Impasse sobre os estados deve atrasar votação da reforma
Partidos do centrão pressionam por retirada de medidas para estados e devem atrasar votação
MANOEL VENTURA, GERALDA DOCA, GUSTAVO MAIA E BRUNO GÓES – O GLOBO
BRASÍLIA- Insatisfeitos com o relatório da reforma da Previdência, líderes de partidos do centrão trabalham para atrasar a tramitação da proposta. Os parlamentares querem retirar qualquer referência a estados e municípios do texto antes que ele seja votado na Comissão Especial que analisa o tema.
O pano de fundo dessa pressão é que os deputados não querem arcar com o ônus de mudar regras para a aposentadoria de servidores dos governos regionais às vésperas de um ano eleitoral. Isso, na avaliação dos parlamentares, seria uma ajuda aos governadores que, em vários locais, são adversários políticos dos deputados.
O deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator da proposta, apresentou ontem uma complementação no seu voto com alterações na reforma. Entre as medidas que irritaram os deputados está a permissão de cobrança de uma contribuição previdenciária adicional de servidores estaduais para cobrir rombos nos sistemas de aposentadorias locais. Embora essa ação tenha de passar pelas assembleias nos estados, os deputados são contra. Na primeira versão do seu relatório, Moreira havia retirado essa possibilidade.
Outro ponto de insatisfação está na menção no texto a policiais militares e bombeiros. O relatório afirma que enquanto não for editada lei específica, aplicam-se a estes profissionais as regras de aposentadoria e pensão por morte dos militares das Forças Armadas. Como ainda não se sabe o que acontecerá no projeto de lei que trata das mudanças nas regras de aposentadoria dos militares, os parlamentares preferem que PMs e bombeiros fiquem fora da reforma.
Além disso, o centrão cobra a liberação de verbas que foram prometidas pelo Palácio do Planalto para obras nos estados e que ainda não viraram realidade. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, comprometeu-se a autorizar R$ 10 milhões para cada deputado antes da votação na comissão e mais R$ 10 milhões para o texto passar no plenário.
IMPOSTO PARA EXPORTADOR
O dia de ontem foi marcado por negociações e pedidos de novas alterações no texto, como a volta de estados e municípios para a reforma e mudanças nas regras para policiais federais, entre outros profissionais de segurança, uma demanda que tem apoio do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
Entre medidas de corte de gastos e aumento de receitas, a economia esperada com o novo texto é de R$ 1,071 trilhão em dez anos. A sessão foi encerrada, porém, sem o presidente do colegiado, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), marcar a data da votação.
— Teremos reunião às 11h dos coordenadores e, a partir daí, apresentamos o calendário — disse Ramos.
— Para votar, tem que ter voto. Não dá para votar sem ter a segurança da garantia de votos.
O líder do PL, deputado Wellington Roberto (PB), descartou a votação do relatório da reforma nesta semana. Segundo ele, o relator terá de fazer adendos ao parecer para corrigir pontos que não foram acordados com líderes.
Deputados ouvidos pelo GLOBO relatam que há pressão dos líderes do PL, PP e Solidariedade para que as verbas extraorçamentárias sejam pagas antes da votação, e não apenas empenhadas.
— Quem quiser segurar a reforma agora por conta de emendas está trabalhando contra o Brasil — disse o líder do Podemos, José Nelto (GO).
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse esperar que o PSL não sugira alterações no texto. Desde segunda-feira, a legenda negocia uma forma de abrandar a aposentadoria de policiais federais.
— Há um acordo de alguns partidos para que, na comissão, não se apresentem destaques. Os partidos esperam também que o PSL não apresente destaque para que a gente possa ter uma votação mais tranquila na comissão — disse Maia.
Segundo uma fonte a par das discussões, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, não se manifestou publicamente a respeito do pleito do PSL, os partidos do centrão vão apoiar o pedido da bancada da bala para flexibilizar as regras para profissionais da área de segurança.
Perguntado sobre o assunto, Bolsonaro disse que “todo mundo vai ter a sua cota de sacrifício”. Ele ainda chamou de natural o que classificou como lobby: — Estamos tratando do assunto, é natural o lobby, mas todo mundo vai ter a sua cota de sacrifício, como as Forças Armadas tiveram.
Será possível alcançar uma economia de pouco mais de R$ 1 trilhão com a nova versão da reforma por causa de novas medidas para aumentar a arrecadação e outras para cortar despesas. Moreira estabeleceu o fim da isenção dada atualmente às contribuições previdenciárias dos produtores rurais que exportam. Isso possibilitará um aumento de arrecadação de R$ 83,9 bilhões em dez anos.
Além disso, ele espera obter uma economia de R$ 33 bilhões com uma medida para prevenir fraudes no Benefício de Prestação Continuada (BPC) — pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
O relator da reforma recuou na ideia de destinar recursos do PIS/Pasep, que hoje são usados pelo BNDES, para reduzir o rombo da Previdência Social. A medida, que estava prevista na primeira versão do relatório de Moreira, gerou críticas na equipe econômica e no Congresso. A proposta original, enviada pelo governo, em fevereiro, previa que o impacto seria de R$ 1,236 trilhão em uma década.
O relator confirmou ontem regras mais brandas para a aposentadoria de professoras. Ele propôs que estas tenham direito à integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) aos 57 anos de idade. Antes, a idade para esse benefício era 60 anos.
Moreira disse que está aberto ao diálogo e que até o início da votação poderá fazer novos ajustes no seu parecer. Ele afirmou, contudo, que a reforma não é para ampliar gastos e benefícios, mas para ajudar a reequilibrar as contas da Previdência.(Colaborou Natália Portinari)
OS PRINCIPAIS PONTOS DO PARECER REVISTO
1- Estados e municípios fora da proposta
O texto deixa claro que nada muda para servidores estaduais e municipais enquanto assembleias e câmaras de vereadores não aprovarem leis para seus regimes próprios.
2- Cota extra para servidores
Permite que governadores e prefeitos criem contribuições previdenciárias extraordinárias para servidores, com o objetivo de solucionar o déficit nos sistemas de aposentadorias locais.
3- Regime mais brando para professora
As professoras teriam direito à integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) aos 57 anos de idade. O tempo de contribuição foi mantido em 25 anos.
4- Repasse do PIS/Pasep
Foi retirada do texto a transferência de recursos do PIS/Pasep para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Com isso, esse dinheiro continuará sendo destinado ao BNDES.
5- Cálculo da aposentadoria
O relatório reforça que o cálculo da aposentadoria será feito com base na média de todas as contribuições recolhidas pelo trabalhador e não mais sobre as 80% maiores, como ocorre hoje.
6- Para PMs e bombeiros, regra das Forças Armadas
Enquanto não for editada a lei, aplicam-se aos policiais militares e bombeiros as regras de transferência para inatividade e pensão por morte dos militares das Forças Armadas.