Negacionistas do aquecimento global transformam teorias em movimentos
A convite da embaixada alemã, participei de uma missão oficial sobre a questão ambiental e o papel do Parlamento nessa área. Foram cinco dias intensos tendo acesso à realidade local e a pesquisas de ponta. Os alemães mostraram ter um conhecimento detalhado d o Brasil e dos avanços que acumulamos em anos recentes. Estivemos em organizações como o Instituto de Pesquisa Econômica Ambiental (IÓW), o Conselho Alemão para o Desenvolvimento Sustentável e o Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático.
A maior surpresa para nossos anfitriões foi ver como os deputados e senadores que integravam a delegação brasileira discordavam não apenas das ações da gestão Bolsonaro mas também dos dados apresentados pelo governo, evidenciando o quanto estamos divididos nessa área.
Havia incredulidade generalizada com o negacionismo perpetuado por lideranças como Trump e Bolsonaro, e foi difícil encarar a perplexidade dos alemães com o desvio de rota do Brasil e a aparente perda de racionalidade no trato do tema ambiental pelo nosso Ministério do Meio Ambiente e pelo seu condutor, Ricardo Salles.
Ainda que entendêssemos o receio das autoridades alemãs, eu e outros membros da delegação pedimos que a Alemanha não retirasse recursos do Fundo Amazônia, colocado em risco por falas recentes de representantes do governo Bolsonaro.
Nos cinco dias do encontro, debatemos também a transição energética para fontes de energia cada vez mais renováveis. Falamos especialmente sobre o fato de essa transição na Alemanha estar levando a empregos mais dignos. O Agora Energiewende, que visitamos, é um grupo que busca formular uma visão comum de como pode ser concebido um sistema elétrico baseado em energias renováveis. No início de 2016, pouco depois da cúpula climática da ONU, apresentaram uma proposta para e liminar gradualmente a geração de energia a partir do carvão.
Também conversamos sobre o potencial do nosso biogás para substituir o diesel, um dos principais poluentes, e sobre como o Brasil precisa se preparar para a recente mudança de paradigma em relação ao petróleo. Hoje, a expectativa já é de que, até 2030, alcancemos o pico da demanda por petróleo no mundo, o que impacta diretamente as nossas discussões sobre o pré-sal.
Lembramos também que é nos municípios brasileiros com os menores níveis de desenvolvimento que encontramos o maior potencial de energia renovável. Ou seja, a transição para energias mais renováveis pode contribuir muito para o desenvolvimento regional, em especial no Nordeste.
Mas são os cenários traçados para o mundo que mais nos obrigam a tratar com seriedade as questões ambientais. O planeta já aumentou de temperatura em aproximadamente 1°C e se estima que o nível do mar suba até 1 m até 2.100. Se a Groenlândia derreter, o nível do mar pode aumentar em até 7 m e isso levará não apenas a catástrofes ambientais mas também a graves desastres econômicos e sociais.
Por enquanto ainda podemos sonhar não apenas com a redução do aquecimento global mas também com sua reversão. No entanto, o ponto de não retorno está cada vez mais próximo e, enquanto isso, os negacionistas do aquecimento global estão transformando suas teorias da conspiração em movimentos políticos, o que é extremamente grave e preocupante. É na política que a irracionalidade tem seu maior potencial de impacto negativo, colocando em risco não apenas o desenvolvimento social e econômico do nosso país mas também o futuro de todo o planeta. (Folha de S. Paulo – 17/06/2019)
Tabata Amaral, cientista política, astrofísica e deputada federal pelo PDT-SP Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito