneira e de investimentos, mas metade nem entrou em vigor. É preciso desmontar a miríade de organismos, e manter sintonia em nova cooperação regulatória.
Boa parte do entulho que está aí travando as relações dentro do Mercosul provém da assimetria em procedimentos governamentais.
O presidente do Chile exemplificou com o caso do Corredor Bioceânico, rota de 1,8 mil quilômetros que pode ser percorrida em 29 horas por um caminhão transportando carga entre um porto no Atlântico até outro no Pacífico. Restam pouquíssimas obras de infraestrutura para sua conclusão, mas o maior problema ainda é a burocracia nas fronteiras — os procedimentos aduaneiros do Mercosul. O Merco-sul tem sua melhor chance. Precisa agir rápido para aproveitá-la.
O Estado de S. Paulo
Os impulsos do presidente
A esta altura, está mais do que evidente que o presidente Jair Bolsonaro não sabe agir com a impessoalidade que há de caracterizar o exercício da Presidência da República. Em apenas 200 dias de governo, houve exemplos em excesso do peso que os afetos e as hostilidades particulares do presidente têm sobre decisões de Estado, que, a rigor, não deveriam ser pautadas pela emoção.
Em defesa do presidente, diga-se que não transparece deliberada má fé na mixórdia que ele faz entre os assuntos de Estado e o limitado universo de suas paixões. Bolsonaro opera sob o que o historiador Sérgio Buarque de Holanda chamou de “ética de fundo emotivo”. Os eventuais reparos feitos a seus atos e decisões como chefe de Estado e de governo são tomados pelo presidente como ofensa pessoal, como mera incapacidade do outro de perceber os bons eflúvios de suas nobres intenções.
Desde que anunciou sua intenção de indicar um filho para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos – o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) –, não houve um só dia em que o presidente não tenha defendido, de alguma forma, o nome do “03” para um dos postos mais críticos de nossa diplomacia. Tivesse o olhar de um estadista, seria mais fácil para o presidente compreender o quão estapafúrdia é a escolha, por qualquer ângulo que se a analise. Porém, Jair Bolsonaro não vê sua escolha com olhos de estadista, mas com olhos de pai. E é como pai que reage às críticas.
Primeiro, a fim de justificar o injustificável, não se sensibilizou com os argumentos contrários à indicação e viu nas próprias críticas a razão para manter firme sua posição. “Se (Eduardo Bolsonaro) está sendo criticado, é sinal de que é a pessoa adequada (para ser o embaixador brasileiro em Washington)”, disse o presidente na tribuna da Câmara dos Deputados na segunda-feira passada.
Na quinta-feira, abrindo mão do pudor, Jair Bolsonaro voltou a defender o filho em termos ainda mais claros. “Pretendo beneficiar filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou, mas não tem nada a ver com filé mignon essa história (da embaixada nos Estados Unidos). É aprofundar relacionamento com a maior potência do mundo”, disse. Noves fora o pitoresco da declaração, saliente-se que ela revela duplamente o peso dos afetos nas decisões de Jair Bolsonaro. Em especial no que concerne às relações entre países, que devem ser pautadas por interesses, e não por supostas relações de amizade, como a que Bolsonaro supõe haver entre sua família e a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Dos mais relevantes temas para o País, como a indicação de um embaixador, às troças com autoridades, tudo parece ser tratado pelo presidente da República fora da dimensão da impessoalidade do cargo. Não se quer dizer com isso que o comportamento de Bolsonaro deva ser marcado pela frieza e pela sisudez. Roga-se apenas que ao tratar de assuntos de Estado o presidente faça um esforço para contrabalançar suas emoções com o interesse nacional. Ora coincidem, ora não. De Jair Bolsonaro, dado o cargo que ocupa, é esperado discernimento.
Nada parece escapar do crivo afetivo do presidente. Jair Bolsonaro é capaz de atacar ao mesmo tempo tanto prosaicas mudanças no funcionamento de aplicativos como o Instagram como o conteúdo dos filmes produzidos com recursos da Ancine. No primeiro caso, é tema do qual o presidente nem sequer deveria se ocupar. No segundo, sim, mas por razões de outra natureza, objetiva. Afinal, trata-se do emprego de recursos públicos, e não de seu gosto por esta ou aquela produção. A preponderância dos afetos sobre a razão obnubila a visão que o presidente deve ter do papel das instituições.
Há cerca de três meses, Jair Bolsonaro afirmou que “não nasceu para ser presidente”. Se não nasceu para o cargo, é verdade que optou por exercê-lo. E foi vitorioso no intento. É justo que os brasileiros, então, esperem que a investidura na Presidência sirva de aprendizado diário, caso Jair Bolsonaro tenha a humildade de tomar as críticas pelo que elas são – críticas objetivas, e não ofensas à sua honra, à sua dignidade.
O Estado de S. Paulo
Varejo fraco, produção travada
Cauteloso e com orçamento apertado, o consumidor tem sido moderado no gasto, como confirmam os dados muito fracos do comércio varejista, com volume de vendas 0,1% menor em maio do que no mês anterior. No ano, o volume vendido foi apenas 0,7% maior que o dos primeiros cinco meses do ano passado. Em 12 meses, o crescimento chegou a 1,3%. De um lado, esses números são um claro reflexo das péssimas condições do mercado de trabalho, com 13 milhões de desempregados e mais 12 milhões de subempregados e desalentados. De outro, ajuda a explicar a fraqueza da produção industrial, com zero de crescimento nos 12 meses terminados em maio.
O diagnóstico sombrio do Banco Central – a recuperação foi interrompida – é confirmado pelos números de maio da indústria e do varejo. O cenário do primeiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,2% menor que nos três meses finais de 2018, praticamente se manteve nos dois meses seguintes. Poucos dados de junho já foram publicados, mas, se tiver ocorrido alguma melhora, deve ter sido insuficiente para mudar de forma sensível o quadro geral.
O mercado de emprego, com seus números sinistros, é geralmente lembrado como pano de fundo. Mas é muito mais que isso. É parte de um ciclo de realimentação. A situação precária dos trabalhadores, e, é claro, de suas famílias, impede a expansão do consumo e do varejo. A fraqueza do comércio se transmite à indústria. No Brasil, a atividade dos serviços depende fortemente – muito mais que em vários outros países – das condições das demais atividades. Tudo isso se reflete no prolongamento do desemprego, do subemprego e do desalento, e nenhuma grande mudança ocorrerá enquanto nada interferir nesse carrossel sinistro.
Há quem aposte numa retomada do investimento privado a partir da aprovação da reforma da Previdência. Falta explicar por que um empresário com 30% de ociosidade em sua fábrica decidirá comprar novas máquinas, se as suas ainda forem utilizáveis. Comprará, sim, se a reposição for inadiável, mas a maioria de seus pares provavelmente continuará de olho nos números da demanda e de sua receita.
Parece muito mais seguro apostar no consumo para interromper o ciclo da estagnação e repor a indústria no caminho do crescimento firme. Poderá haver alguma demora até aumentar a oferta de vagas, mas o percurso terá começado e as incertezas diminuirão.
Até agora, fontes do governo indicaram poucas possibilidades de estímulo ao consumo. Com as contas públicas em mau estado, falta espaço para aumento de gastos – embora alguns economistas de boa reputação defendam algum estímulo fiscal. Mas o governo ainda poderá recorrer, segundo aquelas fontes, à liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. Crescimento econômico duradouro dependerá de outras medidas, mais profundas. Mas o impulso inicial é ao mesmo tempo indispensável, em qualquer caso, e, mais que isso, urgente, como indicam as péssimas condições do mercado de emprego.
Ninguém se iluda com os números mais animadores, à primeira vista, do comércio varejista ampliado. Para chegar a esses números se acrescentam aos do varejo comum, mais voltado para o dia a dia da vida familiar, as vendas de veículos e componentes e de materiais de construção. O volume vendido por esse varejo mais amplo foi em maio 0,2% maior que em abril. Em 12 meses, a expansão chegou a 3,8%.
Esse desempenho melhor é atribuível principalmente às vendas de veículos e componentes, com avanço de 12,2% em 12 meses. Crédito, promoções e a expansão de frotas comerciais (como as de Uber e de carros de aluguel) explicam boa parte desse avanço.
Alguns poderão entusiasmar-se com a movimentação do setor automobilístico. Mas, se quiserem ser realistas, valerá a pena darem uma espiada em alguns outros números. Em junho deste ano, as montadoras produziram 233,1 mil veículos. Em junho de 2013 a produção chegou a 323,8 mil. Falta um longo percurso para retomar o nível de seis anos atrás.
O Estado de S. Paulo
Informação e autonomia
Pesquisa realizada pelo Ipsos em 27 países revelou que o Brasil é o quarto país do mundo que mais confia em jornais e revistas. Dos entrevistados, 65% disseram confiar na imprensa e 23% afirmaram confiar relativamente. Apenas 8% disseram não ter confiança no conteúdo dos jornais e revistas. A média global de confiança na imprensa é de 47%.
No Brasil, a confiança em sites e plataformas online é menor do que a confiança na imprensa. Entre os entrevistados, 58% disseram confiar no conteúdo disponível na internet. Ao mesmo tempo, 68% dos brasileiros têm a percepção de que as fake news prevalecem na internet. Nesse tópico, a média global é de 62%.
Ainda que os dados relativos à confiança possam variar razoavelmente de pesquisa para pesquisa, a depender da metodologia adotada, os números revelados pelo Ipsos são claramente positivos, indicando que o brasileiro sabe distinguir entre o que é notícia de fato – apurada, checada e revista – e aquilo que, mesmo tendo uma aparência de notícia, não é confiável, por não ter a apuração, a checagem e a seriedade do trabalho jornalístico. A capacidade de fazer essa distinção é de fundamental importância para uma sociedade que se pretenda autônoma.
Nos tempos atuais, o cerceamento das liberdades individuais não decorre apenas de uma atuação abusiva por parte do Estado ou dos poderosos de plantão. Não há liberdade – não há exercício livre da cidadania – onde vige a ignorância ou onde as fake news ditam o debate público. O bom funcionamento da democracia baseia- se na capacidade real de os cidadãos se informarem bem, permitindo, assim, que tomem suas decisões de forma livre e responsável.
Por isso, são tão decisivas para um Estado Democrático de Direito as liberdades de pensamento, de expressão e de imprensa. Esse ambiente de liberdade é condição para que cada cidadão possa ter acesso a uma variedade de fontes de informação e escolher aquelas que lhe pareçam mais confiáveis.
Nesse contexto, vale lembrar também a importância de uma educação de qualidade, que forme jovens que, bem alfabetizados, sejam capazes de ler, entender e interpretar os mais variados conteúdos, e não estejam reféns dos sofismas, manipulações e reducionismos, tão frequentes no mundo de hoje. Só com esse pluralismo de fontes e essa capacidade crítica é possível uma atuação cívica e política realmente livre.
Além de permitir que cada um forme suas convicções e faça suas escolhas políticas com autonomia, a informação confiável é pressuposto para a troca de ideias e a discussão de propostas, tão próprias de uma democracia. Sem fatos minimamente comprováveis, é difícil, por exemplo, que o debate político possa produzir consensos e gerar soluções, já que faltaria a base comum para o diálogo. As notícias, checadas e apuradas, são elementos que contribuem para um debate público realista e respeitoso.
Os números relativos à confiança da população nos jornais e revistas são também estímulo para que a imprensa não abdique de seu papel dentro de uma sociedade democrática. A confiança recebida aumenta a responsabilidade de realizar um trabalho jornalístico de qualidade, que não abra mão de apurar conscienciosamente o que relata e, ao mesmo tempo, não se omita de alertar e de denunciar o que não se coaduna com o interesse público e com o Estado Democrático de Direito. Nessa tarefa, não é raro que a imprensa desagrade ou contrarie quem está no poder. Mas é precisamente essa independência que dá sentido ao trabalho jornalístico, em sua contínua busca pela verdade dos fatos.
A confiança na imprensa não é, portanto, apenas uma boa notícia para a imprensa. Ela é sinal de uma sociedade que, consciente do seu protagonismo numa democracia, não se conforma com versões oficiais ou relatos superficiais. Ela almeja por informação segura que, indo além das aparências, contribua para uma autonomia responsavelmente exercida.
Folha de S. Paulo
Censura com filtro
Mais do que disparates, declarações de Bolsonaro sobre a produção cinematográfica fomentada pelo poder público mostram sua inclinação autoritária
Em atordoante hiperatividade verbal recente, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) superou-se na capacidade de produzir disparates.
Não se sabe se em reação ao protagonismo político do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ou se com o intuito de desviar a atenção de outros temas espinhosos, o fato é que o mandatário deu nos últimos dias demonstrações constrangedoras de superficialidade, preconceito e desprezo pela magnitude do cargo que ocupa.
Entre os vitupérios que Bolsonaro dirigiu a instituições e setores da sociedade, não faltaram ataques a dois alvos preferenciais de sua cruzada obscurantista —a produção cultural e a científica.
No primeiro caso, elegeu-se como alvo o cinema. Aparentemente inconformado com a ideia de que o fomento à atividade contempla obras que contrariam seu gosto e o moralismo primário de grupos que o apoiam, o chefe do Executivo ameaçou extinguir a Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Assim procederia, disse, caso não lhe fosse permitido impor um “filtro” para selecionar o conteúdo dos projetos que fariam jus a verbas públicas. O que seria, enfim, tal filtro senão o exercício intolerável e inconstitucional da censura? O presidente foi a um só tempo irresponsável e desrespeitoso ao mencionar como contra exemplo a obra “Bruna Surfistinha”. Em primeiro lugar, porque, como admitiu, nem sequer assistiu ao filme; em segundo, por desconhecer a trajetória exitosa da produção no mercado cinematográfico.
O fato de atividades econômicas contarem comparticipação de fontes orçamentárias — e elas são inúmeras , da indústria automobilística à construção civil — obviamente não deveria conferir ao Executivo prerrogativas discricionárias sobre os diversos ramos.
No caso da cultura e do entretenimento, em que os bens encerram aspectos imateriais e se inscrevem no território da livre expressão, não é tarefa do governante dispor sobre conteúdos. É preciso, sim, zelar pela transparência e pela eficiência dos mecanismos de apoio, mas em nenhuma hipótese enveredar pelo dirigismo.
ímpeto análogo demonstrou o presidente ao desacreditar os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acerca do desmatamento da Amazônia.
Ao acusar a diretoria do órgão de falsear informações a serviço de interesses escusos, Bolsonaro abordou de modo agressivo um tema sobre o qual demonstra não ter nenhum conhecimento.
Trata-se, nos dois casos, de inclinação a um perigoso exercício abusivo do poder. Afinal, o que haveria num Brasil de obras culturais e estatísticas filtradas pelo governo senão um regime autoritário?
Folha de S. Paulo
Pagando o pato
A língua inglesa tem uma expressão conhecida como “o teste do pato”: se algo se parece com um pato, nada como p ato e grasna como pato, provavelmente é um pato.
O duopólio formado por Facebook e Google veicula conteúdo em suas plataformas —e, ao lado dele, vende anúncios publicitários. Eis a definição insofismável de uma empresa de mídia. Ser classificado assim, no entanto, implica uma série de deveres e obrigações, que as companhias tentam evitar.
Por exemplo, serem responsabilizadas legalmente por material criminoso que porventura venham a abrigar, como os que incentivam ou divulgam a homofobia, a pedofilia e o racismo.
Na semana passada, um passo a mais foi dado para que essa distorção seja resolvida no Brasil.
O Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), um órgão de autorregulamentação que estabelece regras comerciais do mercado publicitário em comum acordo entre anunciantes, agências e veículos, aprovou resolução que “declara e reconhece, como veículos de comunicação, para os efeitos da legislação, todo e qualquer ente jurídico que tenha auferido receitas decorrentes de propaganda”.
Segundo reportagem publicada por esta Folha, a classificação abrange agora, em internet, as categorias busca, social, vídeo, áudio, display e outras, incluindo aí as plataformas Google e Facebook e suas empresas coligadas, respectivamente YouTube e Instagram.
A decisão não tem força de lei, mas é um elemento a mais a constranger os gigantes tecnológicos a se adequarem à regulação dos meios de comunicação.
Movimento semelhante, porém mais eficaz, vem sendo liderado mundialmente pela União Européia. Até agora, aprovaram-se lá leis que disciplinam direitos auto -rais, responsabilidade por conteúdo ilegal postado na rede e proteção à privacidade. As multas previstas no regulamento são pesadas.
Mais timidamente, os Estados Unidos começam a emular o velho continente, por enquanto apenas por iniciativa do Congresso, que já convidou para audiências públicas os fundadores daquelas empresas.
As dimensões do faturamento publicitário do duopólio impressionam. Em 2018, o Facebook recebeu US$ 55 bilhões (R$ 206 bilhões, pela cotação atual), ou 98,5% de sua receita total. No Google, foram US$ 116 bilhões (R$ 434,5 bilhões), mais de 80% da arrecadação.
Este jornal postula que os gigantes da tecnologia se tornaram há muito também gigantes de mídia. Já passa da hora, portanto, de assumirem as responsabilidades pertinentes à segunda condição, prestando contas do que divulgam.