MANCHETES
O Globo
Pressões complicam votação da reforma na reta final
Relator propõe R$ 2 bi a mais para eleição em 2020
Pacote de Moro: retirada a prisão em 2ª instância
Governo vai simplificar o e-Social
Crianças com microcefalia revertam quadro
TCM: Crivella cumpre uma em cada 3 metas
Negociação inclui eleição sem Maduro
Justiça proíbe Trump de bloquear seguidores
O Estado de S. Paulo
Reforma vai a plenário; Placar aponta pelo menos 298 votos
Governo libera emendas, mas líderes estão insatisfeitos
Câmara retira prisão em 2ª instância de texto de Moro
Governo deve reincorporar cubanos ao Mais Médicos
Substituto do eSocial começa a valer em janeiro
EUA vendem armas a Taiwan e irritam China
Folha de S. Paulo
Congresso aumenta a fatura pela Previdência
Internação involuntária tem apoio de 83% dos brasileiros
Crianças carregam armas falsas em desfile
Decreto flexibiliza regra para determinar o que é cerveja
Governo pretende esvaziar Comissão de Ética Pública
Doria defende Lava Jato, mesmo com erros, e diz manter apoio a Moro
Acordo viabiliza prisão de suposto operador do ‘doleiro dos doleiros’
Número de milionários cai com brexit e disputa entre EUA e China
Libertados seguem monitorados pela ditadura Maduro
Valor Econômico
Reforma tem seis regras de transição na aposentadoria
Petroleiras investem na exportação
Projetos divergentes na reforma tributária
Novo perfil de clientes
Riqueza financeira cresceu 7% no país em 2018
Assaltos caem, mas bancos enfrentam o ‘novo cangaço’
EDITORIAIS
O Globo
O peso do apoio popular à reforma da Previdência
Tendência de aumento da aprovação das mudanças é um recado aos políticos
O fato de pesquisa Datafolha haver detectado inédito apoio na população à reforma da Previdência tem muito a dizer, principalmente a deputados e senadores, aos quais cabe aprovar ou rejeitar a proposta de mudanças. Não há país democrático em que este tipo de reforma transite sem fortes resistências. Toda vez, por exemplo, que a França precisa ajustar o custo para a sociedade dos chamados direitos sociais, a fim de adequá- los a imperativos econômicos e demográficos, o gás lacrimogênio dos batalhões de choque da polícia volta a flutuar nas ruas de Paris e de outras grandes cidades do país. É parte do jogo democrático, mas, para o bem de todos, a começar pelas ditas classes desassistidas, essas reformas precisam ser feitas. A brasileira já vem com grande atraso.
Daí ser inadequado ampliar o leque de concessões já feitas a categorias do funcionalismo, cujo poder de pressão sobre Executivo e Legislativo, historicamente forte, impede medidas para tornar o Brasil menos desigual. Entre abril e julho, segundo a pesquisa, a parcela da população contrária às mudanças previdenciárias, encolheu de 51% para 44%, enquanto a favorável ficou em 47%, seis pontos percentuais superior aos 41% da sondagem anterior. A diferença configura empate técnico, pela margem de erro, mas é importante destacar as tendências. Pode haver incontáveis especulações e análises sobre os motivos deste movimento. Até entre os que votaram no petista Fernando Haddad em outubro houve aumento do apoio ao projeto do governo Bolsonaro (de 22% para 25%).
Mesmo no funcionalismo —categoria contrária às mudanças, por ser privilegiada pelas atuais regras —, o grupo que se opõe, majoritário, ficou 11 pontos percentuais menor, e o dos que apoiam, oito pontos mais robusto. A melhor hipótese é que afinal se alastra a intuição de que a crise econômica grave em que está o país só será debelada por um programa de ajuste que se inicie pelo reequilíbrio da Previdência. Com 13 milhões de desempregados, é raro não se conhecer alguém nesta situação.
Até há pouco, o crescimento do apoio à reforma era algo nada previsível. Reformas como esta necessitam de políticos com sensibilidade para entender o que de fato é do interesse público, no melhor sentido do termo. Por sobre partidos e ideologias. Infelizmente, estes são produto escasso no mercado da política brasileira. Mas eles existem, obviamente em quantidades modestas. A massa dos congressistas precisa admitir uma leitura deste Datafolha: a de que a demagogia de ser contra a reforma em defesa do “povo” — quando este só consegue se aposentar aos 65 anos, e com um salário mínimo de benefício ou pouco mais — possa estar com o prazo de validade em estágio de vencimento.
O Globo
Déficit apontado pelo TCM expõe problemas de gestão na prefeitura
Serviços no Rio patinam, mas rombo nas contas do município cresce, chegando a R$ 3,25 bilhões
A decisão do Tribunal de Contas do Município (TCM), que anteontem aprovou o resultado financeiro da prefeitura relativo a 2018, mas fez questão de ressaltar o rombo recorde de R$ 3,25 bilhões, expõe de forma cartesiana os problemas de gestão na administração Marcelo Crivella. Em relação a 2017, quando o déficit foi de R$ 2 bilhões, houve um aumento de 62%. É sintomático que a situação financeira do município tenha piorado, apesar de a arrecadação da prefeitura ter crescido em 2018 —segundo dados do Fórum Popular do Orçamento, passou de R$ 27 bilhões, em 2017, para R$ 28,8 bilhões no ano passado.
Os desacertos ficam claros também na própria análise do TCM. O conselheiro Antônio Carlos Flores de Moraes criticou o uso de R$ 1,6 milhão do Fundeb no pagamento de multas de contas de luz e água. “Por que esses atrasos nos pagamentos das taxas? É um absurdo”, afirmou. Para o economista Luiz Mário Behnkem, da ONG Fórum Popular do Orçamento, os números revelados pelo TCM traduzem sérios problemas de gestão. Ele destaca o fato de Crivella não ter tomado, ao assumir, em 2017, medidas para conter os gastos do município: “A prefeitura precisa planejar melhor seus gastos para interromper essa trajetória. Se não há recursos para novos projetos, o caminho natural é destinar verbas para conservar a cidade”.
As perspectivas para 2019 também não são boas. Como mostrou reportagem do GLOBO, dados do Rio Transparente atestam um rombo de R$ 4,4 bilhões — a arrecadação soma R$ 14,5 bilhões para uma despesa de R$ 18,9 bilhões, sendo a maior parte (R$ 10,3 bilhões) para pagamento de pessoal. O próprio Flores de Moraes diz que, para não deixar dívidas ao fim do mandato, em 2020, Crivella terá de fazer um grande esforço de reorganização das finanças. Caso haja déficit, o prefeito pode ser enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O que impressiona nisso tudo é que o desequilíbrio nas contas segue na contramão da qualidade dos serviços prestados.
Ou seja, maiores despesas não significaram um melhor atendimento aos cariocas. Não que uma boa gestão resolva todos os problemas, porque há questões estruturais, como o crescente peso de aposentadorias e pensões. Mas é essencial para reduzir os efeitos da crise, cortando gastos e estabelecendo prioridades para serviços essenciais. Mas também aí o governo falha. Enquanto hospitais agonizam, e a conservação do Rio dá sinais de falência, o prefeito cria novas secretarias para acomodar aliados que ajudaram a barrar o processo de impeachment na Câmara, em total falta de sintonia com a cidade.
O Estado de S. Paulo
O ‘racha’ do PSL
A reforma da Previdência percorreria um caminho bem menos sobressaltado se o governo do presidente Jair Bolsonaro tivesse aproveitado a proposta apresentada por seu antecessor, cuja tramitação na Câmara dos Deputados estava madura. Decerto, ao País interessa mais a aprovação da reforma de um sistema há muito insolvente e injusto do que a verificação de autoria do santo reformador.
Tendo o governo optado por apresentar um novo projeto – o que lhe era facultado, ainda que não recomendável –, o mínimo que se poderia esperar era o apoio incondicional do PSL ao texto. Afinal, trata-se do partido do presidente da República. Mas ao contrário do que sugerem a razão e o bom senso, tem sido justamente o PSL uma das maiores fontes de atribulações no curso da reforma da Previdência.
Ainda está fresca na memória a aflitiva demora para a aprovação do projeto pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, muito em função dos vaivéns protagonizados por parlamentares do PSL. O que se viu ali foi um agrupamento de políticos erráticos sob uma mesma sigla, não um partido coeso em torno da agenda do governo, da qual, presume-se, a reforma da Previdência seja a grande estrela.
Ao fim e ao cabo, o texto-base do projeto foi aprovado tanto na CCJ como na Comissão Especial, e com os votos do PSL. O que se teme agora é a sua desidratação por meio dos destaques que, certamente, serão apresentados pelos deputados no plenário da Casa.
A preocupação do governo – e de todos os brasileiros interessados na aprovação da reforma – é que o “racha” da bancada do PSL na Câmara dos Deputados – a terceira maior, com 54 parlamentares – sirva de pretexto para que outros partidos se sintam confortáveis para ceder a pressões corporativas que podem levar a uma substancial redução da economia com a reforma do sistema previdenciário, estimada em R$ 934 bilhões em dez anos.
Quase a metade dos parlamentares do PSL foi eleita em 2018 sob a bandeira da segurança pública, um manto que por vezes serve para encobrir a defesa sindical dos interesses de policiais federais, rodoviários e legislativos. Há semanas, estas categorias estão praticamente acampadas nos corredores do Congresso Nacional a fim de pressionar os parlamentares por mudanças no texto-base da reforma da Previdência que os beneficiem, flexibilizando regras como idade mínima para aposentadoria e regime de transição, entre outras. Até aqui, graças ao esforço de lideranças políticas responsáveis no Parlamento, essa pressão não tem surtido efeito. Não se sabe, contudo, o que poderá ocorrer quando das discussões no plenário da Câmara dos Deputados. Todo cuidado é pouco.
Há parlamentares do PSL que admitem até mesmo votar com a oposição destaques que beneficiem as categorias profissionais que defendem. É o caso do deputado Felício Laterça (RJ). “Precisamos entender a diferença de certas categorias. Vou bater nessa tecla até morrer. Se o PSL decidir não apresentar o destaque (a favor dos policiais) e a oposição o fizer, voto com a oposição”, disse o parlamentar ao Estado. O mesmo caminho pode ser seguido por outros deputados.
O governo foi alertado pela equipe econômica que, se o PSL ceder às pressões do corporativismo policial, uma “nova onda de pressão” poderá comprometer o resultado fiscal esperado com a aprovação da reforma previdenciária. É um risco grande demais para ser ignorado.
Resta ver como o presidente Jair Bolsonaro receberá esse alerta. Não é exagero dizer que a tibieza do PSL na defesa da reforma da Previdência tal como deve ser aprovada, ou seja, gerando ao País uma economia de quase R$ 1 trilhão, em boa medida reflete a falta de convicção que o próprio presidente tem de sua necessidade. Basta dizer que há poucos dias Jair Bolsonaro esteve pessoalmente empenhado em negociar com o Legislativo as reivindicações dos policiais, que ele trata como “aliados nossos”. Agora é o momento de os parlamentares colocarem cera nos ouvidos a fim de não sucumbir ao canto que poderá levar o País à ruína.
O Estado de S. Paulo
O lobby cartorial de sempre
Baixada no dia 13 de março com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios no Brasil, e tendo sido muito bem recebida pela iniciativa privada, uma vez que desburocratiza o funcionamento das Juntas Comerciais e agiliza os registros das empresas nesses órgãos, a Medida Provisória (MP) n.° 876 corre o risco de caducar se não for aprovada até a quinta-feira. O motivo é a reação contrária daqueles que, em plena época da internet, querem continuar trabalhando por meio de procedimentos tradicionais, morosos, caros e, mais grave ainda, que exigem atividades que se tornaram anacrônicas por causa do desenvolvimento tecnológico, não tendo mais razão de existir.
É esse, por exemplo, o caso dos vogais das Juntas Comerciais, que analisam os pedidos de registro que tramitam nesses órgãos. Os vogais não são funcionários das Juntas Comerciais e atuam apenas por indicação de entidades de classe independentemente de terem ou não conhecimento técnico na área. Na maioria das vezes, as indicações são políticas. Os vogais, que verificam a legalidade de atos de empresas, como criação, modificações, aquisições, fusões e extinções de empresas, também não recebem salários pelos serviços prestados, e sim jetons pelas reuniões semanais de que participam, o que totaliza, em média, uma remuneração mensal de R$ 10 mil. Dependendo de seu tamanho e volume de trabalho, as Juntas Comerciais podem ter entre 11 e 23 vogais.
Na versão encaminhada pelo Executivo para a Câmara dos Deputados, a MP n.° 876 nem sequer tratava da atuação dos vogais. O problema começou quando, na comissão especial encarregada de apreciá-la, o deputado Alexis Fonteyne (Novo- SP) propôs a extinção da figura jurídica dos vogais – cargo que, na Justiça do Trabalho, foi extinto em 1999 pela Emenda Constitucional n.° 24. Depois que a equipe econômica do governo apoiou a proposta, os vogais se mobilizaram para garantir a continuidade de suas funções.
Diante do impasse, o relator, deputado Áureo Ribeiro (SDRJ), apresentou uma solução intermediária, deixando a cargo de cada Junta Comercial a decisão de aceitar ou não a indicação de vogais, mas eliminando a possibilidade de pagamento por seus serviços. Em seu parecer, ele afirmou que o instituto do “vocalato” não passa de um cabide de emprego e que sua continuidade leva o empresariado ao risco de “ficar no atraso e na burocracia”. O mesmo argumento foi apresentado pelo chefe do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração do Ministério da Economia, André Santa Cruz. Ele classificou o lobby dos vogais como “uma defesa espúria de privilégios” e disse que, se a MP caducar, as Juntas Comerciais continuarão trabalhando com “estruturas medievais”.
A MP n.º 876 foi elaborada com base nas chamadas reformas de segunda geração do Banco Mundial, que têm por objetivo reduzir custos de transação, diminuir os gastos das empresas com atividades-meio e aumentar a segurança jurídica reivindicada pela iniciativa privada. Segundo a pesquisa Doing Business, do Banco Mundial, que avalia a facilidade de iniciar um negócio em 190 países, o Brasil ficou na 109.ª posição na edição deste ano. Entre outras inovações, a MP n.° 876 valoriza o princípio jurídico da boafé, ao garantir o registro automático nas Juntas Comerciais como regra e por facilitar os registros de firmas constituídas por microempreendedores individuais, empresas individuais de responsabilidade limitada e sociedades limitadas. Também determina que a declaração do advogado ou do contador da empresa tenha fé pública. Com isso, o pequeno negócio não teria mais de se preocupar com trâmites burocráticos, podendo concentrar a atenção na prospecção de mercados e na busca de investimentos.
O lobby dos vogais contra a MP n.º 876 é mais uma demonstração de como o cartorialismo continua impedindo a economia brasileira de se modernizar e de crescer. Num contexto de 13,6 milhões de desempregados, não faz sentido manter a burocracia para a abertura de empresas, obstruindo a geração de vagas de trabalho.
O Estado de S. Paulo
Redescobrindo o pragmatismo
O Brasil está de volta, disse o presidente Michel Temer no Fórum Econômico Mundial em janeiro de 2017. Com essas poucas palavras ele anunciou uma diplomacia novamente livre de tiques terceiro-mundistas, voltada para a integração efetiva na economia global. Tirar do limbo a negociação do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) foi uma das consequências dessa mudança – de fato, desse retorno a uma diplomacia voltada para os interesses de longo prazo do Estado brasileiro. O novo presidente argentino, Mauricio Macri, parceiro nessa tarefa, acabou sustentando o esforço até o anúncio do acordo inter-regional no dia 28 de junho. A nova rodada de negociações entre o bloco sul-americano e a Coreia, aberta na última segunda-feira, é mais um desdobramento da mudança iniciada há pouco mais de dois anos.
“A agenda externa do Mercosul avança a pleno vapor”, proclamou uma nota publicada no site oficial do bloco. “Segundo dados do ano passado, o intercâmbio comercial entre o Mercosul e a República da Coreia foi de quase US$ 10 bilhões.” Poderá ser muito maior, obviamente, se um regime de livre comércio for estabelecido, e todos poderão ganhar.
Ainda é incerto se essa nova diplomacia sobreviverá e se o bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai retornará à vocação definida na origem – promover a integração econômica, social e política entre os países sócios e facilitar sua inserção nos mercados globais. Esse projeto foi amplamente desfigurado pela articulação do petismo com o kirchnerismo. Embora fosse formalmente uma união aduaneira, o bloco nem chegou a operar de fato como zona de livre comércio, com as trocas inter-regionais travadas por barreiras.
Em conjunto, a diplomacia do Mercosul foi dominada, a partir desse momento, pelas bandeiras do protecionismo e de um terceiro-mundismo fantasmagórico, já enterrado e esquecido na maior parte das economias emergentes. A primeira grande façanha dessa política foi o torpedeamento das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Fracassado este projeto, vários outros países latino-americanos formalizaram acordos separados com os Estados Unidos. Os quatro do Mercosul ficaram fora desse jogo e, portanto, das facilidades de acesso ao mercado da maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos. Enquanto isso, a China ocupou espaços nas três Américas, incluídos os países-membros do Mercosul.
Um quinto país, a Venezuela já bolivariana, foi incorporado no bloco. Sua participação foi suspensa alguns anos depois. Os acordos extrarregionais do Mercosul foram restritos a países em desenvolvimento, parceiros interessantes, sem dúvida, mas com potencial modesto de absorção de exportações dos países do Mercosul.
O acordo com a União Europeia, depois de mais de 20 anos, é o primeiro grande marco do retorno à diplomacia pragmática e adequada às condições contemporâneas. Mas o peronista Alberto Fernández, candidato à presidência da Argentina, já prometeu rever esse pacto, se for eleito. A vice de sua chapa é a ex-presidente Cristina Kirchner. A preocupação exibida por Fernández indica fidelidade ao velho protecionismo industrial argentino. Há poucos dias o presidente Mauricio Macri, candidato à reeleição, anunciou conversações com o governo brasileiro para abertura de negociações comerciais com Estados Unidos e China. Ao mesmo tempo, mantém-se a pauta de entendimentos com Canadá, Coreia e parceiros da Europa.
Se Macri for reeleito, um impulso importante para a continuação da virada diplomática estará provavelmente garantido. O acordo com a União Europeia, como disse um diplomata, caiu no colo do atual governo brasileiro, reticente, até há pouco tempo, em relação a parcerias com a UE (ressalvada a simpatia pelos governos europeus de extrema direita). Se a diplomacia brasileira se reaprumar, Brasil e Mercosul poderão ganhar. Isso exigirá um retorno completo à tradição do Itamaraty, marcada pelo pragmatismo e pela fidelidade às características de um Estado laico.
Folha de S. Paulo
Mais sim, menos não
Datafolha detecta alta da aprovação à reforma da Previdência Social; conseqüências do atraso na mudança dificilmente poderiam ser mais evidentes
Reformas previdenciárias, por mais bem desenhadas que sejam, sempre significam algum sacrifício para os segurados e, não por acaso, despertam resistências em qualquer lugar do mundo. Nada tem de corriqueiro, portanto, um deslocamento da opinião pública em favor de uma iniciativa do gênero.
Foi o que detectou o Datafolha, em pesquisa realizada neste início de julho. A proposta que avança na Câmara dos Deputados conta hoje com o apoio de 47% dos brasileiros, ante 41% em abril; a rejeição, por sua vez, recuou de 51% para 44%.
Evidente que não se está diante de uma clara maioria — a rigor, a diferença entre os dois grupos está na margem de erro. Ainda assim, trata-se de evolução notável num país em que as aposentadorias ocupam espaço exagerado no Orçamento e no debate público.
Recorde-se que, dois anos atrás, o projeto de reforma encaminhado p elo governo Michel Temer (MDB) enfrentava a oposição de nada menos de 71% do eleitorado. O texto de então era diferente do atual, decerto, mas nem tanto.
Houve mudança sensível, isso sim, de contexto político. Temer chegara ao Planalto como vice de Dilma Rousseff (PT), que renegara na campanha qualquer mudança em direitos e despesas sociais — e tentaria ela própria mexer na Previdência, antes de ser deposta.
Jair Bolsonaro (PSL) foi notório opositor da reforma nos tempos de deputado, mas adotou a agenda liberal na corrida ao Planalto. Se seu programa não apresentava uma proposta detalhada para os regimes previdenciários, ao menos deixava claro que algo seria feito.
Nessa pauta, de todo modo, o Executivo perdeu protagonismo para o Congresso — e cabe observar que a aprovação ao projeto avançou desde abril em todos os estratos de renda, idade e escolaridade, enquanto a popularidade de Bolsonaro manteve-se restrita a um terço do eleitorado.
As conseqüências do atraso de mais de duas décadas na reforma, ademais, dificilmente poderiam ser mais explícitas. As contas do governo federal têm déficit primário (sem incluir as despesas com juros) desde 2014; estados e prefeituras enfrentam obstáculos crescentes na prestação de serviços de educação, saúde e segurança.
O descalabro orçamentário reduz a confiança do setor privado, e a prostração econômica derruba a arrecadação, num círculo vicioso.
Em tal cenário caem por terra velhas teses destinadas a negar o desequilíbrio das contas previdenciárias, a apontar conspirações do mercado financeiro ou a pregar soluções milagrosas por meio de um surto de geração de empregos.
Mesmo as forças políticas que se opõem à reforma tendem a perder credibilidade, pelo visto, se insistirem no discurso demagógico em vez de apresentarem alternativas.
Folha de S. Paulo
Trens e tucanos
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão de defesa da concorrência, finalizou o exame do que seus integrantes chamam de um dos maiores casos de cartel descobertos no país.
Na segunda (8), 11 empresas foram condenadas por fraudes em licitações e associações ilegais montadas em 26 contratos firmados de 1998 a 2013 em quatro estados, no valor total de R$ 12,2 bilhões. São Paulo, com 93% da cifra, se destaca no grupo pelas irregularidades em obras metro ferroviárias.
Nada de novo. Há anos são segredo de polichinelo os problemas no setor durante a regência do tucanato paulista — que governa o estado desde 1995, excetuando breves interregnos do PFL e do PSB em 2006 e 2018, respectivamente.
Em 2010, a Folha havia feito a primeira grande revelação do caso, apontando uma licitação combinada na linhas do metrô paulistano. Dali decorreu a primeira grande delação, da Siemens, o que foi noticiado por este jornal em 2013.
Desde então, houve ao menos 14 denúncias do Ministério Público, cujo trabalho caracterizou-se pela morosidade. Apenas no ano passado vieram as primeiras condenações em primeira instância, em processos ligados à linhas.
O Cade avalia questões concorrenciais, não cíveis ou criminais. Determinou multas de R$ 515 milhões às empresas e de R$ 19 milhões a 42 funcionários envolvidos.
Nenhum político foi punido até aqui no caso dos trens. Os ex-governadores tucanos Geraldo Alckmin, José Serra e Alberto Goldman foram denunciados num episódio correlato, por desvios nas obras do Rodoanel confessados pela construtora Odebrecht há dois anos.
O lento início do esclarecimento de antigas suspeitas coincide com o ocaso da velha guarda do PSDB paulista. Dona do partido desde a fundação em 1988, começou a perder tração nacional com a breve ascensão de Aécio Neves, só para se ver dizimada pelo fracasso eleitoral de Alckmin no ano passado.
Herdou o espólio João Doria, o governador paulista, dono de discurso de intolerância à corrupção bem ao gosto do Zeitgeist do país da Operação Lava Jato.
Quando prefeito, Doria chegou a ter como braço direito Sérgio Avelleda, ex-presidente do Metrô que viria a integrar a primeira leva de condenados em 2018. No Palácio dos Bandeirantes, tratou de afastar secretários sob suspeita.
O prosseguimento de investigações e julgamentos tende a acentuar o desgaste dos antigos caciques tucanos, facilitando a hegemonia do governador — e potencial presidenciável — na legenda.