Malu Delgado: O ‘vestibular’ de Eduardo Bolsonaro

Ao Senado Federal e à população brasileira pouco interessam as habilidades culinárias do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para exercer o cargo de embaixador do Brasil em Washington. O próprio parlamentar foi o responsável por se tornar alvo fácil de memes e caricaturas de humor político ao destacar que fritar hambúrguer numa rede de fast food americana engrandece o currículo de quem pode ter pela frente um gigante desafio diplomático. Não é a vivência do jovem ‘intercambista’ pelo mundo, a fluência na língua inglesa obtida no Colorado, a idade recém alcançada de 35 anos, e nem tampouco o fato de ser filho do presidente que suscitarão os questionamentos mais relevantes sobre a adequação de Eduardo Bolsonaro à função. Ainda que tudo isso venha à baila numa sabatina, em especial as variações jurídicas do conceito de nepotismo, não reside exatamente aí o xis da questão.

O que de fato deve ser levado em conta pelos senadores – ou pelo menos deveria ser – é se o que a família Bolsonaro apresenta como seu grande trunfo, a proximidade e a “amizade” com o presidente Donald Trump, o credencia ou torna a sua missão ainda mais delicada e complexa.

Aos 84 anos, o embaixador Marcos Azambuja, que representou o Brasil na França e na Argentina, ensina que “o que parece vantagem pode passar a ser suspeita”. A relação fluida entre o agente brasileiro e o titular do poder americano, sustenta o diplomata, é sim importante atributo. Porém, um embaixador representa a totalidade dos interesses brasileiros e faz a intermediação com a totalidade dos interesses americanos. “Não é bom que o Partido Democrata americano ache que ele [Eduardo Bolsonaro] é um enviado junto a Trump e aos republicanos.”

A vivência e, porque não dizer, o exercício da diplomacia deram ao funcionário do Itamaraty a consciência da finitude de eras políticas e a delicadeza de não prejulgar. Eduardo Bolsonaro nunca esteve na ‘short list’ do embaixador para o cargo em Washington, mas ele diz se sentir muito desconfortável para julgar pessoas. Alerta apenas que a situação política nos Estados Unidos pode se alterar e que não se pode exercer a diplomacia pensando em interesses conjunturais, mas em aspectos permanentes.

Para quem ocupou o primeiro cargo de embaixador aos 57 anos, a diplomacia se faz com as seguintes linhas: “moderação, civilidade e racionalidade”. “O candidato tem que ter estes três ornamentos: ser racional, moderado e civilizado.” Tolerância e diálogo não são atributos dos Bolsonaro, pelo menos com base no que se observa no Brasil. Se pudesse traduzir, o diplomata diria que ter a ideologia como balizador político não é bom remédio, seja à direita ou à esquerda.

Há precedentes de indicações para Washington fora da carreira diplomática e esta não é uma condição exclusiva para a escolha. Quem é do meio, no entanto, não vê com naturalidade o fato de Washington, o mais nobre posto da diplomacia, ser local para testes. “Eu gosto de estar com médicos formados, advogados formados, tenho respeito pelas formações, mas isso não é exigência. No caso deste nosso candidato, não creio que exista esta qualificação tão clara. Não creio que ele tenha trajetória em relações internacionais”, define Azambuja. Mais direto, ainda que cuidadoso: “Em outras palavras, a Embaixada do Brasil em Washington não é um exame vestibular. Não é o começo, é a coroação de uma carreira. Você chega lá não quando está começando, mas quando chegou ao auge”.

Reforma da Previdência

Deveria ser estudada pela oposição a habilidade com que Eduardo Bolsonaro usa as redes sociais, sobretudo depois do placar da votação da reforma da Previdência. O deputado conseguiu transformar a infeliz frase do hambúrguer em vitimização. Postou um vídeo antigo, de 2017, lembrando do tempo em que trabalhou nos EUA na rede Popeyes. Qualquer trabalho nos EUA é respeitado, desde que não seja crime e ato ilícito, disse. Volta para 2019, após a indicação para embaixador: “Estrangeiro, 20 anos e num trabalho humilde era respeitado nos EUA. Pagava minhas contas lá e aprimorei meu inglês sem dar gastos aos meus pais. No Brasil a imprensa me desdenha e deturpa minha fala. De fato o Brasil não é p/amadores. Até quando comeremos m… e arrotaremos caviar? [sic]”.

Na ressaca após a votação da reforma da Previdência, um dos poucos consensos na centro-esquerda é que ela ainda não compreendeu como inaugurar novas formas de comunicação com a sociedade. Se Ciro Gomes, Fernando Haddad, Flávio Dino, Renato Casagrande e tantos outros deste bloco, na condição de candidatos à Presidência ou governadores do PT, PDT, PSB e PCdoB já reconheceram a necessidade de se reformar a Previdência, como então explicar ao eleitor a resistência e até mesmo o desejo de expulsar parlamentares que votaram a favor da idade mínima?

Faltou argumentar com clareza, transparência e didatismo qual reforma querem, por quais razões, e que discordâncias têm em relação ao texto que tramita no Congresso. “A esquerda não conseguiu apresentar a sua proposta. Ficar só na reação não dá certo. As pessoas querem propostas”, resume o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB). Governadores de centro-esquerda não têm hoje dificuldade em reconhecer o déficit da Previdência e o desequilíbrio entre os regimes geral e próprios. A habilidade do governo Bolsonaro em vincular a reforma da Previdência à única saída possível para a crise econômica do país fez aumentar, de maneira inédita, a aceitação da população ao tema. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), admite que há formas melhores de comunicação, mas não acha que isso mudaria o resultado. A esquerda é deste tamanho no Congresso, diz, e o centro, que definiu a votação, converge com a agenda econômica de Paulo Guedes. “Perdemos e ainda somos culpados por perder”, reage o maranhense, que recusa a estratégia da “revitimização”. (Valor Econômico – 18/07/2019)

Malu Delgado é editora-assistente de Política. Maria Cristina Fernandes volta a escrever na próxima semana – E-mail: maria.delgado@valor.com.br

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